30.06.00 | José Maria Rosa Tesheiner

Os juizados especiais cíveis e a gratuidade da justiça

Os juizados especiais cíveis atendem à generosa idéia da gratuidade da prestação jurisdicional. O artigo 54 da Lei 9.099/95 estatui que o acesso ao Juizado Especial independe, em primeiro grau de jurisdição, do pagamento de custas, taxas ou despesas e o artigo 55 estabelece que a sentença de primeiro grau não condenará o vencido em custas e honorários de advogado, ressalvados os casos de litigância de má-fé.Quem, tão cheio de maldade, se atreverá a criticar toda essa bondade?Contudo, não podemos ignorar que as leis são como remédios, que produzem às vezes mal maior do que aquele que buscam resolver.A gratuidade da justiça é um grande bem que facilmente se converterá num grande mal.Uma aposta é tanto mais vantajosa, quanto maior a diferença entre a perspectiva do ganho e o risco da perda. Compra-se um bilhete de loteria, embora sejam mínimas as chances de acerto, porque desprezível seu custo em face do valor do grande prêmio.Não sendo gratuita a justiça, quem dela quer se valer, em busca de um ganho patrimonial, precisa fazer um cuidadoso cálculo de suas chances de vitória. Pode ganhar 100 e ser reembolsado de tudo quanto houver despendido com custas e honorários. Mas - ai dos vencidos! Se perder, não apenas deixará de ganhar os 100 que buscava, como ainda amargará a perda dos valores correspondentes às custas do processo, aos honorários de seu advogado e – suprema irrisão! – aos dos honorários do advogado que o venceu, prejuízo que, no total, pode ser superior a 40% do valor que o litigante buscava. Nessas condições, apresenta-se a justiça como uma aposta muito arriscada. Por isso mesmo, pode-se até supor que a parte autora tem geralmente razão.A gratuidade da justiça inverte esse raciocínio. Torna a ação judicial uma aposta menos arriscada do que a compra de um bilhete de loteria. A aposta do litigante autor, no Juizado Especial, tem custo zero. Mas ele pode ganhar até 40 vezes o salário mínimo (Lei 9.099/95, art. 3o, I). Quanto mais pobre o interessado, tanto maior a tentação de apostar na justiça. Sentir-se ou não com razão, ter provas ou ter de inventá-las, torna-se irrelevante. A possível condenação como litigante de má-fé não assustará quem somente tem bens impenhoráveis. O que importa ao desesperado é a possibilidade de safar-se de um aperto, sem custo, de modo célere e informal.Não se poderia imaginar melhor estímulo à propositura de ações infundadas.


TESHEINER, José Maria Rosa Tesheiner. Os juizados especiais cíveis e a gratuidade da justiça. Revista Páginas de Direito, Porto Alegre, ano 0, nº 6, 30 de Junho de 2000. Disponível em: https://paginasdedireito.com.br/artigos/todos-os-artigos/os-juizados-especiais-civeis-e-a-gratuidade-da-justica-2.html
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Editores: 
José Maria Tesheiner
(Prof. Dir. Proc. Civil PUC-RS Aposentado)

Mariângela Guerreiro Milhoranza da Rocha

Advogada e Professora Universitária

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