17.02.22 | Daniel Ustárroz

A tributação da pensão alimentícia

Um dos assuntos mais importantes, no âmbito do direito civil, é a tributação da pensão alimentícia. A matéria retornou à pauta do Supremo Tribunal Federal, na semana passada, quando seis ministros proferiram votos contra a incidência de Imposto de Renda (IR) sobre a pensão alimentícia, modificando o panorama histórico do direito brasileiro (ADI nº 5.422).

Com efeito, historicamente, determinava-se que o credor de alimentos (muitas vezes uma criança) recolhesse o Imposto de Renda, com amparo na Lei nº 7.713/1988 e no Decreto nº 3.000/1999. Assim, submetia-se a pensão ao recolhimento de IR, cujas alíquotas vão até o limite de 27,5%. A Receita Federal justificava a legalidade da incidência também pelo fato de que o devedor de alimentos poderia deduzir de sua renda tributável a quantia fixada judicialmente, através de acordo ou sentença.

A injustiça dessa solução era visualizada diuturnamente. A maioria dos juízes, ao fixar a pensão, atinha-se ao histórico “binômio” (ou trinômio, como sugere a doutrina especializada). Ao arbitrar a pensão, aferia a possibilidade do devedor e a necessidade do credor, sem considerar o fato de que, perante a lei, incidiria IR. Portanto, ao receber a pensão mensal – destinada a cobrir os gastos existenciais básicos, como moradia, vestuário, educação, alimentação e transporte – o alimentando se via privado de uma parte da receita, a qual deveria ser destinada à União Federal pela incidência do IR.

Em sede doutrinária, merece destaque o artigo de Rolf Madaleno pela “intributabilidade da pensão alimentícia” (Revista IBDFAM - Famílias e Sucessões. Belo Horizonte: IBDFAM, v. 6. 2014).

Contra esse “estado de coisas”, insurgiu-se o Instituto Brasileiro de Direito das Famílias (IBDFAM), ao protocolar em 2015 uma ação direta de inconstitucionalidade: sustentou a inconstitucionalidade da incidência do Imposto de Renda. Destaco o seguinte trecho da petição inicial, o qual narra uma situação perversa: “Fato incontestável é que as verbas de alimentos compreendem os recursos necessários para a subsistência, habitação e vestuário do alimentário, suprindo suas necessidades básicas. Estamos diante de um paradoxo: o alimentário já é desprovido de recursos próprios para fazer frente às suas necessidades básicas, sendo então atendido pelos ingressos financeiros gerados pelo núcleo familiar por meio, em tese, do trabalho exercido pelo ex-cônjuge/companheiro encarregado de ser o provedor da entidade familiar. Com a quebra da convivência mútua e passando o alimentário a receber pensão alimentícia, para fazer frente às suas necessidades básicas de sobrevivência – perceba-se que antes já existentes – agora, por força da norma legal anunciada como inconstitucional, passa a ser tributada, como se as necessidades básicas de antes não mais subsistissem, o que é uma contradição”.

Incluído em pauta no “Plenário Virtual”, o primeiro voto proferido foi o do relator, ministro Dias Toffoli. Ele considerou “procedente o pedido formulado, de modo a dar ao art. 3º, § 1º, da Lei nº 7.713/88, aos arts. 4º e 46 do Anexo do Decreto nº 9.580/18 e aos arts. 3º, caput e § 1º, e 4º do Decreto-lei nº 1.301/73 interpretação conforme à Constituição Federal para se afastar a incidência do imposto de renda sobre valores decorrentes do direito de família percebidos pelos alimentados a título de alimentos ou de pensões alimentícias”.

Em sessão posterior, o ministro Roberto Barroso acompanhou o relator e propôs a fixação da seguinte tese: "É inconstitucional a incidência de Imposto de Renda sobre os alimentos ou pensões alimentícias quando fundados no direito de família".

No ambiente virtual, os ministros Alexandre de Morais, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Rosa Weber também seguiram o posicionamento adotado pelo relator, formando a maioria.

Destaco o seguinte trecho do voto do min. Alexandre: “Pelo que se depreende da legislação de regência, tanto na concepção de renda quanto na de provento, tem-se o acréscimo patrimonial como condição imprescindível para a incidência do imposto de renda, conforme reconhecem diversos precedentes do STF”. E concluiu: “Tendo por base o princípio implícito de não obstância do exercício de direitos fundamentais por via da tributação, entendo que os valores recebidos a título de pensão alimentícia decorrente das obrigações familiares de seu provedor não podem integrar a renda tributável do alimentando , sob pena de violar-se a garantia ao mínimo existencial, constituindo verba necessária à manutenção de sua existência digna”.

Quando se imaginava que a conclusão estava próxima, houve “pedido de destaque” do ministro Gilmar Mendes, o que determinou a retirada do julgamento virtual. Aguarda-se, assim, a conclusão do julgamento em sessão por videoconferência. Embora possa ocorrer a retratação dos ministros, em relação aos votos proferidos, há uma tendência em se reconhecer a inconstitucionalidade da tributação.

A se confirmar a tendência, restarão algumas questões importantíssimas em aberto. Uma delas reside na “modulação dos efeitos”. Afinal, as pessoas que recolheram Imposto de Renda ao longo de anos poderão postular a restituição? Quais serão os critérios e os marcos temporais? Ainda: o regime de dedução em favor do alimentante será impactado? A ratio da argumentação do Supremo atingirá outros “fatos geradores” ou tributos?

Algumas dessas respostas serão dadas, após a conclusão do julgamento, com a publicação do acórdão e, principalmente, com a fixação da tese, que vinculará todos os órgãos administrativos e judiciários.


USTÁRROZ, Daniel Ustárroz. A tributação da pensão alimentícia. Revista Páginas de Direito, Porto Alegre, ano 22, nº 1570, 17 de Fevereiro de 2022. Disponível em: https://paginasdedireito.com.br/component/zoo/a-tributacao-da-pensao-alimenticia.html?Itemid=330
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A tributação da pensão alimentícia - O Site Páginas de Direito foi criado pelo Professor Livre Docente pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Desembargador Aposentado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e ex Professor Titular do Mestrado e Doutorado da PUCRS

Editores: 
José Maria Tesheiner
(Prof. Dir. Proc. Civil PUC-RS Aposentado)

Mariângela Guerreiro Milhoranza da Rocha

Advogada e Professora Universitária

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