A MODULAÇÃO DOS EFEITOS NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO REXT N.º 574.706-PR
Tendo em vista a repercussão causada pelo julgamento da intitulada 'Tese do século', imperiosa é a análise do voto da ministra Carmén Lúcia nos Embargos de Declaração no REXT n.º 574.706[2] – Paraná, opostos pela União. O acórdão embargado avaliou o tema 69 da repercussão geral, sendo-lhe dado provimento ao recurso extraordinário fixando-se a seguinte tese 'o ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da Cofins'.
Há que se referir que os embargos ora opostos tinham como objetivo sanar algumas omissões, contradições e obscuridades, bem como, visto ser permitido e aceitável pela jurisprudência do STF, a modulação dos efeitos em sede de embargos, inclusive, cerne dos referidos embargos.
Dentre as alegações da embargante está a de que o STF não observou simetria entre o presente caso e os REs 212.209 e 582.461, ou justificativa plausível para a não observância e tensão entre os ministros da corrente vencedora e julgados trazidos pela embargante, os quais atinam à inclusão do ICMS na base de cálculo do próprio ICMS, em vendas no mercado interno.
No entanto, a Ministra relatora referiu que a decisão do julgador não está restrita às ideias postas na causa ou no recurso pela parte, mas tais precedentes não passaram despercebidos pelo Supremo, isso porque aqueles precedentes tratavam de matéria diversa – inclusão do ICMS na base de cálculo do ICMS. Portanto, sem omissão a se suprir.
Outra alegação trazida pela embargante foi a incidência de erro material ou omissão quanto à interpretação do termo 'receita bruta' presente nos votos vencedores. A Ministra entendeu pela ausência de erro material ou omissão, tendo em vista que a definição constitucional de receita insculpida no art. 105, I, b da Constituição Federal difere do conceito contábil de renda. Sendo assim, nada a prover ou sanar.
Outras foram as alegações trazidas pela embargante, todas devidamente apreciadas especificamente ao tema posto à apreciação neste julgamento, limitado à análise da base de cálculo do PIS/COFINS. Aliás, a Ministra, após detida análise dos embargos, entende que eles não foram opostos com fim de sanar pontos obscuros, omissos, contraditórios, ou erros materiais, tiveram, todavia, cunho de modificar o conteúdo julgado para prevalência de tese da embargante.
Assim, como posto acima, o assunto principal dos referidos embargos de declaração diz respeito à modulação dos efeitos na decisão do julgamento do Recurso Extraordinário n.º 240.785/2014. Naquela ocasião, decidiu-se que a produção dos efeitos seriam interpartes, situação inteiramente debatida, tendo em vista que, quando do início do julgamento, a composição do Supremo era outra. Agora, os ministros estavam de frente com um Recurso Extraordinário com repercussão geral reconhecida, bem como a ação declaratória proposta.
Sendo assim, a discussão do possível efeito erga omnes aguardou até este julgado para ser decidido. Vale ressaltar que antes de ser reconhecida repercussão geral no julgado em debate, o STJ já firmava entendimento contrário ao que foi decidido pelo STF, isto é, o STJ tinha seguinte tese 'O valor do ICMS, destacado na nota, devido e recolhido pela empresa compõe seu faturamento, submetendo-se à tributação pelas contribuições ao PIS/PASEP e COFINS, sendo integrante também do conceito maior de receita bruta, base de cálculo das referidas exações', essa antiga jurisprudência era usada pelo STJ e TRF. No entanto, o STF, ao afastar a constitucionalidade da matéria e não ter adotado a definição de faturamento defendido pela Fazenda Pública, relegou essa interpretação ao STJ.
Desta feita, tendo em vista que houve alteração no quadro de ministros desde o início do Recurso Extraordinário n.º 240.785, iniciado em 1999 e encerrando em 2014, bem como que não houve alteração no entendimento firmado quanto aos novos integrantes, resta a análise da modulação dos efeitos, a fim de preservação da segurança a jurídica.
