17.02.21 | Rosangela Masseroni

RIO DOS SINOS, UM DOS RIOS MAIS POLUÍDOS DO BRASIL - Situação 14 Anos Depois da Mortandade de Peixes

Resumo:Em 6 de outubro de 2006 aconteceu um incidente ambiental na região metropolitana de Porto Alegre, que ainda hoje desperta interesse de pesquisadores em diversas áreas do conhecimento. No leito do Rio dos Sinos, considerado um dos mais poluídos do Brasil, centenas e depois milhares de peixes apareceram mortos, formando um mar prateado, que impressionava a todos. Apesar da degradação, o Rio, que recebe grandes volumes de efluente não tratado, abriga mais de 110 espécies de peixes adaptada às condições adversas. O que teria causado a mortandade? De quem foi a culpa? O que aconteceu? E como está hoje, 14 anos após a ocorrência? São essas, em linhas gerais, as constatações a serem relatadas.

Palavras-chave: Rio dos Sinos, Desastre Ambiental, Meio Ambiente

1. INTRODUÇÃO

Em outubro de 2006, o Estado do Rio Grande do Sul passava por um período de estiagem. No Rio mais degradado da região metropolitana de Porto Alegre, o Rio dos Sinos, é observada uma quantidade extraordinária de peixes mortos. Uma força-tarefa, composta por diversas entidades, foi formada para identificar a causa e como estancar tamanho dano ambiental.

2. ASPECTOS GERAIS SOBRE O RIO DOS SINOS

A bacia hidrográfica do Rio dos Sinos está situada à nordeste do Estado do Rio Grande do Sul, sendo delimitada a leste pela Serra Geral, a oeste e ao norte pela bacia do Caí e ao sul pela bacia do Gravataí. Estas bacias estão inseridas numa bacia maior, denominada Bacia Hidrográfica do Guaíba, que inclui a região metropolitana de Porto Alegre, e deságua na Laguna dos Patos.

A bacia do Sinos apresenta uma área aproximada de 3.800 Km2, incluindo, total ou parcialmente, 32 municípios.

De acordo com o relatório do COMITESINOS (2000), a Região Metropolitana de Porto Alegre conta com 31 municípios, incluindo 21 dos 32 municípios da bacia do Sinos, todos nos trechos médio e inferior do rio.

O Rio dos Sinos tem 190 Km de extensão, apresentando suas nascentes a 600 m de altitude e sua foz a 5 m do nível do mar. Caracteriza-se por três trechos distintos: o superior, constituído por 25 Km de alta declividade (desde 600 m até 60 m de altitude): o médio, por 125 Km de declividade intermediária (de 60m a 5m), e o inferior, por 50Km praticamente planos. Seus principais formadores são os Rios Rolante, da Ilha e Paranhana, todos pela margem direita e com nascentes na região serrana. Na porção inferior recebe vários arroios que drenam centros urbanos, como o Schmidt, o Pampa, o Luiz Rau, o Peão, o Canal João Corrêa, o Portão, o José Joaquim e o Sapucaia.

A vazão normal do rio dos Sinos varia desde 41 m3/s em Taquara até 84 m3/s na foz, podendo ser reduzida na estiagem a valores de 1,7 m3/s e 3,1 m3/s, respectivamente.

O Sinos é o berço do primeiro comitê de gerenciamento de bacia hidrográfica do Brasil, sendo considerado o rio mais poluído da região hidrográfica do Guaíba, pois tem o maior parque industrial, com destaque para a indústria coureiro-calçadista.

Os usos da água, conforme o COMITESINOS (2000), distribuem-se em: 58% para abastecimento doméstico, 19% para irrigação de arroz, e 18% para abastecimento industrial.

Em relação aos aspectos de saneamento básico, 93% dos domicílios urbanos e 76% dos domicílios rurais são servidos por sistemas de abastecimento público. A situação do esgotamento sanitário ainda é precária: 72% da população está relacionada a soluções locais precárias, 25% a nenhum tipo de solução e, apenas, 3% associa-se a sistemas completos. A produção diária de resíduos sólidos é de 1.000 toneladas e a coleta é realizada em 86% dos domicílios, segundo IBGE (1991). Ao longo da sub-bacia do Sinos está quase a metade dos resíduos sólidos industriais Classe I, os mais perigosos por conterem metais pesados, encontrados na bacia do Guaíba.

As atividades industriais, principalmente as mais poluidoras, concentram-se nos municípios de Estância Velha, Novo Hamburgo, Portão, São Leopoldo e Sapucaia.

