Episódio 58: Primeiras Linhas de Processo Civil. 15 - Da reconvenção

Texto:José Caetano Pereira e Sousa e José Tesheiner

Apresentação:Marcelo Bopp Tesheiner

Narração:José Tesheiner e Sophia Salerno Peres

Duração do episódio: 15 minutos e 40 segundos

Música:Julians Auftritt, de Christoph Pronegg, Klassik - Album 2008:Siciliana, de Schumann, por Marco Tezza

Edição de áudio:André Luís de Aguiar Tesheiner

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Comentários às Primeiras Linhas de José Joaquim Caetano Pereira e Sousa

Da reconvenção

Antes de iniciarmos nossa conversa com Joaquim José Caetano Pereira e Sousa, lembramos que, em 1799, foi eleito Papa o monge beneditino Barnabé Chiaramonti, que tomou o nome de Pio VII. Quase simultaneamente subiam ao centro europeu duas figuras importantes: Napoleão Bonaparte e Pio VII.Napoleão fez saber ao Papa que queria entrar em negociações. Estas se realizaram, com grandes dificuldades, entre outras razões pela doutrina galicana adotada pelos franceses. Finalmente, a Cúria Romana fez concessões e foi assinada, em 1801, uma Concordata: em 17 artigos atribuía grandes poderes ao Estado sobre a lgreja: todos os bispos, juramentados ou não, seriam pelo Papa obrigados a renunciar: Napoleão nomearia os novos bispos e o Papa lhes daria apenas a instituição canônica, isto é, a ordem sagrada.Na execução da Concordata, 38 dos 81 bispos católicos não juramentados recusaram-se a resignar às suas dioceses. Não obstante, o Papa os depôs –acontecimento inédito na história da Igreja! A ambição de Napoleão levou-o a novos conflitos com a Santa Sé. Em maio de 1804, o monarca, por plebiscito, foi aclamado Imperador dos franceses. Convidou Pio VII para sagrá-lo e coroá-lo em Paris. O Papa, após hesitar, acabou aceitando. Na Catedral de Notre-Dame, aos 02/12/1804 sagrou o lmperador, mas, a coroa, foi este mesmo quem a colocou sobre a sua cabeça (não queria que se dissesse que recebera do Papa o poder imperial). Novos conflitos surgiram. Napoleão quis que o Pontífice dissolvesse o casamento de seu irmão Jerônimo. Diante da recusa, mandou invadir o Estado Pontifício, inclusive a cidade de Roma. Em maio de 1809 o Estado da Igreja foi incorporado ao Império francês. Pio VII respondeu lançando a excomunhão contra os usurpadores, a partir de Napoleão até o último executor das ordens imperiais. Em julho de 1809, Napoleão reagiu: o Papa foi preso e levado a Savona (ltália do Norte): os Cardeais também foram presos e vinte e seis deles foram transportados para Paris, a fim de ser mais rigorosamente controlados.Nova animosidade surgiu quando Napoleão quis separar-se de sua esposa, Josefina, estéril: alegava a nulidade do matrimônio por falta da forma canônica e do consentimento devido. Do ponto de vista canônico, o caso era de competência papal exclusiva, mas com base em decisão da Justiça francesa, Napoleão contraiu novas núpcias, com Maria Luísa da Áustria. Depois de Napoleão ter sido vencido e exilado para a ilha de Santa Helena, Pio VII aplicou-se à organização do Estado Pontifício, depredado pela guerra e a pilhagem dos franceses. Não conseguiu, porém, restituir tranquilidade à Itália, pois o regime pontifício tradicional apresentava-se como um obstáculo à unificação da península.Pio VII morreu em 1823, com 81 anos de idade, após um pontificado de mais de 23 anos.

http://cleofas.com.br/historia-da-igreja-pio-vii-e-napoleao-bonaparte/

Pois é. Assim eram os tempos quando Pereira e Sousa assim falava sobre a reconvenção:

Reconvenção é a ação proposta pelo réu contra o autor perante o mesmo juízo em que é demandado.

A lição permanece. Diz Eduardo Arruda Alvim que a reconvenção é uma ação dirigida pelo réu (reconvinte) contra o autor (reconvindo), no mesmo processo por este instaurado contra aquele. Trata-se de instituto que foi idealizado em atendimento ao princípio da economia processual, ensejando a tramitação e o julgamento conjunto de litígios conexos (Dir. Proc. Civil, 3. ed., p. 424).Diziam as Ordenações: A natureza da ação e reconvenção é que ambas andem igual passo, e ambas sejam determinadas numa sentença. (...) E quando se der sentença definitiva, primeiro será julgada a ação do autor, e logo a reconvenção do réu, em tal maneira, que a ação e reconvenção ambas sejam determinadas em um tempo e em uma sentença. (Livro III, Tít. XXXIII). A reconvenção é um instituto antigo. Em Roma, no período da cognitio extra ordinem (294 a 565 d.C.) recebeu tratamento próprio. A codificação justinianéia a previu com amplo espectro. O demandado podia agir contra o autor ao contestar a ação, mesmo inexistindo conexão entre as demandas. No direito canônico restou consolidado o instituto, sob o nome de reconventio. Foi contemplada nas Ordenações do Reino, no Regulamento 737, nas legislações estaduais e, a partir do Código de Processo Civil de 1939, na lei nacional. Atualmente é regulada pelos artigos 315 a 318 do Código vigente.