Antes de mais nada, cabe referir que a Ministra enfatizou a posição jurisprudencial frente ao poder estatal, princípios como a boa-fé, a confiança e a segurança jurídica são fundamentais 'à prospecção dos efeitos das decisões judiciais modificadoras da jurisprudência até então dominante', daí que a modulação pode ser aplicada contra a Fazenda Pública. a exemplo disso, citou-se o Recurso Extraordinário n.º 593.849, o qual teve seus efeitos modulados.
Por oportuno, suscitou-se ainda a sistemática de repercussão geral com efeitos erga omnes, a qual vincula todos os órgãos da Administração Pública e ao Poder Judiciário, excetuando-se o Poder Legislativo em sua função legiferante[3] e, após todas as análises circunstâncias debatidas, verifica-se que os embargos de declaração foram acolhidos em parte, isto é, foi acolhida a:
[...] a modulação dos efeitos do julgado cuja produção haverá de se dar desde 15.3.2017 – data em que julgado este recurso extraordinário n. 574.706 e fixada a tese com repercussão geral 'O ICMS não compõe a base de cálculo para fins de incidência do PIS e da COFINS' -, ressalvadas as ações judiciais e administrativas protocoladas até a data da sessão em que proferido o julgamento de mérito.
Como se vê, a modulação temporal foi retroativa e com observância ao que aduz o art. 27 da Lei n.º 9.868/99[4], que ressalta que quando da declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, por razões de segurança jurídica, há a possibilidade de restringir os efeitos da decisão ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou momento a ser fixado. No caso em tela, a os efeitos da decisão foram restringidos, isto é, tal decisão retroagirá para alcançar ações judiciais protocoladas até 15/03/2017, logo, os contribuintes que ajuizaram demanda até a referida data poderão ter os valores pagos a mais restituídos.
No tocante à modulação, vale mencionar que esta não é tarefa fácil, uma vez que desafia previsões consequentes dos ministros em suas decisões, tal como certificar-se de efeitos negativos que podem saltar de possível decretação de nulidade ex tunc e amparar como seu afastamento tem possibilidade de manter o estado de constitucionalidade, daí a necessidade de antecipação dos estados de coisas vinculadas às opções decisórias de modulação ou não dos efeitos temporais da decisão[5].
Por outro lado, percebe-se que a devolução/compensação de tais quantias causa oneração aos cofres da Fazenda Pública, em que pese acertada tal decisão acerca da exclusão do ICMS na base de cálculo para fins de incidência de PIS/COFINS.
[1] Nayana Taísa Piedade Meireles de Vasconcelos - Graduanda em Direito pela IMED-Campus Porto Alegre e Membro do Geak – Grupo de Estudos Araken de Assis.
[2] Disponível em: https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur450683/false <:acesso em 13/08/2021>:.
[3] Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
[...]
§ 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm <:acesso em 14/08/2021>:.
[4] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9868.htm <:acesso em 14/08/2021>:.
[5] LEAL, Fernanda. DIAS, Daniela Gueiros. Consequencialismo judicial na modulação de efeitos das decisões declaratórias de inconstitucionalidade nos julgamentos de direito tributário. Rev. Bras. Polít. Públicas, Brasília, v. 7, n.º 3, 2017. p. 827. Disponível em: https://www.arqcom.uniceub.br/RBPP/article/view/4779 <: acesso em 13/08/2021>:.
VASCONCELOS, Nayana Taísa Piedade Meireles de Vasconcelos. A MODULAÇÃO DOS EFEITOS NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO REXT N.º 574.706-PR. Revista Páginas de Direito, Porto Alegre, ano 21, nº 1541, 16 de Agosto de 2021. Disponível em: https://paginasdedireito.com.br/component/zoo/a-modulacao-dos-efeitos-nos-embargos-de-declaracao-no-rext-n-574-706-pr.html