09.07.21 | Alessandra Gazzaneo

A Recomendação nº62/2020 do CNJ em consonância com os ditames da CIDH

Desde meados de 2020 o mundo enfrenta um novo inimigo, o coronavírus. Não tem sido uma batalha fácil, mas a busca pela garantia da vida e saúde dos seres humanos tem sido a grande força motriz mundo afora. Preocupados com a situação das casas prisionais, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) fizeram recomendações acerca desta problemática.

O CNJ publicou a recomendação 62/2020, em 17 de março de 2020, com o intuito de sugerir a 'adoção de políticas emergenciais direcionadas a frear o coronavírus dentro dos presídios.' Tal Recomendação sugeria e legitimava que decisões judiciais buscassem avaliar a possibilidade de soltura de determinadas categorias de detentos, com a intenção de barrar o aumento da doença dentro das casas prisionais. De acordo com o cenário caótico posto pela pandemia, o CNJ estava preocupado com a dignidade dos presos e a manutenção da vida destes.

Juízes de norte a sul adotaram a recomendação do CNJ e inúmeros presos foram colocados em liberdade. Importante ressaltar, que a repercussão das medidas de soltura foi muito criticada pela sociedade brasileira. De acordo com relatório de monitoramento do CNJ, 3466 presos provisórios foram soltos, atendendo a Recomendação 62/2020. As decisões pela soltura foram adotadas em 62% dos estados da federação, sendo que 23% dos estados não adotaram medidas de soltura e 15% dos estados não informaram se adotaram ou não medidas de soltura, conforme citado o relatório.

Importante destacar que em relação aos Estados que adotaram estas medidas, os presos provisórios foram os maiores beneficiados com a prática emergencial de soltura. Do total de pessoas soltas, 58% eram presos civis por dívida de pensão alimentícia. Mulheres gestantes, lactantes, mães ou responsáveis por crianças de até doze anos ou por pessoas com deficiência representaram 38% do total de solturas dentro dos 16 estados que adotaram as medidas. Os presos que fazem parte do grupo de risco por serem idosos ou possuírem alguma comorbidade, representaram 35% das solturas. Já os presos preventivos por crimes praticados sem violência ou grave ameaça à pessoa representam 23% das solturas.

Vale ressaltar que a recomendação não se aplica aos condenados com base nas leis 12.850/2013, 9.613/1998, crimes que tenham sido praticados contra a administração pública, crimes hediondos ou crimes de violência contra a mulher. Sendo assim, a Recomendação 62/2020 se aplica a algumas categorias de presos e aos que cometeram crimes de menor potencial ofensivo.

A CIDH decidiu no mesmo sentido, isto é, emitiu resolução similar à do CNJ em abril de 2020 sobre o tratamento dos indivíduos privados de liberdade na busca de um melhor enfrentamento contra o coronavírus. A resolução 1/2020 da CIDH afirma que 'as Américas e o mundo enfrentam atualmente uma emergência sanitária global sem precedentes provocada pela pandemia do vírus que causa a COVID-19, ante a qual as medidas adotadas pelos Estados na atenção e contenção do vírus devem ter como centro o pleno respeito aos direitos humanos'. Destaca ainda que 'a pandemia da COVID-19 pode afetar gravemente a plena vigência dos direitos humanos da população em virtude dos sérios riscos que a doença representa para a vida, a saúde e a integridade pessoal, bem como seus impactos de imediato, médio e longo prazo sobre as sociedades em geral e sobre as pessoas e grupos em situação de especial vulnerabilidade'.

Veja-se que há uma similaridade de tratamento conferido pelo CNJ e pela CIDH, já que ambas as resoluções demonstram preocupação com a as pessoas privadas de liberdade durante a pandemia. Todavia, não se trata de coincidência. Há, sim, uma interrelação entre o sistema brasileiro e o sistema interamericano de direitos humanos. Há um diálogo entre os sistemas em prol da maior garantia possível dos direitos humanos entre os membros da Organização dos Estados Americanos (OEA). Assim como o sistema interamericano acaba moldando o direito interno, o direito interno também acaba por influenciar o sistema como um todo.

Vencer o coronavírus ainda está longe de ser uma realidade. Todavia, criar meios para que a sociedade sofra menos com as injustiças trazidas pela doença é papel do Estado, das organizações sociais e de cada um de nós. Foi nesta esteira que tanto o CNJ quanto a CIDH utilizaram-se de conceitos de proteção a direitos humanos desenvolvidos ao longo de décadas e, através de um 'diálogo,' jurídico buscaram conceder tratamento mais benéfico a determinadas categorias de presos no período da pandemia. A intenção do CNJ e da CIDH é de que as pessoas privadas de liberdade, apenas em razão de sua condição temporária, não tenham negados direitos fundamentais como a saúde e à própria vida.

Referências

CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos). Pandemia e Direitos Humanos nas Américas. Resolução 1/2020. Disponível em: https://www.oas.org/pt/cidh/decisiones/pdf/Resolucao-1-20-pt.pdf Acesso em 15 jun. 2021.

CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Formulário para Monitoramento da Recomendação 62/CNJ Relatório I. Programa Justiça Presente. Brasília, maio 2021.

CNJ (Conselho Nacional de Justiça). RECOMENDAÇÃO No 62, DE 17 DE MARÇO DE 2020. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/files/original160026202003305e82179a4943a.pdf Acesso em: 15 jun.2021.

MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direitos Humanos. 7ed. São Paulo: Método, 2020.

MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Direitos Humanos na Jurisprudência Internacional. São Paulo: Método, 2019.


GAZZANEO, Alessandra Gazzaneo. A Recomendação nº62/2020 do CNJ em consonância com os ditames da CIDH. Revista Páginas de Direito, Porto Alegre, ano 21, nº 1527, 09 de Julho de 2021. Disponível em: https://paginasdedireito.com.br/component/zoo/a-recomendacao-n-62-2020-do-cnj-em-consonancia-com-os-ditames-da-cidh.html
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Editores: 
José Maria Tesheiner
(Prof. Dir. Proc. Civil PUC-RS Aposentado)

Mariângela Guerreiro Milhoranza da Rocha

Advogada e Professora Universitária

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