Citação e intimação no CPC/2015: comparação entre o regime atual e o antecedente sobre o reconhecimento da inexistência e da nulidade, bem como sobre as formas de intimação para o cumprimento de sentença
O objetivo do presente ensaio é apresentar e examinar algumas alterações na disciplina jurídica da citação e da intimação, bem como do regime normativa sobre o reconhecimento de sua inexistência ou invalidade.
1 – Vício na comunicação de ato processual e o momento a partir do qual o prazo para a prática do ato da parte é contado.
A primeira e substancial modificação de tratamento jurídico diz respeito ao momento pelo qual se considera citado ou intimado aquele que, com sucesso, obtém o reconhecimento do vício do ato comunicativo.
No CPC/1973, quando alegada a inexistência ou defeito da citação ou intimação, o prazo respectivo passava a correr somente da decisão que reconhecia o problema. Veja-se o artigo 214, § 2º, do CPC/1973, in verbis:
- § 2º Comparecendo o réu apenas para argüir a nulidade e sendo esta decretada, considerar-se-á feita a citação na data em que ele ou seu advogado for intimado da decisão. (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)
Já a codificação atual, diferentemente, prevê como dies a quo aquele do próprio comparecimento aos autos para a alegação do vício, conforme a regra emanada do artigo 239, § 1º, veja-se:
- § 1.º O comparecimento espontâneo do réu ou do executado supre a falta ou a nulidade da citação, fluindo a partir desta data o prazo para apresentação de contestação ou de embargos à execução.
Como apontam Arruda Alvim[1], João Paulo Hecker da Silva[2] e José Miguel Garcia Medina[3], não será da decisão que reconhece o vício que se contará o prazo defensivo, mas de sua própria alegação se extrairá a ciência da demanda e ela deflagará o prazo para eventual reação.
Coerentemente, o CPC/2015 assim dispôs, em seu artigo 272, §§ 8º e 9º:
- § 8º A parte arguirá a nulidade da intimação em capítulo preliminar do próprio ato que lhe caiba praticar, o qual será tido por tempestivo se o vício for reconhecido.
- § 9º Não sendo possível a prática imediata do ato diante da necessidade de acesso prévio aos autos, a parte limitar-se-á a arguir a nulidade da intimação, caso em que o prazo será contado da intimação da decisão que a reconheça.
Ou seja, a nulidade do ato comunicativo deve ser arguida na própria peça onde se pratica, concomitantemente, aquele ato da parte que ela tenciona realizar – e não mais, posteriormente, como ocorria sob a égide do código anterior – a não ser que, por algum motivo, não tenha acesso aos autos naquele momento (o que era mais provável de ocorrer quando os mesmos eram físicos).
Note-se que nenhuma razão existe para não se aplicar a regra à impugnação ao cumprimento de sentença, devendo ser prestigiada a finalidade normativa sobre a literalidade do dispositivo legal. Nesse mesmo sentido, aliás, o entendimento de Cassio Scarpinella Bueno[4] e o enunciado 84 da I Jornada de Direito Processual Civil do CJF que tem o seguinte teor: “O comparecimento espontâneo da parte constitui termo inicial dos prazos para pagamento e, sucessivamente, impugnação ao cumprimento de sentença.”.
É claro que o comparecimento espontâneo no cumprimento de sentença deflagra apenas o prazo para a apresentação da impugnação, sem, obviamente, sanar o gravíssimo defeito relativo à ausência ou invalidade da citação na fase de conhecimento, como bem decidido pelo STJ ao julgar o Recurso Especial 1.930.225, já à luz do CPC/2015.
2 – Intimação para cumprimento de sentença.
O CPC/2015, dirimindo controvérsia que chegou a existir em face do da codificação precedente, estabeleceu expressamente a possibilidade de intimação da parte, na figura de seu advogado, para fins de cumprimento de sentença.
