04.12.20 | Jorge Antônio da Rosa

EDUCAÇÃO, JUSTIÇA E GESTÃO AMBIENTAL: UMA PARCERIA POSSÍVEL?*

RESUMO:

O presente texto busca refletir sobre as dificuldades na prática da gestão ambiental em nossa sociedade, analisando o papel da Educação e da Justiça nesse contexto, buscando encontrar respostas aos diversos problemas ambientais pelos quais nosso país está passando. Neste cenário observa-se a importância da Educação permeando os diversos atores de nossa sociedade.

PALAVRAS-CHAVE: Educação. Justiça. Meio Ambiente. Gestão Ambiental.

ABSTRACT:

This paper seeks to reflect on the difficulties in the practice of environmental management in our society, analyzing the role of Education and Justice in this context, seeking to find answers to the various environmental problems that our country is experiencing. In this scenario, the importance of Education is observed, permeating the different actors of our society.

KEYWORDS: Education. Justice. Environment. Environmental Management.

INTRODUÇÃO

Segundo Dias (2010, p. 17) 'o analfabetismo ambiental levou a espécie humana a produzir pressões insuportáveis sobre os sistemas naturais, onde observamos uma perda da qualidade de vida, de uma forma generalizada, em todo o planeta'. Conforme este mesmo autor, essa perda se diferencia entre os povos, desde a supressão de cursos hídricos, até a destruição de recursos naturais devido à nossa ganância por lucros rápidos. O maior desafio que temos é o de reverter esta situação que nos atinge diariamente em todos os sentidos.

Ainda, para Dias (2010, p. 26):

A educação ambiental deve facilitar a visão integrada do meio ambiente, para que a coletividade possa compreender a natureza complexa do ambiente que a cerca e adquirir conhecimentos, valores, comportamentos e habilidades práticas para participar de forma ativa e eficaz na solução e prevenção de problemas ambientais.

Nosso planeta possui recursos finitos e a exploração desses recursos, se não realizada de forma planejada, levando em conta seus impactos (ambiental, social, econômico), podem ultrapassar a capacidade de carga do planeta gerando grandes catástrofes ambientais. Essa capacidade de carga ainda não é conhecida com exatidão, o que implica que devemos conhecer e entender sobre todos os processos que ocorrem na Terra adotando uma atitude proativa em busca de evitar estes desastres ambientais.

Para Seiffert (2011, p. 48),

Assim, a gestão ambiental busca a condução harmoniosa dos processos dinâmicos e interativos que ocorrem entre os diversos componentes do ambiente natural e antrópico, determinados pelo padrão de desenvolvimento almejado pela sociedade. Para tanto, deve considerar a complexidade inerente aos ecossistemas antrópicos e suas inter-relações e interdependências dos ecossistemas naturais. Isto implica que, para que ocorra um processo efetivo de gestão ambiental, é necessário grande conhecimento das dinâmicas que envolvem ambos os ecossistemas, porque processos humanos, que envolvem aspectos sociais, econômicos e culturais de dada região, estão em constante interação com os processos naturais.

Para nossa sociedade o que vale é o instinto de sobrevivência, em detrimento dos valores éticos e morais, onde os interesses políticos e econômicos se sobressaem.

Para Callenbach (2011, p. 74):

[...] Embora os conflitos em torno de questões ambientais sejam muitas vezes discutidos em termos 'práticos', a maioria dos debates ecológicos envolve, basicamente, conflitos de valor. [...] Valores são noções básicas que nos orientam sobre como nos comportar. Nós seres humanos agimos a maior parte do tempo com base nos instintos, exatamente como os animais. Queremos comida, proteção e sexo sem termos que parar para pensar em como obtê-los. Se não tivéssemos essas estratégias instintivas de ação, a sobrevivência exigiria de nós um constante ato de repensar as nossas tomadas de decisão. Mas nós somos também capazes de estabelecer, por meio da linguagem, regras sobre o que fazemos e por que fazemos. Independentemente do nosso reconhecimento, todos os indivíduos humanos e todas as culturas humanas possuem tais regras e valores. [...] Mas os valores podem colidir com a realidade. A ideia de que todas as outras espécies estão aqui apenas para o bem dos seres humanos, embora contrariada por abundantes evidências científicas e experiências práticas, continuará sendo amplamente difundida, se não reconhecida como valor.

