Objeto da ação de descumprimento de preceito fundamental
Não cometerei a imprudência de tentar definir o que seja preceito fundamental. Mesmo assim, tento fixar o objeto da ação de descumprimento, para distingui-la da ação direta de inconstitucionalidade. Isso é necessário, dado o caráter supletivo que lhe atribui a Lei 9.882/99: 'Não será admitida argüição de descumprimento de preceito fundamental quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade'.
André Ramos Tavares não se conforma com esse dispositivo da lei. Sustenta que, pelo contrário, é a ação de descumprimento que exclui qualquer outra. Diz: 'A argüição (...) não é instituto com caráter 'residual' em relação à ação direta de inconstitucionalidade (genérica ou omissiva). Trata-se, na realidade, de instrumento próprio para resguardo de determinada categoria de preceitos (os fundamentais), e é essa a razão de sua existência. Daí o não se poder admitir o cabimento de qualquer outra ação para a tutela direta desta parcela de preceitos, já que, em tais hipóteses, foi vontade da Constituição o indicar, expressamente, que a argüição será a modalidade cabível, o que exclui as demais ações'. (Argüição de descumprimento de preceito constitucional fundamental: aspectos essenciais do instituto na Constituição e na Lei. In: TAVARES, André Ramos &: ROTHENBURG, Walter Claudius (org). :Argüição de descumprimento de preceito fundamental: análises à luz da Lei n. 9.882/99. São Paulo, Atlas, 2001. p. 38-76).
A vingar essa tese, a exata definição do que seja preceito fundamental, embora impossível, será imperiosa, para se determinar a ação cabível.
Não me parece, todavia, que o legislador ordinário haja afrontado a Constituição, ao atribuir caráter supletivo à ação de descumprimento de preceito fundamental. O texto, se não é compatível, pode, pelo menos, razoavelmente ser compatibilizado com a Constituição. De regra, a ação direta de inconstitucionalidade, mesmo que diga respeito a preceito fundamental, exclui a ação de descumprimento, por uma razão bastante simples: é que descumprimento é antes de tudo ato no mundo dos fatos. Lei inconstitucional não descumpre a Constituição. Normatiza em sentido incompatível com a Constituição. A Lei 9.882/99 não veio para criar uma segunda e desnecessária ação de inconstitucionalidade. Por isso mesmo, dela não decorre um corte no objeto da antiga ação direta de inconstitucionalidade. O que antes era passível de ser declarado inconstitucional, por ação direta de inconstitucionalidade, continua dela sendo objeto, ainda que se invoque preceito fundamental. A ação de descumprimento tem objeto próprio, novo, não compreendido pela ação direta de inconstitucionalidade.
Qual é esse objeto? Em primeiro lugar, atos concretos, sem caráter normativo, pois, como já se observou, descumprimento é ato que ocorre no mundo dos fatos. Ocorre não propriamente quando se legisla, mas quando se aplica regra inconstitucional. Isso explica o motivo por que se previu o cabimento da ação de descumprimento fundada em controvérsia constitucional (Lei citada, art. 1o, parágrafo único). Ela tem aí um caráter preventivo. É o risco de generalizado descumprimento de preceito fundamental que justifica a ação.
Completa-se a delimitação do objeto da ação de descumprimento de preceito fundamental, observando-se que ela cabe em outros dois casos, excluídos da ação direta de inconstitucionalidade, a saber, os atos normativos municipais e os atos normativos anteriores à Constituição.
TESHEINER, José Maria Rosa Tesheiner. Objeto da ação de descumprimento de preceito fundamental. Revista Páginas de Direito, Porto Alegre, ano 1, nº 35, 15 de Mai de 2001. Disponível em: https://paginasdedireito.com.br/artigos/todos-os-artigos/objeto-da-acao-de-descumprimento-de-preceito-fundamental.html