As atividades antrópicas que alteram a qualidade da água na bacia são a poluição industrial e doméstica, a drenagem pluvial urbana, o desmatamento, a extração de areia do leito do Rio, a poluição agrícola e a resultante da criação de animais, a pesca predatória e o depósito inadequado de resíduos sólidos. A favelização crescente e a ocupação desordenada do solo, principalmente em áreas de preservação como os banhados, também são problemas importantes.

Os principais conflitos na bacia hidrográfica do Sinos são sempre decorrentes de problemas relativos à qualidade da água, caracterizados pela presença simultânea de usos como: despejos domésticos, industriais, rurais e lixívias de lixões por um lado e abastecimento humano e recreação de contato primário por outro.

3. O INCIDENTE

O Estado do Rio Grande do Sul passava um período de estiagem.

No dia 8 de outubro de 2006, tripulantes de um barco, que realizava passeios de ecoturismo no Rio dos Sinos, se depararam com uma situação sem precedentes no local: uma camada de peixes mortos recobria o leito do Rio. Os órgãos ambientais foram acionados e foi constatado que a concentração doe peixes mortos era maior junto ao Arroio Portão.

Os exames realizados por peritos do IGP consistiram em diversos levantamentos em campo, análises em laboratório e vistorias em empresas da região. Posteriormente os dados foram georreferenciados.

O resultado da análise dos dados coletados nos exames periciais indicou que a principal causa da poluição, muito provavelmente, foi o lançamento de efluentes de origem industrial, tendo sido constatada poluição por cromo (componente inorgânico associado aos processos produtivos da indústria coureira) nas águas do rio dos Sinos a jusante da saída do arroio Portão. Os sedimentos coletados no rio dos Sinos e arroio Portão, com maior quantidade de matéria orgânica, apresentaram contaminação por cromo acima do valor padrão estabelecido na legislação ambiental.

Várias indústrias da região foram inspecionadas e autuadas por uma série de irregularidades relacionadas ao lançamento dos seus efluentes, apontando uma como provavelmente sendo a maior responsável pela mortandade e excluindo as outra, que embora apresentassem irregularidades, não poderia ser responsabilizada pela tragédia. O valor total das multas aplicadas em seis empresas autuadas pelo órgão ambiental foi de R$ 1,2 milhão.

A equipe de técnicos do Ministério Público concluiu que uma causa plausível para a morte dos peixes, no Arroio Portão, afluente do Rio dos Sinos, foi a redução dos níveis de oxigênio dissolvido, já que se verifica na prática que concentrações de OD inferiores a 2,0 mg/l podem induzir à morte de peixes.

Foram identificadas 16 espécies de peixes mortos na região e os custos ambientais decorrentes desse incidente correspondem a um valor aproximado de R$ 2,5 milhões, calculados pelo MP na época.

A recuperação ambiental do local estava associada a ações corretivas e preventivas. As ações corretivas foram condicionadas ao restabelecimento das condições naturais de áreas úmidas como banhados, lagoas marginais e margens de arroios, riachos e rios. As ações preventivas destinavam-se ao monitoramento de qualidade das águas para garantia de condições favoráveis às taxas de recuperação ambiental.

4. O PÓS DESASTRE

Logo após o incidente, em abril de 2007, foi criado o PROSINOS, Consórcio Público de Saneamento Básico da Bacia Hidrográfica do Rio dos Sinos, que é uma autarquia interfederativa que visa estudos, elaboração de projetos, planejamento, implantação e operação, fiscalização e regulação dos sistemas de saneamento básico. Essa entidade leva em conta o interesse comum dos municípios participantes na universalização do direito ao meio ambiente equilibrado, por meio da implantação de políticas corretas na gestão de saneamento básico, em particular aquelas voltadas à revitalização do rio dos Sinos. Tem por objetivo a conscientização quanto à situação ambiental da região e do seu principal curso d'água.

Durante o episódio da mortandade de peixes no rio dos Sinos foi criada uma Força-Tarefa integrada por diversas organizações, entre elas, Secretaria do Meio Ambiente, FEPAM, Defesa Civil, Comando Ambiental da BM, Ministério Público Estadual, Comitês de Gerenciamento de Bacias, Associações de Municípios, essas entidades redigiram um documento onde apontam sugestões que permitem enfrentar a crise ambiental em que se encontra a bacia hidrográfica do rio dos Sinos a curto, médio e longo prazos, uma espécie de protocolo de intenções. Alguns desses objetivos foram implementados e até hoje dão suporte a questão ambiental com relação ao Sinos.