Este modelo é baseado em algo maior, expresso por um modelo cultural e social que temos como povos latinos.

Conforme Grácia (1995, p. 204-205):

Os latinos sentem-se profundamente inconfortáveis com direitos e princípios. Eles acostumaram-se a julgar as coisas e atos, como bons ou ruins, ao invés de como certos ou errados. Eles preferem a benevolência à justiça, a amizade ao respeito mútuo, a excelência ao direito. (...) Os latinos buscam a virtude e a excelência. Não penso que eles rejeitam ou desprezam os princípios (...) Uma vez que as culturas latinas tradicionalmente foram orientadas pela ética das virtudes, a abordagem principialista pode ser de grande ajuda em evitar alguns defeitos tradicionais de nossa vida moral, tais como o paternalismo, a falta de respeito pela lei e tolerância. Na busca da virtude e excelência, os países latinos tradicionalmente têm sido intolerantes. A tolerância não foi incluída como uma virtude no velho catálogo das virtudes latinas. A virtude real era a intolerância, a tolerância era considerada um vício (...) A tolerância como uma virtude foi descoberta pelos anglo-saxões no século XVII. Esta é talvez a mais importante diferença entre as culturas. A questão moral mais importante não é a linguagem que usamos para expressar nossos sentimentos morais, mas o respeito pela diversidade moral, a escolha entre pluralismo ou fanatismo. O fanatismo afirma que os valores são completamente absolutos e objetivos e devem ser impostos aos outros pela força, enquanto que a tolerância defende a autonomia moral e a liberdade de todos os seres humanos e a busca de um acordo moral pelo consenso.

A preocupação com normas e princípios não é aplicada pela sociedade brasileira, pois alguns valores morais são preponderantes em relação à lei. A população prefere o que é mais imediato, não pensando sobre o que ocorreria a médio e longo prazo. Dentro das questões ambientais, e dentro do princípio da ubiqüidade, essa questão fica mais evidente, pois os interesses econômicos e políticos, normalmente mais imediatos, se evidenciam e fortalecem frente às questões ambientais (vide a discussão sobre o Novo Código Florestal Brasileiro).

Segundo o professor Celso Fiorillo (2006, p. 45) a ubiquidade vem evidenciar que o objeto de proteção do meio ambiente, localizado no epicentro dos direitos humanos, deve ser levado em consideração toda vez que uma política, atuação, legislação sobre qualquer tema, atividade, obra etc. tiver que ser criada e desenvolvida. Isso porque, na medida em que possui como ponto cardeal de tutela constitucional a vida e a qualidade de vida, tudo que se pretende fazer, criar ou desenvolver deve antes passar por uma consulta ambiental, enfim, para saber se há ou não a possibilidade de que o meio ambiente seja degradado. Em outras palavras, o princípio da ubiquidade visa garantir a proteção ao meio ambiente, considerando-o como um fator relevante a ser estudado antes da prática de qualquer atividade, de forma a preservar a vida e a sua qualidade.

Em 2009 em uma escola do município de Viamão no Rio Grande do Sul (RS), uma professora foi punida por aplicar uma medida a um aluno que pichou a escola sem a anuência das esferas legais. Em janeiro de 2013 no município de Porto Alegre no RS um pichador foi pego pela guarda municipal e levado à delegacia. Ele era maior de idade e já possuía 15 passagens na delegacia pelo mesmo crime. Ele assinou um termo circunstanciado e foi liberado pelo policial de plantão. Observamos que nossas leis são tolerantes, pois elas representam o desejo da sociedade escrito por nossos legisladores.

Se levarmos em conta outros cenários como o de Mariana (05/11/2015) e Brumadinho (25/01/2019) percebemos outras preocupações, pois estes dois eventos foram classificados como desastres ambientais e não como crimes ambientais, que possui uma tipificação diferente em nosso ordenamento jurídico, colocando um tratamento diferente nas responsabilidades civis, criminais e ambientais.

