Uso de defensivos agrícolas: impacto na qualidade da água e na polinização
A água é o bem mais valioso para a humanidade, além de ser essencial para a conservação de todos os seres vivos na Terra. Os recursos hídricos são indispensáveis para a sobrevivência humana, visto que, além do abastecimento público, a água também é importante para outros setores, como atividades sociais, econômicas ou ambientais. Esse recurso é necessário para o fornecimento de energia hidráulica, para o uso em indústrias, para o lazer, para irrigação de lavouras, para dessedentação de animais, etc. Nosso país possui uma das maiores disponibilidades hídricas per capita do mundo. Estima-se que aproximadamente 30% da população mundial enfrenta problemas relacionados à baixa qualidade, ou impotabilidade da água (Faria, 2014).
É bem sabido que a qualidade da água é fortemente associada à saúde pública, visto que, a boa qualidade da água é primordial para o equilíbrio e funcionamento dos ecossistemas (Agência Nacional de Águas, 2017). A qualidade da água pode ser influenciada por diversos fatores, sendo eles naturais ou antrópicos. Os naturais estão relacionados ao escoamento superficial, ao regime de chuva, à cobertura vegetal, etc. Já o fator antrópico é o mais preocupante, podendo chegar a ser considerado catastrófico, pois, como exemplos de interferência humana abrangem-se o uso excessivo de agroquímicos, a falta de saneamento básico, a presença de esgotos destinados a córregos ou rios, a disposição de resíduos ou lixões sobre o solo em área vulnerável, os vazamentos de produtos químicos, dentre outras atividades que possam carrear contaminantes para os mananciais. (Agência Nacional de Águas, 2017).
Evidentemente, os mananciais presentes em regiões rurais apresentam alto potencial de contaminação por agroquímicos, visto que muitos cultivos agrícolas estão próximos a rios. Todavia, deve-se salientar que não apenas os mananciais superficiais correm esse risco, mas também os mananciais subterrâneos, dado que inúmeros poços artesianos são localizados próximos a cultivos agrícolas. Segundo a UNESCO, cerca de 50% da água potável usada mundialmente é oriunda de mananciais subterrâneos (UNESCO/WWAP, 2003). Em nosso país aproximadamente 42% dos municípios possuem os mananciais subterrâneos como fonte predominante de abastecimento hídrico. O uso em grande escala de agroquímicos, como o glifosato, vem interferindo na qualidade das águas, uma vez que vem sendo detectado em diferentes concentrações em ambientes aquáticos (Matozzo, 2019).
Um tema polêmico e atual é o uso de defensivos agrícolas contendo glifosato. Este é o agroquímico mais produzido, em termos de volume, dentre todos os herbicidas (ANVISA, 2016). Glifosato é o ingrediente ativo de mais de 750 herbicidas. A bibliografia aponta que mundialmente são aplicados entre 0,6 e 1,2 milhão de toneladas desse herbicida anualmente (Rodrigues et al., 2017). Por pertencer a classe dos herbicidas, o glifosato é anunciado como seguro para animais, porém, pesquisas científicas no âmbito da toxicologia divulgam que o herbicida glifosato pode causar efeitos tóxicos também em animais, principalmente herbívoros, que, por sua vez podem se alimentar de plantas que possuam alteração em sua fisiologia (Rainio et al., 2019).
A Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (pertencente à OMS) já o considerou como 'provável carcinógeno em humanos' (ANVISA, 2016: Connolly et al., 2018). Porém, em agosto de 2019 a ANVISA (CEE-FIOCRUZ, 2019) o reclassificou, não o considerando mais com alto potencial de causar câncer em humanos. O que parece inadmissível, inclusive pela quantidade do herbicida aplicado no país. Para termos noção da quantidade de agroquímicos utilizados anualmente, dados do Ibama apontam que no ano de 2000 o foram comercializados aproximadamente 20 mil toneladas de ingrediente ativo apenas no Estado do Rio Grande do Sul. Nos últimos 3 anos, o Estado passou a comercializar cerca de 70 mil toneladas (Ibama, 2017). Em contrapartida, inúmeros países vêm reduzindo o uso de glifosato e encaminhando sua proibição para os próximos anos.
Outro herbicida muito utilizado no Estado do RS é o imazetapir e, embora, a Agência de Proteção Ambiental (EPA, 2017) o aponte como um dos vilões do meio ambiente e potencial poluidor de recursos hídricos, existem níveis de concentração máxima permitida na água e em alimentos (estabelecidos por regulamentos internacionais), ou seja, de certa forma, permitem que possamos ingerir um certo percentual deste agroquímico.
Ainda sobre o uso de defensivos agrícolas, sabe-se que as abelhas (grupo de organismos indispensáveis na reprodução vegetal, agricultura e produção de alimentos) vêm enfrentando grandes declínios em suas populações (Klein et al., 2007: Goulson et al., 2015). A exposição de agentes tóxicos, como os agrotóxicos, pode afetar as tarefas das abelhas, visto que, toda a colônia é afetada se a exposição à toxicidade dificultar uma única tarefa desses organismos, como exemplo o serviço de polinização, a produção de mel e própolis (Heylen et. al., 2011). O uso - por muitas vezes desenfreado - desses produtos implica sérios prejuízos para o ecossistema de uma forma geral e também para a economia global, visto que, a polinização prestada por esses organismos é crucial e indispensável. Já se descobriu que cerca de 2% das abelhas selvagens do planeta são responsáveis pela polinização de 80% das culturas mundiais. Isso significa que sem abelhas não haveria frutos como tomates, abacates, maçãs, laranjas, entre outros muitos alimentos, como o mel (Natgeo, 2020).
