A SÚMULA 438 DO STJ E A POSSIBILIDADE DE PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA COM BASE NA PENA PROJETADA

A partir do relatório Justiça em Números, divulgado no ano de 2020 pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o qual utilizou como ano-base o ano de 2019, observa-se que o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul leva em média 9 anos e 6 meses para julgar, em primeiro grau, os processos criminais que tramitam no Estado.

Como se não bastasse o fato de o Tribunal gaúcho ocupar a primeira posição no ranking do tempo médio de tramitação dos processos criminais, além de possuir quase o triplo de tempo em comparação ao terceiro colocado, – TJRJ, com 3 anos e 4 meses – os dados levantados pelo Conselho expõem a falta de celeridade processual presente no Rio Grande do Sul e, consequentemente, a grande chance de que a maioria dos processos tenham sua extinção declarada com base na prescrição da pretensão punitiva do Estado.

Inicialmente, cumpre destacar que a pretensão punitiva do Estado nada mais é do que a capacidade do Estado de sancionar os indivíduos que cometem algum ato criminoso previsto na legislação brasileira, seja através de penas privativas de liberdade ou outras medidas que busquem a conscientização e/ou ressocialização desses indivíduos. A partir desse pensamento, é possível observar que o poder punitivo do Estado tem como ideais repreender as ações criminosas praticadas por um cidadão e, também, prevenir para que estas ações não voltem a acontecer, logo, seria ilógico que essa punição fosse imprescritível, pois perderia todo o caráter educativo e retributivo que o poder estatal tenta alcançar.

Visando exatamente esses ideais, o legislador trouxe nos artigos 109 e 110 do Decreto- Lei nº 3.689/41 o tempo a ser considerado para que ocorra a extinção da punibilidade, antes do trânsito em julgado e após o trânsito em julgado da sentença final, respectivamente.

Assim, diante da elevada média de tempo de tramitação dos processos nas varas criminais e da grande quantidade de crimes de pequenos potenciais lesivos, muitos juízes passaram a extinguir processos pela prescrição da pretensão punitiva do Estado antes mesmo de julgarem o mérito da causa, com base em uma pena projetada, ou seja, uma possível pena pela qual o réu seria condenado, com fundamento no artigo 110 do CP, o qual dispõe que a extinção da punibilidade é regulada pela pena aplicada.

Entretanto, apesar da tentativa dos julgadores de primeiro grau de desafogarem o Poder Judiciário e acabarem com os processos cuja pretensão punitiva do Estado estivesse prescrita, o entendimento dos tribunais de segundo grau foi diverso e as sentenças prolatadas foram desconstituídas, retornando à primeiro grau para que houvesse o devido julgamento do feito.

Logo, diante do grande número de processos que foram extintos e depois tiveram suas sentenças desconstituídas, o STJ editou uma súmula acerca do assunto:

Súmula 438 do STJ: É inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou sorte do processo penal.

Assim, mesmo que o juiz verifique todas as condições pessoais do réu, bem como faça uma pequena análise dos fatos em questão e o potencial lesivo do crime praticado, e, então, a partir disso, faça um balanço de uma possível pena que aplicaria ao réu, é imprescindível, para o legislador, que haja a efetiva análise do mérito e a prolação de sentença condenatória ou absolutória.

Desse modo, pela força do artigo 109 do Código Penal, antes da haver o trânsito em julgado da sentença prolatada pelo juiz, onde, então, serão considerados os aspectos do caso concreto, o legislador impõe que a prescrição da pretensão punitiva seja calculada através do máximo da pena privativa de liberdade ao crime cometido, conforme disposto nos incisos do referido artigo, levando em consideração, também, as hipóteses de redução dos prazos de prescrição.

Mas afinal, qual benefício isso traz para as partes do processo criminal? Não há dúvidas que a súmula obriga o juiz a prosseguir com o feito mesmo que tenha conhecimento de que a extinção será declarada logo após a prolação da sentença, o que acarreta não somente no desperdício de tempo para todos que integram o Poder Judiciário, que poderia estar usando deste tempo para julgar questões mais urgentes e recentes, mas, também, de dinheiro público, uma vez que a instrução do feito seguirá normalmente, com a utilização de serviços como oficiais de justiça para inquirição das partes, além de outras diligências necessárias.

Por fim, é importante questionar se a média de julgamento de um processo criminal no TJRS ser de 9 anos está relacionado ou não com o fato de que esses processos não podem serem extintos sem que haja a resolução do mérito, fato este que acaba indo contra a própria Constituição Federal Brasileira no que se refere ao princípio da celeridade processual (art. 5°, inciso LXXVIII), uma vez que obrigar o juiz a resolver o mérito da questão não mudará o fato de que a prescrição da pretensão punitiva será reconhecida posteriormente e, enquanto isso, o número de processos ativos e a média de tempo para que os mesmos sejam devidamente julgados continuam aumentando no nosso sistema judiciário.

Referências:

Código de Processo Penal. Decreto Lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941.

Conselho Nacional de Justiça. Relatório Justiça em Números 2020: ano-base 2019/Conselho Nacional de Justiça - Brasília: CNJ, 2020.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula n° 438.

Bianca Mengue de Paula - Acadêmica de Direito da IMED, Membro do GEAK – Grupo de Estudos Araken de Assis sob a Coordenação da Prof. Pós Dra. Mariângela Guerreiro Milhoranza da Rocha.


PAULA, Bianca Mengue de Paula. A SÚMULA 438 DO STJ E A POSSIBILIDADE DE PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA COM BASE NA PENA PROJETADA. Revista Páginas de Direito, Porto Alegre, ano 21, nº 1520, 08 de Junho de 2021. Disponível em: https://paginasdedireito.com.br/component/zoo/a-sumula-438-do-stj-e-a-possibilidade-de-prescricao-da-pretensao-punitiva-com-base-na-pena-projetada.html
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Editores: 
José Maria Tesheiner
(Prof. Dir. Proc. Civil PUC-RS Aposentado)

Mariângela Guerreiro Milhoranza da Rocha

Advogada e Professora Universitária

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