Conforme Vázquez (1999, p. 98):

As normas morais se cumprem através da convicção íntima dos indivíduos e, portanto, exigem uma adesão íntima a tais normas. Neste sentido pode-se falar de interioridade da vida moral. (O agente moral deve fazer as suas ou interiorizar as normas que deve cumprir.) as normas jurídicas não exigem esta convicção íntima ou adesão interna. (O sujeito deve cumprir a norma jurídica, ainda que não esteja convencido de que é justa e, por conseguinte, ainda que não adira intimamente a ela.) Pode-se falar, por isto, da exterioridade do direito. O importante, no caso, é que a norma se cumpra, seja qual for a atitude do sujeito (voluntária ou forçada) com respeito a seu cumprimento. Se a norma moral se cumpre por motivos formais ou externos, sem que o sujeito esteja intimamente convencido de que deve atuar de acordo com ela, o ato moral não será moralmente bom: pelo contrário, a norma jurídica cumprida formal ou externamente, isto é, ainda que o sujeito esteja convencido de que é injusta e intimamente não queira cumpri-la, implica um ato irrepreensível do ponto de vista jurídico. Assim, pois, a interiorização da norma, essencial do ato moral, não o é, pelo contrário, no âmbito do direito.

Nossa sociedade considera os recursos naturais como sua propriedade, ou seja, a natureza não possui direitos. Esta nova concepção e visão da natureza devem ser aplicadas, dentro do princípio da ubiquidade, para que tenhamos uma relação mais equilibrada entre meio ambiente e seres humanos. Cabe lembrar que o ser humano faz parte da natureza, embora ele se considere acima dela. Na Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, realizada em Estocolmo (Suécia - 1972), foi colocada a afirmação a seguir:

O crescimento natural da população remete continuamente a problemas relativos à preservação do meio e os povos devem adotar normas e medidas apropriadas para fazer frente a esses problemas. [...] De tudo quanto existe no mundo, o ser humano é o bem mais valioso, pois é ele que promove o progresso social, cria riquezas, desenvolve a ciência e a tecnologia e, com seu árduo trabalho, transforma continuamente o meio humano.

Esta é uma afirmação incorreta, pois o homem faz parte da natureza e não deve estar acima dela. Se analisarmos a afirmativa '... o ser humano é o bem mais valioso...' observamos um grande engano. Qual o valor que colocaríamos em uma comunidade de abelhas que poliniza os vegetais sem cobrar nada em troca? Quanto gastaríamos se não houvesse esse trabalho gratuito da natureza? Com certeza uma quantia muito elevada, pois o custo seria muito grande, não só financeiro, mas também técnico.

Novamente, aqui, observamos o princípio da ubiquidade presente, pois através dele faríamos uma análise mais completa e profunda do contexto envolvido. Precisamos entender que como sociedade, estamos causando um impacto muito grande no meio ambiente, dentro de uma visão equivocada que temos na formação da população, pois existem muitas carências na educação. Esta educação refere-se não a da escola, mas a da família, que é o esteio da nossa sociedade nestas questões. Valores éticos, assunção de escolhas, respeito ao meio ambiente, dentre outros. Isto se reflete na sociedade como um todo, pois os nossos legisladores, possuidores desta formação, tomam suas decisões e criam suas leis, principalmente as ambientais, baseadas em suas crenças, valores e interesses.

Outro aspecto a ser salientado é que este modelo se perpetua ao longo dos anos, pois se uma criança/adolescente não consegue modificá-lo, praticando-o na vida adulta, dificilmente irá fazê-lo quando chegar aos 60 anos, primeiro porque já estará arraigado/enraizado na pessoa, e, segundo, porque existe o Estatuto do Idoso que a protege. Assim, a idade não isenta o modelo, mas o reforça, pois ele já está introjetado no indivíduo.

O papel da escola é importante neste contexto porque é através dela que podemos transformar o indivíduo em cidadão, colocando valores básicos importantes na sua vida. Os alunos que conseguem apreender estes conceitos têm uma grande probabilidade de sucesso em sua vida adulta, não só em termos pessoais, como também em termos profissionais e de cidadania.

Conforme Capra (2011, p. 57):

Não é exagero dizer que a sobrevivência da humanidade vai depender da nossa capacidade, nas próximas décadas, de entender corretamente esses princípios da ecologia e da vida. A natureza demonstra que os sistemas sustentáveis são possíveis. O melhor da ciência moderna está nos ensinando a reconhecer os processos pelos quais esses sistemas se mantêm. Cabe a nós aprender a aplicar esses princípios e criar sistemas de educação pelos quais as gerações futuras poderão aprender os princípios e aprender a planejar sociedades que os respeitem e aperfeiçoem.