Podem regularmente reconvir todos aqueles que são hábeis para proporem em juízo as suas ações. E podem ser reconvindos todos os autores

A lição permanece. Observa Eduardo Arruda Alvim que legitimado ativo para propor a reconvenção é apenas o réu, sendo legitimado passivo apenas o autor. Há controvérsia sobre o cabimento de reconvenção no caso de litisconsórcio necessário, sustentando Barbosa Moreira a possibilidade de o reconvinte litisconsorciar-se com terceiro, ou de reconvir contra o autor e terceiro, no caso de litisconsórcio necessário. (Idem, ibidem, p. 427-8).

Tem lugar a reconvenção em todas as causas reais, ou pessoais exceto: I, as causas de apelação: II, as causas criminais: III nas de depósito, ou guarda: IV, nas de força: V, em todas as mais causas sumárias: VI, e nas executivas. VII, assim como nas que se tratam perante árbitros compromissários.

Lê-se nas Ordenações: Há tais ações, em que não cabe reconvenção, convém saber: convenção de esbulho, guarda e depósito, e acusação de feito crime (...): porque estas convenções são privilegiadas, para que não seja impedida a restituição da coisa esbulhada, ou posta em guarda e depósito, nem acusação de feito crime. (Livro III, Tit. XIII, 3).Na atualidade, ensina Eduardo Arruda Alvim que a reconvenção tem cabimento em qualquer espécie de ação de conhecimento, seja ela condenatória, constitutiva ou, ainda, meramente declaratória. Sustenta, contudo, o descabimento da reconvenção no procedimento sumario, por incompatibilidade com a sumariedade do rito (Id. Ibid. 431-2). Cabe, contudo, pedido contraposto, a teor do artigo 278, § 1o, do Código vigente, desde que fundado nos mesmos fatos referidos na inicial.Cabe reconvenção em ação de depósito (ALVIM, Arruda: ASSIS, Araken de &: ALVIM, Eduardo Arruda. Comentários, 2012, p. 902.Em ação possessória não cabe reconvenção, por se tratar de ação dúplice.Também não cabe reconvenção em ação de execução. Tampouco nos embargos ou na impugnação à execução.A reconvenção deve ser proposta no princípio da causa antes da litiscontestação ou logo antes dela antes que o autor faça a sua prova.

Diziam as Ordenações: ... se a reconvenção for começada depois da ação contestada, e o autor tiver dado sua prova, a reconvenção perderá sua natureza, quanto a esta parte, e não andará igual passo, mas cada uma fará seu curso (...) sem uma aguardar a outra. (Livro III, Tit. XXXIII, 1).Exige-se, na atualidade, que a reconvenção seja proposta simultaneamente com a contestação. Observa-se, porém, que, propondo o réu em separado a sua ação contra o autor, poderá haver a reunião dos processos por conexão, obtendo-se o mesmo resultado, isto é, tramitação conjunta das duas ações.

O fim da reconvenção é o mesmo da ação. Os seus efeitos são dois: sujeitar o autor à jurisdição do mesmo juiz a que é o réu é sujeito: II, andar igual passo com a ação.

Lê-se nas Ordenações: E se o réu quiser demandar o autor diante daquele juiz, perante quem é demandado, não poderá tal juiz ser recusado pelo autor, porque pois o ele já escolheu por juiz na primeira demanda, não é razão por que o possa recusar por maneira alguma. (Livro III, Tit. XXXIII, 3). Na atualidade, observa Eduardo Arruda Alvim que o juízo da ação principal é competente para processar a reconvenção, prorrogando-se a sua competência, se relativa. Não se prorroga, porém, a competência absoluta. Suponha-se, diz Eduardo Arruda Alvim, que a ação principal tramita em São Paulo: se a reconvenção envolver pedido de reivindicação de imóvel situado na comarca do Rio de Janeiro, haverá incompetência absoluta do juiz de São Paulo para apreciar a reconvenção, e tal pedido não poderá ser formulado em sede reconvencional, mas apenas em ação autônoma (Id. Ibid. p. 429).No Direito federal norte-americano, o instituto correspondente à reconvenção é a counterclaim, que pode ser obrigatória (compulsory counterclaim). O réu perde o direito, se deixa de reconvir com fundamento no mesmo negócio jurídico ou situação de fato alegado pelo autor [(Rule 13(a)(1)(A)].A palavra “reconvenção” faz-me lembrar aquela que foi a primeira ação que propus, juntamente com meu colega Júlio D’Agostini, na época tão ignorante quanto eu. Discutimos o nome a ser dado à ação e, depois de muito conversar, chegamos à conclusão de que devia se chamar “ação de indenização por inadimplemento de obrigação contratual”. Tive depois um choque, ao ver que o réu não só havia contestado a ação, mas havia também reconvindo, constatando, assim, pela primeira vez, que, no processo, pode-se ir buscar lã e sair tosquiado.Pois é. Retornemos ao ano de 1814. Nesse ano, o Papa Pio VII restaurava a Companhia de Jesus na Igreja Universal, convencido de que ela tinha missão a cumprir no século XIX.

BibliografiaALMEIDA, Fernando H. Mendes de. Ordenações Filipinas – Ordenações e leis do Reino de Portugal recopiladas por mandato Del Rei D. Filipe, o Primeiro. São Paulo: Saraiva, 1957.ALVIM, Arruda: ASSIS, Araken de: ALVIM, Eduardo Arruda. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: GZ, 2012.ALVIM, Eduardo Arruda. Direito Processual Civil. 3 . ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.SOUSA, Joaquim José Caetano Pereira e. Primeiras Linhas sobre o Processo Civil. Coimbra: Imprensa Literária, 1872.

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Editores: 
José Maria Tesheiner
(Prof. Dir. Proc. Civil PUC-RS Aposentado)

Mariângela Guerreiro Milhoranza da Rocha

Advogada e Professora Universitária

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