O Código atual foi além, disciplinando a intimação em várias situações, como pode ser visto em seu artigo 513, §§ 2º e 3º, verbatim:
- § 2º O devedor será intimado para cumprir a sentença:
I - pelo Diário da Justiça, na pessoa de seu advogado constituído nos autos;
II - por carta com aviso de recebimento, quando representado pela Defensoria Pública ou quando não tiver procurador constituído nos autos, ressalvada a hipótese do inciso IV;
III - por meio eletrônico, quando, no caso do § 1º do art. 246 , não tiver procurador constituído nos autos
IV - por edital, quando, citado na forma do art. 256 , tiver sido revel na fase de conhecimento.
- § 3º Na hipótese do § 2º, incisos II e III, considera-se realizada a intimação quando o devedor houver mudado de endereço sem prévia comunicação ao juízo, observado o disposto no parágrafo único do art. 274.
Revela-se importante ter em vista as regras que se extrai da interpretação conjugada dos incisos II e IV do art. 513, § 2º, conforme se passa a expor.
Se o réu foi citado por outro meio que não o editalício, a intimação será por carta com aviso de recebimento, tenha sido ou não revel. Assim, se citado por carta ou por mandado, será intimado por carta com aviso de recebimento, tenha apresentado contestação ou não[5]. Didática e acertada interpretação foi adotada pelo STJ no leading case (Recurso Especial 1.760.914) sobre o assunto ao assentar-se o seguinte:
Em se tratando de revel que não tenha sido citado por edital e que não possua advogado constituído, o inciso II do §2º do art. 513 do CPC fora claro ao reconhecer que a intimação do devedor para cumprir a sentença ocorrerá "por carta com aviso de recebimento, quando representado pela Defensoria Pública ou quando não tiver procurador constituído nos autos, ressalvada a hipótese do inciso IV".
O julgamento revela-se especialmente importante ante a existência de manifestações doutrinárias em sentido diverso daquele da interpretação adotada pelo STJ[6] e que também chegou a ser sustentado por outro setor da doutrina[7].
Reputo que inclusive quando tiver ocorrido a citação por hora certa a intimação será por carta, mas anoto que, no julgamento do acima referido Recurso Especial 1.760.914, o STJ, em obiter dictum, refere o contrário ao dizer que “Atualmente, o revel, citado por edital ou por hora certa, deverá ser intimado na fase executiva também por edital.” – o entendimento é defendido, também, por Cassio Scarpinella Bueno[8] que sustenta tal posicionamento com lastro na súmula 196 do STJ. Note-se, ainda, que Dorival Renato Pavan[9] sustenta um terceiro posicionamento, a saber, o de que basta a publicação oficial para ter-se o executado, citado por hora certa na fase de conhecimento, como intimado para o cumprimento de sentença, dado que ao réu rebelde não deveria ser dispensado tratamento mais benéfico do que aquele previsto como regra geral.
Se foi citado por edital, mas não foi revel, a intimação será por carta com aviso de recebimento, caso não mais possua procurador nos autos.
Se o réu tiver sido revel, mas tenha constituído e mantido procurador nos autos, a intimação não será nem por carta e nem por edital, mas por publicação oficial.
Se o réu foi citado por edital e tiver sido revel, será intimado por edital, mas deve se ter em vista que em tais circunstâncias a Defensoria Pública atua como curadora especial, o que impõe também sua intimação[10].
Uma outra inovação especialmente digna de nota é a respeito da inédita consideração do lapso temporal entre o trânsito em julgado do título executivo e o requerimento do cumprimento de sentença enquanto fator de alteração do modo de intimação do executado.
Passado um ano da estabilização do aresto e ausente provocação do juízo para a deflagração de seu cumprimento forçado, presume o legislador maior dificuldade entre de contato entre cliente e advogado, impondo ao beneficiário do título executivo o ônus de obter a intimação do executado por carta com aviso de recebimento, não se podendo instar ao cumprimento por meio da intimação por publicação oficial. Nesse sentido, veja-se o artigo 513, § 4º, do CPC, cuja redação é a que segue:
- § 4.º Se o requerimento a que alude o § 1.º for formulado após 1 (um) ano do trânsito em julgado da sentença, a intimação será feita na pessoa do devedor, por meio de carta com aviso de recebimento encaminhada ao endereço constante dos autos, observado o disposto no parágrafo único do art. 274 e no § 3.º deste artigo.