Diante dos fatos relatados acima, faz-se necessário o uso consciente desses produtos agrícolas, sendo que precisamos defender a necessidade de um controle mais rígido e criterioso, buscando sempre formas de divulgar informações coerentes e verdadeiras a respeito desse assunto. Cada vez mais estudos evidenciam os efeitos do uso de defensivos agrícolas, tanto para os recursos hídricos, quanto para os polinizadores, sendo evidente que a utilização dos mesmos retrata uma sucessão de desvantagens, tanto relacionadas aos aspectos de saúde, econômicos, sociais, como ambientais. Se manter informado é o primeiro passo para poder colaborar com o monitoramento da qualidade da água e a conservação das abelhas.
Referências
Agência Nacional de Águas. Conjuntura dos Recursos Hídricos no Brasil. Relatório Pleno. 2017.
ANVISA - Agência nacional de Vigilância Sanitária. Consulta pública n° 175, de 25 de maio de 2016.
Disponível em <:portal.anvisa.gov.br>:.
CEE FIOCRUZ, Glifosato, um provável carcinógeno liberado no Brasil. Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz, 2019 https://cee.fiocruz.br/?q=node/1086#:~:text=A%20reclassifica%C3%A7%C3%A3o%20toxicol%C3%B3gica%20dos%20agrot%C3%B3xicos,de%20causar%20c%C3%A2ncer%20em%20humanos.&:text=De%20acordo%20com%20o%20pesquisador,retirar%20o%20glifosato%20do%20mercado.
Connolly et al. Glyphosate in Irish adults - A pilot study in 2017. Environmental Research. 165 235–236. 2018.
EPA – United States Environmental Protection Agency, Imazethapyr, <: www.epa.gov/pesticides >: 2017.
Faria, A. M. J. B. Aquífero Guarani: defesa da soberania e sustentabilidade. Curitiba. Ed. Multideia. 175 p. 2014.
Goulson D, Nicholls E, Botías C, Rotheray EL. Bee declines driven by combined stress from parasites,
pesticides, and lack of flowers. Science. 2015 Mar 27:347(6229):1255957.
Heylen K, Gobin B, Arckens L, Huybrechts R, Billen J. The effects of four crop protection products on the morphology and ultrastructure of the hypopharyngeal gland of the European honeybee, Apis mellifera. Apidologie. 2011 Jan 1:42(1):103-16.
Ibama. Ministério do meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis. Relatório de comercialização de agrotóxicos. 2017. Disponível em: <:https://www.ibama.gov.br/agrotoxicos/relatorios-de-comercializacao-de-agrotoxicos# >:.
Klein AM, Vaissiere BE, Cane JH, Steffan-Dewenter I, Cunningham SA, Kremen C, Tscharntke T.
Importance of pollinators in changing landscapes for world crops. Proceedings of the Royal Society of
London B: Biological Sciences. 2007 Feb 7:274(1608):303-13.
Matozzo, Valerio: Carlo Zampieri: Marco Munari: Maria Gabriella Marin. Glyphosate affects haemocyte parameters in the clam Ruditapes philippinarum. Marine Environmental Research. Março, 2019.
Rainio et al. Effects of a glyphosate-based herbicide on survival and oxidative status of a non-target herbivore, the Colorado potato beetle (Leptinotarsa decemlineata). Comparative Biochemistry and Physiology, Part C, 215 p. 47–55, 2019.
Rodrigues et al. Ecotoxicological assessment of glyphosate-based herbicides: effects on different organisms. Environ. Toxicol. Chem. V. 36 p. 1755-1763, 2017.
NATGEO-<:https://www.natgeo.pt/animais/2018/08/importancia-das-abelhas-e-porque-precisamos-delas>:: 2020.
UNESCO/WWAP. Water for People Water for Life. 2003. Disponível em: <:http://unesdoc.unesco.org/images/0012/001297/129726e.pdf>: .
Caroline Cozer Vicari - Bióloga (PUCRS), Pós Graduação em Gestão de Projetos e Sustentabilidade Ambiental (PUCRS-em andamento) Gabriela B. Soares - Química (PUCRS), Doutorado em Eng. de Materiais, Pós Graduação em Gestão de Projetos e Sustentabilidade Ambiental (PUCRS-em andamento)
Gabriela B. Soares - Química (PUCRS), Doutorado em Eng. de Materiais, Pós Graduação em Gestão de Projetos e Sustentabilidade Ambiental (PUCRS-em andamento)
VICARI, Caroline Cozer Vicari; (PUCRS), Caroline Cozer Vicari - Bióloga (PUCRS); (PUCRS), Pós Graduação em Gestão de Projetos e Sustentabilidade Ambiental (PUCRS-em andamento) Gabriela B. Soares - Química (PUCRS); MATERIAIS, Doutorado em Eng. de Materiais; PROJETOS, Pós Graduação em Gestão de Projetos. Uso de defensivos agrícolas: impacto na qualidade da água e na polinização. Revista Páginas de Direito, Porto Alegre, ano 20, nº 1467, 03 de Dezembro de 2020. Disponível em: https://paginasdedireito.com.br/artigos/todos-os-artigos/uso-de-defensivos-agricolas-impacto-na-qualidade-da-agua-e-na-polinizacao.html