Jurisdição voluntária
A jurisdição contenciosa é estruturada na suposição de uma lide. Dito em outras palavras, supõe um conflito de interesses que será decidido por um terceiro. Supõe, portanto, a existência de partes. O conflito pode de fato não existir, como ocorre em processo simulado. Mas isso não afasta a afirmação de que os processos de jurisdição contenciosa são estruturados na suposição da existência de uma lide.
Exatamente o contrário ocorre na jurisdição voluntária. Embora possa, de fato, haver conflito, os processos de jurisdição voluntária são estruturados na suposição da inexistência de um conflito de interesses. A interdição apresenta-se como exemplo paradigmático: supõe-se que o interesse do requerente seja idêntico ao do requerido, um e outro querendo a melhor solução para resguardo dos interesses do requerido: de fato, o processo de interdição pode envolver um conflito de natureza até patrimonial: o filho, por exemplo, querendo assumir o comando da empresa do pai.
A sentença proferida em processo de jurisdição voluntária é geralmente constitutiva, mas não é declarativa de direitos. Na sentença constitutiva, proferida em processo de conhecimento, o juiz cria, modifica ou extingue a relação jurídica, declarando a existência do direito formativo do autor à criação, modificação ou extinção da relação jurídica. Na sentença constitutiva proferida em processo de jurisdição voluntária, o juiz cria, modifica ou extingue relação jurídica, mas não existe o direito formativo correspondente. Observe-se que direitos formativos geram sentenças constitutivas, mas a recíproca não é verdadeira: nem toda sentença constitutiva supõe direito formativo.
Diz Chiovenda: 'as sentenças constitutivas contêm a atuação de um direito à constituição de um novo estado jurídico, direito correspondente a um sujeito jurídico contra outro. Pelo contrário, a constituição ou desenvolvimento de estados jurídicos, ocorrente na jurisdição voluntária, não atua um direito correspondente a Tício contra Caio' (Instituições, São Paulo, Saraiva, p. 65, p. 19).
Da inexistência de declaração de direitos decorre a inexistência de coisa julgada.
A jurisdição voluntária fica a meio caminho entre a atividade administrativa e a jurisdicional. Não é administrativa, porque visa à tutela de interesses :privados: não é jurisdicional, porque supõe a inexistência de conflito de interesses e, portanto, a inexistência de partes.
A jurisdição voluntária implica o aproveitamento do processo para a tutela de interesses privados. Embora sem a existência de partes em conflito, observa-se o princípio do contraditório. Daí dizer-se que, na jurisdição voluntária pode haver :controvérsia sobre a melhor maneira de tutelar determinado interesse, mas não há :lide.
TESHEINER, José Maria Rosa Tesheiner. Jurisdição voluntária. Revista Páginas de Direito, Porto Alegre, ano 0, nº 13, 15 de Agosto de 2000. Disponível em: https://paginasdedireito.com.br/artigos/todos-os-artigos/jurisdicao-voluntaria.html