CONCLUSÃO

Os conceitos de educação, justiça e gestão ambiental não estão, de certa forma, interiorizados nas pessoas por não haver o entendimento dos mesmos. Em nossa sociedade o modelo familiar e cultural da população faz com que eles escolham o modelo de sobrevivência aprendido na infância e que é invariavelmente contrário ao modelo de ensino/educação realizado pelas escolas e dentro dos princípios de nosso ordenamento jurídico que deveria estar presente em todos os cidadãos.

Desta maneira, pode-se dizer que quando tentamos construir um modelo de educação, de justiça e de gestão ambiental para a população, independente de gênero, credo, cor, entre outros, estamos construindo um modelo para educar e gerenciar pessoas, ou seja, seres humanos com seus paradigmas e contradições.

Somente quando conseguirmos mudar o modelo existente nas pessoas pode-se ter êxito na mudança de paradigmas de nossa sociedade, evitando que suas ações impactem no meio ambiente, permitindo que as futuras gerações encontrem um meio ambiente preservado e sustentável, retirando o homem como 'centro do universo' e o colocando como parte de uma rede que se interage e se interconecta com outras redes em nosso planeta.

O papel das escolas, do poder judiciário e de nossos legisladores é muito importante neste contexto, pois é através deles que podemos construir um cenário sustentável às gerações futuras e às atuais.

Mostra-se necessário que as escolas tenham mais autonomia, principalmente na esfera legal, para executar a tarefa de educar seus alunos, não só no sentido de conhecimento, mas, principalmente, no sentido de valores éticos e morais.

REFERÊNCIAS

CALLENBACH, Ernest. Valores. In: CAPRA, Fritjof et al. Alfabetização Ecológica – a educação de crianças para um mundo sustentável. São Paulo: Cultrix, 2011.

CAPRA, Fritjof et al. Alfabetização Ecológica – a educação de crianças para um mundo sustentável. São Paulo: Cultrix, 2011.

DECLARAÇÃO DA CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE O MEIO AMBIENTE HUMANO, em Estocolmo (Suécia - 1972). In: ALMEIDA, L.M.A.: RIGOLIN, T.B. Geografia Geral e do Brasil – fronteiras da globalização. São Paulo: Ática, 2005. p. 210.

DIAS, Genebaldo Freire. Educação e Gestão ambiental. São Paulo: Gaia, 2010.

FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

GRÁCIA, G. D. Hard Times, hard choices: founding Bioethics today. Bioethics, v. 9, n. 3-4, p. 204-205, July 1995. In: BRUSTOLIN, Leomar Antônio (Org.). Bioética – cuidar da vida e do meio ambiente. São Paulo: Paulus, 2010.

SEIFFERT, Mari Elizabete Bernardini. Gestão Ambiental - instrumentos, esferas de ação e educação ambiental. São Paulo: Atlas, 2011.

VÁSQUEZ, Adolfo Sánchez. Ética. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999.

Jorge Antônio da Rosa**

* Trabalho final realizado na disciplina de Legislação Ambiental do Curso de MBA em Gestão de Projetos e Sustentabilidade Ambiental da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

** Bacharel e Licenciado em Geografia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul:

Especialista para a Qualidade do Meio Ambiente pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul: Professor de Geografia da Rede Pública Municipal dos municípios de Cachoeirinha e Gravataí.


ROSA, Jorge Antônio da Rosa. EDUCAÇÃO, JUSTIÇA E GESTÃO AMBIENTAL: UMA PARCERIA POSSÍVEL?*. Revista Páginas de Direito, Porto Alegre, ano 20, nº 1467, 04 de Dezembro de 2020. Disponível em: https://paginasdedireito.com.br/artigos/todos-os-artigos/educacao-justica-e-gestao-ambiental-uma-parceria-possivel.html
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Editores: 
José Maria Tesheiner
(Prof. Dir. Proc. Civil PUC-RS Aposentado)

Mariângela Guerreiro Milhoranza da Rocha

Advogada e Professora Universitária

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Excelência em conteúdo jurídico desde o ano de 2000 | ISSN 1981-1578