06.04.21 | Tamara Brant Bambirra; Deilton Ribeiro Brasil

O ACESSO À ÁGUA COMO DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: uma análise do racionamento de água no sistema carcerário brasileiro em tempos de pandemia

A Constituição Federal, em seu artigo 1º, III, assegura que a dignidade da pessoa humana é fundamento da República Federativa do Brasil, devendo ter eficácia e aplicabilidade imediata a todos. A Carta Magna brasileira, trata das garantias fundamentais em seu artigo 5º, sendo que, dispõe especialmente das garantias dos encarcerados no inciso XLIX, que assegura aos presos o respeito à integridade física e moral. O inciso III ainda assevera sobre a impossibilidade de submissão a tratamento desumano ou degradante. No entanto, ao que parece, o Estado não está agindo de acordo com as disposições constitucionais (BRASIL, 1988).

Ressalta-se que o preso está privado apenas de sua liberdade, não estando destituído de ter uma vida digna. Sendo que, sob a custódia do Estado este tem o dever de garantir a dignidade do encarcerado, como todos os outros direitos fundamentais assegurados pela Constituição Federal.

Os procedimentos metodológicos deste trabalho são baseados em pesquisas documentais, doutrinárias e de revisões bibliográficas, visando demonstrar que não há condições mínimas dentro do sistema carcerário brasileiro para impedir a proliferação do vírus entre os presos, será feita análise da situação carcerária no que tange o acesso e o racionamento da água dentro dessas instituições. Foi utilizado o método descritivo-analítico para uma melhor reflexão sobre o tema central da presente pesquisa.

O acesso a água é um direito humano fundamental, sendo que deve haver a distribuição igualitária da água a todos os cidadãos, sob pena da não observância do princípio da dignidade, bem como de estar o ferindo, haja vista que não tem como viver dignamente com um falho acesso a água, uma vez que não existe vida sem água.

O acesso ao saneamento básico e à água potável é um direito reconhecido pela Organização das Nações Unidas (ONU) como condição para o gozo pleno da vida e dos demais direitos humanos, sendo assim fundamental e essencial ao exercício da dignidade (ONU, 2010).

A ONU aprovou em 2010 uma resolução na qual garante como direitos fundamentais o acesso à água e o saneamento básico, uma vez que considerou que o direito à água e ao saneamento é derivado do direito a um padrão de vida adequado e indispensável para a realização de outros direitos humanos.

É importante observar que o Brasil, como Estado integrante da ONU, tem a responsabilidade e compromisso de efetivar o que foi convencionado. Além dos princípios gerais que se aplicam a todos os direitos humanos (como igualdade, participação, transparência e acesso à informação), no caso específico do direito à água e ao esgoto sanitário, os chamados conteúdos normativos devem também ser respeitados, os quais incluem disponibilidade, acessibilidade física, acessibilidade financeira, qualidade e segurança, aceitabilidade, privacidade e dignidade (HELLER, 2017).

Embora a Constituição Federal não disponha explicitamente que a água é um direito humano fundamental, suas características de essencialidade, universalidade e fundamentalidade já o estimam como direito fundamental (CARLI, 2013, p. 40).

Pode-se afirmar que a falta acesso à água ou a sua limitação, coloca em risco, ou até mesmo impossibilita o exercício pleno de outros direitos fundamentais assegurados constitucionalmente, como à vida, à saúde, à integridade física e à dignidade. Sendo então a água um direito fundamental, significa que o Estado é responsável pelo seu provimento a toda população.

É necessário que seja mais explorado o direito ao acesso à água como direitos humanos e fundamentais, sendo que sua violação deve ser considerada uma dívida social perante aqueles que vivem em situações de extrema vulnerabilidade. Sendo a eles negado a condição para o gozo pleno da vida e dos demais direitos humanos (ONU, 2010).

No panorama brasileiro, o estado desordenado do sistema carcerário constitui-se mais um dos efeitos da falência dos paradigmas da modernidade. A prisão serve tão-somente para deportar do meio social aqueles indivíduos que representam um risco à sociedade. Constituindo-se assim em um instrumento utópico de ressocialização, criado para atender aos interesses capitalistas. Ela exclui do ângulo de visibilidade as mazelas sociais, mas não recupera o infrator e não contribui para diminuir as práticas criminosas. Estabelecendo um confronto entre as disposições legais e a realidade, observa-se que os requisitos mínimos da boa condição penitenciária, preconizados pela legislação penal brasileira estão longe de serem cumpridos. Para esta constatação, basta um breve olhar sobre as prisões existentes no país (DASSI, 2013).

É necessário uma maior abordagem por parte do Estado e da sociedade quanto à violação dos direitos humanos no sistema prisional brasileiro, uma vez que estamos falando de vidas. Muitas vezes os apenados se encontram completamente inertes diante de sofrimentos inaceitáveis e desnecessários. O fato é que todos merecem um tratamento digno, independente de estar livre ou preso.

Deste modo, não pode ser tolerado que o fornecimento de água dentro dos presídios seja limitado e precário, sendo que tal fato incide diretamente nas condições físicas do apenado, além da insalubridade das unidades carcerárias diante da limitação da higiene de um modo geral, interferindo diretamente na saúde dos internos.

