Direito Sucessório: uma discussão despertada pela Pandemia

O advento da atual pandemia aproximou o ser humano de um fato inevitável: a finitude da vida. O que era uma preocupação longínqua, mormente de pessoas mais idosas, agora, mostra-se mais próxima e concreta a todos. No contexto jurídico, essa realidade alavancou o interesse no Direito Sucessório.

O movimento de desjudicialização já em andamento no Brasil ganha novos contornos de urgência. Torna-se ainda mais relevante a discussão acerca das formalidades exigidas pela atual legislação sucessória. Muitas pessoas se viram diante de um impasse: possuir o direito (e a necessidade) de recebimento de valores em virtude de herança (tão vital em tempos pandêmicos) entrando em colisão com os obstáculos dos procedimentos legais vigentes.

Em artigo recente publicado na Revista do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) intitulado 'Direito, desenvolvimento econômico e a atuação do Conselho Nacional de Justiça para o aprimoramento dos processos de transmissão de riqueza pela via sucessória' Braga Junior, Refosco e Agapito[1] propõem algumas alternativas, que embora não sejam adstritas ao contexto da pandemia, podem perfeitamente auxiliar para atuais e futuros enfrentamentos da questão. Dentre as sugestões apresentadas, podemos destacar: a) a possibilidade de realização de inventário e partilha extrajudiciais ainda que exista testamento: b) a necessidade de reforma legislativa para extinguir a ação de abertura, registro e cumprimento de testamento.

Uma das propostas visa que seja dada interpretação teleológica ao arcabouço normativo, com o objetivo de facilitar a realização do inventário extrajudicial. Assim, susta-se a possibilidade de inventário extrajudicial, independentemente de autorização judicial, mesmo nos casos em que haja testamento: também se propõe uma reforma legislativa visando a extinção da ação de abertura, registro e cumprimento de testamento, a qual visa meramente verificar formalidades extrínsecas do testamento. Nesse sentido:

A utilização da via extrajudicial deve ser admitida em todos os casos em que os herdeiros são capazes e concordes, haja vis­ta que tal possibilidade resguarda as finali­dades da lei: racionalizar o trabalho do Poder Judiciário, materializar de forma eficiente a transmissão da riqueza e resguardar a auto­nomia privada[2].

A fim de fundamentar tais proposições, Braga Junior, Refosco e Agapito apresentam de forma clara todo o respaldo jurídico, seja por meio de leis, jurisprudência, enunciados, provimentos, os quais viabilizam o supra proposto. Ressaltam ainda a importância da função pública (delegada) do Tabelião para a prática de determinados atos, que até então se entendiam de competência exclusiva do juiz de direito, conforme art. 30, Lei 8.935/94[3]. Os autores são enfáticos ao afirmar que a facilitação de acesso aos bens sucessórios não pode ser sofrer entraves procedimentais, sob pena de cercear o alcance do cidadão aos seus direitos.

De outra banda, ainda com o fito de viabilizar o acesso à Justiça, mesmo que de forma indireta, o CNJ tem empreendido esforços no sentido de otimizar a prática de certos atos, editando assim, o Provimento nº 100[4], o qual dispõe 'sobre a prática de atos notariais eletrônicos utilizando o sistema e-Notariado, cria a Matrícula Notarial Eletrônica-MNE e dá outras providências'.

Dessa forma, a pandemia acabou por acelerar alguns avanços e reacender algumas discussões legislativas. A prática da desjudicialização, em consonância com novos recursos virtuais (notariais), proporcionará maior celeridade de acesso do cidadão à justiça (e, principalmente, aos seus bens), materializando, assim, o pleno Direito Sucessório.

[1] BRAGA JUNIOR, Antonio Carlos Alves: REFOSCO, Helena Campos: AGAPITO, Priscila de Castro Teixeira Pinto Lopes. Direito, desenvolvimento econômico e a atuação do Conselho Nacional de Justiça para o aprimoramento dos processos de transmissão de riqueza pela via sucessória. Revista CNJ, Brasília, v 4, n. 1, jan/jun 2020.

[2] BRAGA JUNIOR, Antonio Carlos Alves: REFOSCO, Helena Campos: AGAPITO, Priscila de Castro Teixeira Pinto Lopes. Direito, desenvolvimento econômico e a atuação do Conselho Nacional de Justiça para o aprimoramento dos processos de transmissão de riqueza pela via sucessória. Revista CNJ, Brasília, v 4, n. 1, jan/jun 2020. p. 108.

[3] BRASIL. Lei nº 8.935/1994, de 18 de novembro de 1994. Diário Oficial da União. Brasília, 1994. Disponível em: http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/LEIS/L8935.htm. Acesso em: 07 maio 2021.

[4] BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Provimento nº 100, de 26 de maio de 2020. Brasília, 2020. Disponível em https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3334. Acesso em: 07 maio 2021.


SEGHESIO, Denise Prolo Seghesio. Direito Sucessório: uma discussão despertada pela Pandemia. Revista Páginas de Direito, Porto Alegre, ano 21, nº 1519, 07 de Junho de 2021. Disponível em: https://paginasdedireito.com.br/component/zoo/direito-sucessorio-uma-discussao-despertada-pela-pandemia.html
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Editores: 
José Maria Tesheiner
(Prof. Dir. Proc. Civil PUC-RS Aposentado)

Mariângela Guerreiro Milhoranza da Rocha

Advogada e Professora Universitária

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