Ação de investigação de paternidade proposta pelo Ministério Público - Limites da coisa julgada
A Lei 8.560/92 regula a investigação de paternidade dos filhos havidos fora do casamento. Registrada criança apenas com indicação da mãe, o Oficial do Registro remete ao juiz os dados de que dispõe, para que se proceda à averiguação oficiosa da paternidade. O suposto pai é notificado. Confirmando a paternidade, lavra-se termo de reconhecimento. Não atendendo à notificação ou negando a paternidade, os autos são remetidos ao Ministério Público que, havendo elementos suficientes, intenta ação de investigação de paternidade. O artigo 5o, § 5o, da citada Lei, dispõe que 'a iniciativa conferida ao Ministério Público não impede a quem tenha legítimo interesse de intentar investigação, visando a obter o pretendido reconhecimento da paternidade'.
Pergunta-se: pode esse legitimado intentar a ação mesmo depois de transitar em julgado a sentença que houver julgado improcedente a ação proposta pelo Ministério Público?
A questão foi debatida na Apelação 598293876 (TJRGS, 7a. Câmara Cível, Apelação 598293876, Sérgio Fernando Vasconcellos Chaves, relator para o acórdão, j. 25.11.98. :Revista da Ajuris, Porto Alegre, (81): 388-92, mar/2001). Disse o citado relator:
'Parece-me bastante claro que a Lei n. 8.560/92 trata da questão da paternidade sob o prisma registral e, portanto, a legitimação do Ministério Público se dá na defesa do interesse público e não do interesse privado do infante. É possível afirmar, pois, que, nas ações investigatórias, o órgão do Ministério Público age em nome próprio na defesa da ordem jurídica, pois é de ordem pública a questão relativa à filiação. A Lei n. 8.560/92, portanto, não legitima o órgão ministerial para representar um interesse privado, ainda que se trate do interesse de um menor, porquanto a própria Carta Magna veda ao Ministério Público, até mesmo, a representação judicial de órgãos públicos e, mais do que isso, proíbe expressamente o exercício da advocacia. Além disso, as funções institucionais do órgão do Ministério Público estão elencadas :numerus clausus no art. 129 da Constituição Federal, que legitima o exercício de 'outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade', mencionando, expressamente, no art. 129, § 1o, que 'a legitimação do Ministério Público para as ações civis previstas neste artigo não impede a de terceiros, nas mesmas hipóteses, segundo o disposto nesta Constituição e na lei'. A precitada Lei n. 8.560/92 estabelece que é feita de ofício a averiguação dita oficiosa e que 'o juiz, sempre que possível, ouvirá a mãe sobre a paternidade alegada', devendo 'notificar o suposto pai' e depois 'remeterá os autos ao representante do Ministério Público para que intente, havendo elementos suficientes, a ação de investigação de paternidade. Aliás, esse procedimento do juiz corresponde, precisamente, ao que dispõe, também, o art. 7o da Lei 7.347/85, que trata da ação civil pública. Como se vê, as providências de averiguação oficiosa e ajuizamento da ação independem da vontade, conveniência ou interesse da parte, isto é do infante ou sua mãe. O interesse é eminentemente público. Vista assim a atuação ministerial, a ação investigatória de paternidade ajuizada pelo Promotor de Justiça é, com todas as cores, uma ação civil pública e está sujeita, portanto, aos princípios que regram a matéria, inclusive quanto aos efeitos da coisa julgada'.
Assim, aplicando o disposto no artigo 16, da Lei 7.347/85, dispondo que 'se o pedido for julgado improcedente, por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova', concluiu o Relator que o investigante e sua mãe não seriam atingidos pela coisa julgada, podendo intentar a ação investigatória quando melhor lhes aprouvesse.
Parece-me correta a doutrina sustentada no acórdão. O Ministério Público não age, no caso, como substituto processual de quem quer que seja, porque se trata de processo objetivo, visando à aplicação do direito objetivo. Eventual tutela de direitos individuais é mero efeito reflexo da sentença.
Restou-me, porém, uma dúvida, decorrente da seguinte afirmação, constante do acórdão: 'Para que a ação produzisse o efeito de coisa julgada material contra o investigante, deveria ele ser citado, para integrar o processo, como litisconsorte necessário, fato que não ocorreu'. Raciocinemos: suposto que, em casos como o examinado, o Ministério Público não seja substituto processual do infante, este há de ser citado, pois não se pode declarar a existência ou inexistência de uma relação jurídica sem a presença, no processo, das partes dessa mesma relação jurídica. Segundo o acórdão, citado o infante, isto é, se regular o processo, seria ele atingido pela coisa julgada. Com isso, cairia por terra todo o esforço teórico desenvolvido para sustentar a inexistência de coisa julgada, na hipótese de desacolhimento do pedido por insuficiência de provas.
TESHEINER, José Maria Rosa Tesheiner. Ação de investigação de paternidade proposta pelo Ministério Público - Limites da coisa julgada. Revista Páginas de Direito, Porto Alegre, ano 1, nº 38, 02 de Julho de 2001. Disponível em: https://paginasdedireito.com.br/artigos/todos-os-artigos/acao-de-investigacao-de-paternidade-proposta-pelo-ministerio-publico-limites-da-coisa-julgada.html