PENA DE MORTE E RESPONSABILIDADE DO ESTADO
Ramon G. von Berg*
Um indivíduo que comete um homicídio é preso, condenado e encarcerado. Algum tempo depois foge, e novamente comete um homicídio. Desta feita assassinando, pelas costas, um comerciante que passeava numa manhã de feriado, levando consigo suas duas filhas, de 3 e 5 anos, respectivamente.Preso novamente, é sentenciado a 28 anos de reclusão.Um grupo de jovens, com 16 e 17 anos de idade, é preso por matarem quatro pessoas do sexo feminino, entre elas duas meninas, uma de 11 e outra de 4 anos de idade. As três mais velhas foram estupradas. A sentença - prolatada na estrita observância dos ditames da Lei - os condena a medidas sócio-educativas até completarem a maioridade.Ou seja, os três assassinos estarão soltos quando tiverem concluído a pior das Universidades: a do Crime, visto que é sabido que os estabelecimentos carcerários do Brasil não servem para recuperar ninguém. Ao contrário, neles se cursa, em grau de Doutorado, a Escola Superior do Crime.Aqui no Brasil se cultua a impunidade, mesmo que mascarada pelo cumprimento de regras que visam preservar a juventude. Mas alguém já se preocupou em preservar vidas?Quanto ao primeiro caso, há a possibilidade de buscar a responsabilidade civil do Estado, por ter sido omisso no dever de manter encarcerado perigoso delinqüente. Só que o Supremo Tribunal Federal, na condição de guardião das normas constitucionais, vem firmando jurisprudência no sentido de que, se o delinqüente já se acha foragido há muito, então a responsabilidade do Estado fenece. Ou seja, para que possa ser admitida a relação de causa e efeito entre a fuga e o crime, aquela deverá ser contemporânea à época do fato.Raciocínio desse jaez, cerebrino para dizer o mínimo, não encontra sustentação na lógica.Com efeito, se o Estado encarcera o indivíduo, na exata medida de ter sido condenado à segregação, mas permite que ele fuja, e, solto, não busca voltar a prendê-lo, então incorre em uma dupla omissão, que jamais poderá ser erigida à condição de isenção de responsabilidade.Aliás, se assim fosse, bastaria a todas as Administrações Públicas do País voltar as costas para as fugas de presidiários, esperando que estes não cometessem homicídios desde logo, visto que - de acordo com aquela posição do STF - algum tempo depois já teriam cumprido uma espécie de quarentena, que daria ao Estado, omisso, relapso e desidioso na guarda que lhe foi confiada, isenção de qualquer responsabilidade.Ora, se o Brasil quiser aproximar-se de civilizações mais avançadas necessita, com urgência urgentíssima, reformular seu sistema prisional e seu sistema penal, que permite que indivíduos de altíssima periculosidade voltem ao convívio da sociedade num curto espaço de tempo.Talvez fosse o caso, até, de começar-se a pensar em pena de morte. E que não venham com a esfarrapada desculpa de que algum inocente pudesse ser executado por erro judiciário, de vez que dita sanção somente seria aplicada em casos de reincidência específica, como aquele fato narrado na introdução deste artigo.Com efeito, a tentativa de recuperação (ou seria mera segregação?) do presidiário tem resultado infrutífera ao longo dos tempos: enquanto isso, permanecem encarcerados em verdadeiros depósitos, sendo tratados pior do que os animais que são cativos de alguns zoológicos. É óbvio que, dali saindo, irão descarregar sua fúria insana sobre o primeiro cidadão que surgir à sua frente. Aí, até os órgãos de repressão são deficientes, falhos, inermes e inúteis.Por que, então, prendê-los, julgá-los, condená-los, mantê-los presos e permitir que fujam, para que voltem a cometer atrocidades que os levaram à prisão?Não seria mais simples, mais rápido, mais econômico, mais clean, condená-los à morte?Ou será que alguém espera que um jovem de 16 anos que estuprou, torturou e matou quatro mulheres irá se recuperar em simples quatro anos de internação em estabelecimento 'sócio-educativo'? Será que alguém por aí ainda acredita em Papai Noel?
(*) Desembargador aposentado e Advogado
BERG, Ramon G. von Berg. PENA DE MORTE E RESPONSABILIDADE DO ESTADO. Revista Páginas de Direito, Porto Alegre, ano 1, nº 36, 30 de Mai de 2001. Disponível em: https://paginasdedireito.com.br/artigos/todos-os-artigos/pena-de-morte-e-responsabilidade-do-estado.html