RELEMBRANDO O QUE É, AFINAL, A JUSTIÇA RESTAURATIVA[1]

Segundo Zehr (2012, p. 14), a Justiça Restaurativa começou como um esforço para lidar com assaltos e outros crimes patrimoniais que em geral são vistos (em muitos casos incorretamente) como ofensas de menor potencial ofensivo. Nos dias atuais, as abordagens restaurativas como os 'círculos' estão ultrapassando o sistema de justiça criminal e chegando a escolas, locais de trabalho e instituições religiosas. Assim, a Justiça Restaurativa representa um novo horizonte, uma nova tentativa de dar resposta à infração penal e atender, de forma integral, vítimas, ofensores, comunidades e a sociedade para a construção de uma efetiva cultura de paz (PRUDENTE, 2011, p. 64).

A prática restaurativa vem sustentando que a punição não constitui real responsabilização. A verdadeira responsabilidade consiste em olhar de frente para os atos que praticamos, significa estimular o ofensor a compreender o impacto de seu comportamento, os danos que causou – e instá-lo a adotar medidas para corrigir tudo o que for possível. Também se preocupa em especial com as necessidades das vítimas de atos ilícitos, aquelas necessidades que não estão sendo adequadamente atendidas pelo sistema de justiça criminal vez que o crime é definido como ato cometido contra o Estado, e por isso o Estado toma o lugar da vítima no processo (ZEHR, 2012, p. 24-27).

Pranis (2010, p. 15) ensina que essa nova metodologia denominada 'círculos' consiste em uma nova forma de congregar as pessoas, chegar ao entendimento mútuo, fortalecer relacionamentos e resolver problemas grupais. Sua origem é muito antiga. Ela se inspira na tradição dos índios norte-americanos de usar um objeto chamado bastão de fala, que passa de pessoa para pessoa dentro do grupo, e que confere ao seu detentor o direito de falar enquanto os outros ouvem. Essa antiga tradição se mescla aos conceitos contemporâneos de democracia e inclusão, próprios de uma complexa sociedade multicultural.

O termo 'Justiça Restaurativa' é um conjunto de princípios, uma filosofia, uma série alternativa de perguntas paradigmáticas. Oferece uma estrutura alternativa para pensar as ofensas (ZEHR, 2012, p. 15). Conforme Prudente (2011, p. 62), não há no ordenamento jurídico brasileiro dispositivo que contemple de forma expressa a Justiça Restaurativa. O que existe são determinados espaços normativos que podem ser utilizados para sua aplicação. Nesse sentido, Sica (2007, p. 225) acrescenta ainda que as práticas restaurativas não exigem a priori previsão legal específica para serem utilizadas no âmbito penal. O que se requer, apenas, é a existência de dispositivos legais que recepcionem medidas como reparação-conciliação ou soluções consensuais, afastando a possibilidade de pena ou atenuando-a.

Dessa forma, a Justiça Restaurativa é um processo para envolver, tanto quanto possível, todos aqueles que têm interesse em determinada ofensa, num processo que coletivamente identifica e trata os danos, necessidades e obrigações decorrentes da ofensa, a fim de promover o restabelecimento das pessoas e endireitar as coisas, na medida do possível (ZEHR, 2012, p. 49).

Para a Justiça Restaurativa o crime é uma violação de pessoas e relacionamentos. Ele cria a obrigação de corrigir os erros. A justiça envolve a vítima, o ofensor e a comunidade na busca de soluções que promovam reparação, reconciliação e segurança enquanto que para a Justiça Retributiva o crime é uma violação contra o Estado, definida pela desobediência à lei e pela culpa. A justiça determina a culpa e inflige dor no contexto de uma disputa entre ofensor e Estado, regida por regras sistemáticas (ZEHR, 2012, p. 170-171).

A Justiça Restaurativa amplia o círculo dos interessados no processo (aqueles que foram afetados ou têm uma posição em relação ao evento ou ao caso) para além do Estado e do ofensor, incluindo também as vítimas e os membros da comunidade. Possui especial atenção com as necessidades das vítimas de atos ilícitos, aquelas necessidades que não estão sendo adequadamente atendidas pelo sistema de justiça criminal. Seu segundo maior foco de preocupação é a responsabilidade do ofensor. A verdadeira responsabilidade consiste em olhar de frente para os atos que praticamos, significa estimular o ofensor a compreender o impacto de seu comportamento, os danos que causou - e instá-lo a adotar medidas para corrigir tudo o que for possível. Também os membros da comunidade têm necessidades advindas do crime e papeis a desempenhar, ou melhor, as comunidades sofrem o impacto do crime e, em muitos casos, deveriam ser consideradas partes interessadas pois são vítimas secundárias (ZEHR, 2012, p. 24-28).

REFERÊNCIAS

PRANIS, Kay. Processos circulares. Tradução de Tônia Van Acker. São Paulo: Palas Athena, 2010.

PRUDENTE, Neemias Moretti. Justiça restaurativa e experiências brasileiras. In: SPENGLER, Fabiana Marion: LUCAS, Doglas Cesar (org.). Justiça restaurativa e mediação: políticas públicas no tratamento dos conflitos sociais. Ijuí: Editora Ijuí, 2011.

SICA, Leonardo. Justiça restaurativa e mediação penal: o novo modelo de justiça criminal e gestão do crime. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.

ZEHR, Howard. Justiça restaurativa: teoria e prática. Tradução de Tônia Van Acker. São Paulo: Palas Athenas, 2012.

[1] Texto publicado originalmente na Athenas - Revista de Direito, Política e Filosofia, ISSN 2316-1833, v. 2, ano. III, ago.-dez., 2014 (com adaptações).

[2] Deilton Ribeiro Brasil - Pós-Doutor em Direito pela UNIME, Itália. Doutor em Direito pela UGF-RJ. Professor da Graduação e do PPGD - Mestrado e Doutorado em Proteção dos Direitos Fundamentais da Universidade de Itaúna (UIT), Faculdades Santo Agostinho (FASASETE-AFYA), Faculdade de Direito de Conselheiro Lafaiete (FDCL). Professor visitante da Universidade de Caxias do Sul (UCS). E-mail: deilton.ribeiro@terra.com.br


BRASIL, Deilton Ribeiro Brasil. RELEMBRANDO O QUE É, AFINAL, A JUSTIÇA RESTAURATIVA[1]. Revista Páginas de Direito, Porto Alegre, ano 21, nº 1558, 03 de Novembro de 2021. Disponível em: https://paginasdedireito.com.br/component/zoo/relembrando-o-que-e-afinal-a-justica-restaurativa-1.html
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Editores: 
José Maria Tesheiner
(Prof. Dir. Proc. Civil PUC-RS Aposentado)

Mariângela Guerreiro Milhoranza da Rocha

Advogada e Professora Universitária

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