Uma investigação conjunta realizada pela FEPAM, Ministério Público e prefeitura de Estância Velha apontou a empresa UTRESA – União dos Trabalhadores em Resíduos Especiais e Saneamento, de Estância Velha, como uma das principais responsáveis, entre as empresas que lançaram efluentes no Rio dos Sinos, pela mortandade dos peixes ocorrida no início de outubro de 2006. A UTRESA, na época, recebia resíduos gerados por outras 3,5 mil empresas e contava com 170 empregados, não tinha autorização para o lançamento de resíduos no Rio. Ela não parou suas atividades apesar das irregularidades constatadas.

O responsável técnico pela UTRESA foi condenado em juizado de 1º Grau, em março de 2009, às penas de 18 anos de reclusão, em regime inicial fechado, mais 12 anos de detenção. Após recurso, a 4ª Câmara Criminal do TJRS reduziu às penas de 4 anos e 6 meses de reclusão e 3 anos de detenção em regime semiaberto, pela mortandade de peixes no Rio dos Sinos.

Passados 3 anos, técnicos interdisciplinares consideraram que o Rio dos Sinos recuperou sua condição anterior ao desastre de outubro de 2006.

5. CONCLUSÕES

Os relatórios da FEPAM, na época da ocorrência, apontaram que a mortandade de peixes foi causada por uma combinação de fatores: a piracema muito forte combinada com a baixa vazão do rio naquele período, além do despejo clandestino de substâncias tóxicas no Sinos, o que diminuiu drasticamente os níveis de oxigênio. Esses efluentes teriam sido despejados pela previsão de chuva, que não veio para dissipar e mascarar a poluição.

Desde 2006 as prefeituras não conseguiram resolver o principal entrave para melhorar as condições da água do Rio que é a falta de tratamento de esgoto doméstico nas cidades que compõe a bacia. Além da alta concentração de matéria orgânica na água, a interferência humana no entorno do Sinos causa impactos. Um deles é a redução de 75% das áreas de banhados da bacia entre 1985 e 2015, e com a perda dos espaços, há maior dificuldade para escoamento da água. Assim, estragos causados em períodos de cheias são maiores. A especulação imobiliária tem sido responsável pelo aumento de pessoas afetadas por enchentes, pela ocupação de áreas que deveriam ser preservadas.

É importante salientar que todo o incidente ambiental tem origem na falta de consciência quanto à importância da preservação do meio ambiente e na ganância dos empresários, que utilizam a natureza como se essa fosse inesgotável. A educação ambiental é a base para que novas tragédias não venham a ocorrer.

A vontade política de pôr em prática as ações necessárias para a prevenção do desastre é de vital importância e não apenas a ação corretiva que na maioria das vezes tem um custo maior do que impedir que o mal ocorra.

REFERÊNCIAS

COMITESINOS. Página na Internet do Comitê de Gerenciamento da Bacia Hidrográfica do Rio dos Sinos. Disponível em: http://www.comitesinos.com.br. Acesso em 20/11/2020.

COMITESINOS. Enquadramento das águas da bacia hidrográfica do rio dos Sinos. Revista Comitesinos / Secretaria de Recursos Hídricos do Ministério do Meio Ambiente. São Leopoldo. v. 2, n.1, p. 10-37. 2000.

FEPAM. Página na Internet da Fundação Estadual de Proteção Ambiental. Disponível em: http://www.fepam.rs.gov.br. Acesso em 20/11/2020.

JUSBRASIL. Página na Internet https://ambito-juridico.jusbrasil.com.br/noticias/2019602/engenheiro-e-condenado-por-mortandade-de-peixes-no-rio-dos-sinos. Acesso em 20/11/2020.

Masseroni, R., 2008. Agonia de um Rio – A Mortandade de Peixes no Rio dos Sinos em Outubro de 2006, Porto Alegre – Rio Grande do Sul, Faculdade de Biociências, Especialização em Biologia e Genética Forense, PUCRS, Porto Alegre.

ROSANGELA MASSERONI - Trabalho final da disciplina de Legislação Ambiental – Prof. Marcia Andrea Bühring do curso MBA Gestão de Projetos e Sustentabilidade Ambiental da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. E-mail: masseroni@cpovo.net


MASSERONI, Rosangela Masseroni. RIO DOS SINOS, UM DOS RIOS MAIS POLUÍDOS DO BRASIL - Situação 14 Anos Depois da Mortandade de Peixes. Revista Páginas de Direito, Porto Alegre, ano 21, nº 1473, 17 de Fevereiro de 2021. Disponível em: https://paginasdedireito.com.br/artigos/todos-os-artigos/rio-dos-sinos-um-dos-rios-mais-poluidos-do-brasil-situacao-14-anos-depois-da-mortandade-de-peixes.html
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Editores: 
José Maria Tesheiner
(Prof. Dir. Proc. Civil PUC-RS Aposentado)

Mariângela Guerreiro Milhoranza da Rocha

Advogada e Professora Universitária

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