Nesse sentido, se deu então a aprovação por parte das Nações Unidas às Regras Mínimas para o Tratamento de presos que apresenta parâmetros gerais de condições de detenção, incluindo o direito ao acesso à água potável sempre que necessário. Uma vez que a limitação ao acesso a água resulta em um tratamento completamente desumano e degradante, ensejando até mesmo em um prejuízo moral, uma vez que impede que o preso tenha um efetivo acesso à higiene pessoal.

Thiago Cury, defensor público, que coordena o Núcleo Especializado de Situação Carcerária, disse que em 70% das 176 unidades prisionais de São Paulo há racionamento de água e que em nenhuma delas há equipes completas de profissionais de saúde. 'Não há como fazer distanciamento social em unidades superlotadas, sem água, sabonete e vestimentas' (CURY, 2020).

Ainda, de acordo com o Núcleo Especializado de Situação Carcerária (NESC), no Centro de Detenção Provisória de Mauá, por exemplo, o fornecimento de água dura apenas quatro horas diárias, segundo denúncias recentes. Segundo o órgão, 69% dos presos ouvidos não recebem sabonete quando precisam e a maioria das unidades não conta com distribuição de kits de higiene em quantidade suficiente (PEREIRA, 2020)

Água é um bem ambiental de uso comum, reconhecido como um direito fundamental decorrente diretamente do direito à vida, não existe vida sem água, sendo a vida o direito mais fundamental de todos. A água é um direito intrínseco à sobrevivência humana, devendo assim ser fornecida em quantidade e qualidade suficiente para garantir a todos uma vida compatível com a dignidade humana.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Publicada no Diário Oficial da União, Brasília, 05 out. 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 31 mar. 2021.

CARLI, Ana Alice de. A água e seus instrumentos de efetividade: educação ambiental, normatização, tecnologia e tributação. Campinas: Millennium, 2013.

CURY, Thiago. Magistrados e Defensores públicos alertam sobre aumento de COVID-19 em presídios. Agência Câmara de Notícias, 2020. Disponível em: http://www.camara.leg.br/noticias/681893-magistrados-e-defensores-publicos-alertam-para-aumento-de-covid-19-em-presidios. Acesso em 03 abr. 2021

DASSI, Maria Angélica Lacerda Marin. A pena de prisão e a realidade carcerária brasileira: uma análise crítica. Disponível em: http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/bh/maria_angelica_lacerda_marin_dassi.pdf. Acesso em: 03 abr. 2021.

HELLER, Léo. Água: direito humano. Disponível em: http://idec.org.br/em-acao/revista/problemas-de-peso/materia/agua-direito-humano. Acesso em: 03 abr. 2021.

ONU. Organização das Nações Unidas. O direito humano à água e ao saneamento. Disponível em: http://www.un.org/waterforlifedecade/pdf/human_right_to_water_and_sanitation_milestones_por.pdf. Acesso em: 03 abr. 2021.

ONU. Organização das Nações Unidas. Resolução 64/A/RES/64/292. Disponível em: http://www.un.org/waterforlifedecade/pdf/human_right_to_water_and_sanitation_milestones_por.pdf. Acesso em: 03 abr. 2021.

PEREIRA, Tiago. Ação pede medidas mínimas para conter pandemia em presídios. Rede Brasil Atual, 2020. Disponível em: http://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2020/08/acao-pede-medidas-minimas-para-conter-pandemia-em-presidios/. Acesso em: 03 abr. 2021.

[1] Tamara Brant Bambirra - Mestranda do PPGD – Mestrado e Doutorado em Proteção dos Direitos Fundamentais da Universidade de Itaúna-MG. Pós-graduada em direito público e privado. Bacharel em Direito pela Faculdade Dom Hélder Câmara (ESDHC).

[2] Deilton Ribeiro Brasil - Pós-Doutor em Direito pela UNIME, Itália. Doutor em Direito pela UGF-RJ. Professor da Graduação e do PPGD - Mestrado e Doutorado em Proteção dos Direitos Fundamentais da Universidade de Itaúna (UIT), Faculdades Santo Agostinho (FASASETE-AFYA), Faculdade de Direito de Conselheiro Lafaiete (FDCL). Professor visitante da Universidade de Caxias do Sul (UCS).


BRASIL, Tamara Brant Bambirra; Deilton Ribeiro Brasil. O ACESSO À ÁGUA COMO DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: uma análise do racionamento de água no sistema carcerário brasileiro em tempos de pandemia. Revista Páginas de Direito, Porto Alegre, ano 21, nº 1495, 06 de Abril de 2021. Disponível em: https://paginasdedireito.com.br/artigos/todos-os-artigos/o-acesso-a-agua-como-dignidade-da-pessoa-humana-uma-analise-do-racionamento-de-agua-no-sistema-carcerario-brasileiro-em-tempos-de-pandemia.html
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Editores: 
José Maria Tesheiner
(Prof. Dir. Proc. Civil PUC-RS Aposentado)

Mariângela Guerreiro Milhoranza da Rocha

Advogada e Professora Universitária

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