Desse modo, o legislador prestigiou o exequente/credor diligente, ofertando-lhe a célere via da publicação oficial quando ele próprio tiver demonstrado agilidade na exigência da prestação que lhe seja devida. Por outro lado, se o exequente/credor não se mostrar tão interessado no imediato cumprimento, a codificação estabelece a necessidade de intimação do executado/devedor mediante carta com aviso de recebimento, especialmente tendo em vista que o decurso do tempo tende a distanciar o contato entre o devedor e seu respectivo patrono.
[1] ARRUDA ALVIM. Manual de Processo Civil. 20ª ed. São Paulo: RT, 2021, p. 685.
[2] SILVA, João Paulo Hecker da. Artigo 239. In: BUENO, Cassio Scarpinella (Coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. Volume 1. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 832.
[3] MEDINA, José Miguel Garcia. Código de Processo Civil Comentado. 6ª ed. São Paulo: RT, 2020, p. 431 (nota IV do artigo 239).
[4] BUENO, Cassio Scarpinella. Artigo 513. In: GOUVÊA, José Roberto; BONDIOLI, Luis Guilherme; FONSECA, João Francisco N. da. (Coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. Volume 10. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 99 (nota 26 ao artigo 513).
[5] Sobre o assunto, veja-se o importantíssimo julgamento do Recurso Especial 1.760.914.
[6] MEDINA, José Miguel Garcia. Código de Processo Civil Comentado. 6ª ed. São Paulo: RT, 2020, p. 869 (nota VI do artigo 513); NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado. 18ª ed. São Paulo: RT, 2019, p. 1.296 (nota 12 ao artigo 513); SHIMURA, Sérgio Seiji. Artigo 513. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DIDIER JR., Fredie; TALAMINI, Eduardo, et al (Coord.). Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015, p. 1.321 (nota 6 ao artigo 513).
[7] SANTOS, Welder Queiroz dos. Artigo 513. In: STRECK, Lenio Luiz; NUNES, Dierle; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Comentários ao Código de Processo Civil. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 763 (nota 2 ao artigo 513).
[8] BUENO, Cassio Scarpinella. Artigo 513. In: GOUVÊA, José Roberto; BONDIOLI, Luis Guilherme; FONSECA, João Francisco N. da. (Coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. Volume 10. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 98 (nota 25 ao artigo 513).
[9] PAVAN, Dorival Renato. Artigo 513. In: BUENO, Cassio Scarpinella. Comentários ao Código de Processo Civil. Volume 2. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 594 (nota 12 ao artigo 513).
[10] Do voto do relator do julgamento do Recurso Especial 1.760.914, extrai-se lição didática: “Perceba-se que não será suficiente, segundo a lei, a intimação pessoal da Defensoria Pública, quando atuar como curador especial do réu revel citado na forma do art. 256 do CPC, necessitando também, nova intimação editalícia do executado para cumprir a sentença em que restou condenado.”.
Tiago Bitencourt De David: Doutorando em Direito (PUCSP). Mestre em Direito (PUCRS). Especialista em Direito Processual Civil (UNIRITTER). Especialista em Contratos e Responsabilidade Civil (Verbo Jurídico). Pós-graduado em Direito Civil pela Universidad de Castilla-La Mancha (Toledo/Espanha). Bacharel em Filosofia (UNISUL). Juiz Federal Substituto na Terceira Região.
DAVI, Tiago Bitencourt De Davi. Citação e intimação no CPC/2015: comparação entre o regime atual e o antecedente sobre o reconhecimento da inexistência e da nulidade, bem como sobre as formas de intimação para o cumprimento de sentença. Revista Páginas de Direito, Porto Alegre, ano 22, nº 1569, 16 de Fevereiro de 2022. Disponível em: https://paginasdedireito.com.br/component/zoo/citacao-e-intimacao-no-cpc-2015-comparacao-entre-o-regime-atual-e-o-antecedente-sobre-o-reconhecimento-da-inexistencia-e-da-nulidade-bem-como-sobre-as-formas-de-intimacao-para-o-cumprimento-de-sentenca.html?Itemid=330