30.07.00 | José Maria Rosa Tesheiner

Visão constitucional do dano moral

A conversão do dano moral em dinheiro era tese controvertida nos tribunais, até que a Constituição a acolheu, referindo-a expressamente no artigo 5o:

'V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem':

'X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação'.

Nem Hermes teria previsto todas as conseqüências que os juristas extraíriam dessa previsão, desde que ela se incorporou ao nosso sistema jurídico como norma de alcance ilimitado.

Para compreendê-lo, é necessário que se conheça a ideologia da moderna hermenêutica constitucional, bem exposta por Sérvio Cavalieri Filho:

Caducou tudo o que se pensava ou se disse antes. Todos os conceitos tradicionais de dano moral devem ser revistos.

Por serem de hierarquia superior, as normas constitucionais não podem ser nem limitadas nem interpretadas pela legislação ordinária, cabendo, pois, sua aplicação direta.

Isso é particularmente verdadeiro para o dano moral, que supõe ofensa ao princípio cardeal da Constituição, que é a dignidade da pessoa humana (art. 1o, III).

Daí decorre que perderam a eficácia todas as normas que estabeleciam limites de indenização para o dano moral, como as previstas na Lei de Imprensa e na Convenção de Varsóvia.

(Sérgio Cavalieri Filho. Visão constitucional do dano moral. :Cidadania e Justiça, Rio de Janeiro, (6): 206-11, 1o semestre/1999.

Decorre também que nenhuma lei poderá estabelecer limites máximos de indenização e, muito menos, tarifá-los.

Os sub-produtos dessas veneráveis idéias são geralmente ignorados:

A idéia de lei, prévia e geral, surgiu na história da civilização para livrar os cidadãos do poder despótico do Príncipe. Pretendeu-se instituir um governo de leis, em vez de um governo de homens. A moderna dogmática constitucional torna a lei irrelevante. Importante é o juiz, que dita, :a posteriori, a norma concreta para o caso, sem outra necessidade que a de invocar a Constituição, como o Príncipe outrora invocava o nome de Deus.

Todo dano moral é indenizável, mas só o juiz tem autoridade para determinar se houve dano moral e, sobretudo, para quantificá-lo.

Como ninguém está livre de ser, ou de se sentir, agravado por ofensa de outrem, todo cidadão é convidado a tornar-se um litigante, pois só o juiz poderá dizer se o caso comporta indenização e o seu valor.

Se os tribunais exprimem o pensamento da sociedade sobre o dever ser do Direito (e não tenho motivos para duvidar disso), fica o espanto por este giro de 180o: outrora, negava-se indenização por morte de um filho: hoje, concede-se, pelo extravio de uma mala.

Fica a pergunta: tornou-se a sociedade mais justa ou mais rixenta?


TESHEINER, José Maria Rosa Tesheiner. Visão constitucional do dano moral. Revista Páginas de Direito, Porto Alegre, ano 0, nº 11, 30 de Julho de 2000. Disponível em: https://paginasdedireito.com.br/artigos/todos-os-artigos/visao-constitucional-do-dano-moral.html
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Editores: 
José Maria Tesheiner
(Prof. Dir. Proc. Civil PUC-RS Aposentado)

Mariângela Guerreiro Milhoranza da Rocha

Advogada e Professora Universitária

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