Episódio 63: Primeiras Linhas de Processo Civil. 20 - Da dilação
Texto:José Caetano Pereira e Sousa e José Tesheiner
Apresentação:Marcelo Bopp Tesheiner
Narração:José Tesheiner e Sophia Salerno Peres
Duração do episódio: 10 minutos e 43 segundos
Música:Julians Auftritt, de Christoph Pronegg, Klassik - Album 2008:Siciliana, de Schumann, por Marco Tezza
Edição de áudio:André Luís de Aguiar Tesheiner
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Comentários às Primeiras Linhas de José Joaquim Caetano Pereira e Sousa
Da dilação
Ao lermos e comentarmos as Primeiros Linhas de Joaquim José Pereira e Sousa, temos os olhos voltados para esse mundo algo utópico, límpido e sereno, que é o mundo do direito.
Mas como era, então, há dois séculos, a realidade dos fatos? Como era a justiça efetivamente prestada aqui no Brasil?Um vislumbre nada lisonjeiro encontra-se na obra do Auguste de Saint-Hilaire, naturalista que aqui permaneceu de 1816 a 1822.Em seu depoimento, ele afirma que os juízes ordinários eram ignorantes: venais ou despóticos, os juízes de fora. Estes, juízes letrados, eram em geral preferidos pelas populações, porque constituíam um mal menor.A justiça era prestada a portas fechadas e era corrupta.Os juízes de fora e os ouvidores tinham excesso de atribuições, porque participavam de diferentes órgãos, acumulando atividades judiciais e administrativas.Fazia falta uma consolidação das leis, o que levava a uma superposição de normas frequentemente contraditórias.A justiça era lenta e cara. Era, aliás, proverbial a lentidão da justiça.No crime, a impunidade era a regra. Menos de dez por cento dos criminosos era levada a julgamento e punida.A justiça, como os demais ramos da administração pública, estava defasada em relação às necessidades sociais.Esse o depoimento de Saint-Hilaire.Afastemo-nos depressa desse mundo sombrio da realidade e tornemos ao mundo diáfano das normas. Diz Pereira e Sousa:Dilação é o espaço concedido pela Lei, ou pelo Juiz para dentro dele se tratarem os autos judiciais.
Dilação era e é o prazo ou período de tempo, previsto em lei ou fixado pelo juiz, para a prática de um ato processual. Na atualidade, prescreve o artigo 177 do Código de Processo Civil: “Os atos processuais realizar-se-a?o nos prazos prescritos em lei. Quando esta for omissa, o juiz determinara? os prazos, tendo em conta a complexidade da causa”. Observa Arruda Alvim que, havendo um termo inicial e um termo final para a prática de um ato, conclui-se que, de regra, se não praticado nesse lapso temporal, não mais poderá ser praticado, ocorrendo, pois, preclusão. (p. 467)
Divide-se a dilação em citatória, deliberatória, e probatória. Citatória é a que contém o termo assinado ao réu para o seu comparecimento em juízo. Deliberatória é a que se concede a qualquer das partes para deliberar sobre os meios do seu direito, ou da sua defesa. Probatória é a que se concede para a produção das provas.
A dilação probatória era um período de tempo dentro do qual as partes podiam produzir as suas provas. Negar uma dilação era negar a própria prova. Assim, estabeleciam as Ordenações que, nos processos criminais, estando o réu preso, não se deferia ao acusador dilação para a produção de provas nas Índias, Ilhas de São Tomé, Cabo Verde e Príncipe e Reinos outros, salvo se lá houvesse ocorrido o delito, por parecer destinar-se o requerimento a manter o acusado por mais tempo na prisão. Pelo contrario, a dilação era deferida, para prova nessas terras, se requerida pelo preso. (Livro III, LIV, 14).Um eco da dilação citatória encontra-se no artigo 241 do Código vigente, ao estabelecer que o prazo para responder, quando por edital a citação, começa a correr finda da dilação assinada pelo juiz.Toda a dilação legal é peremptória, e não pode ser prorrogada pelo juiz.
O Código vigente dispõe ser defeso às partes, ainda que todas estejam de acordo, reduzir ou prorrogar os prazos peremptórios, podendo, porém, o juiz, nas comarcas onde for difícil o transporte, prorrogá-los até o máximo de 60 dias (art. 182).São peremptórios, entre outros, os prazos para responder à demanda, para recorrer e para contra-arrazoar (Marinoni &: Mitidiero, p. 207).A dilação probatória dá-se, ou para o lugar onde a causa se trata, ou para fora.
Na atualidade, dispõe o artigo 176 do Código de Processo Civil: “Os atos processuais realizam-se de ordina?rio na sede do jui?zo. Podem, todavia, efetuar-se em outro lugar, em raza?o de defere?ncia, de interesse da justic?a, ou de obsta?culo argu?ido pelo interessado e acolhido pelo juiz”.
Não corre dilação: I, enquanto pende disputa sobre a sua assinação: II, enquanto as partes não são citadas: III, enquanto o citado para depor não presta o seu depoimento.
Eram períodos, entre muitos outros, em que o processo ficava parado, à espera de um ato processual.O termo probatório é contínuo, e não se interrompe o seu curso com as férias supervenientes.
Observava, porém, o próprio Pereira e Sousa que as férias interrompiam o prazo para a produção de provas, se elas absorvessem a maior parte da dilação. Na atualidade, dispõe o artigo 178 do Código de Processo Civil: “O prazo, estabelecido pela lei ou pelo juiz, e? conti?nuo, na?o se interrompendo nos feriados”. Quanto as férias, estabelece que a superveniência delas suspende o curso do prazo, recomeçando o que sobejar a correr do primeiro dia útil seguinte ao termo das férias.São efeitos da dilação probatória: I, que ela é comum a ambas as partes: II, que pendente ela nada se pode inovar.
A proibição a que se refere o texto era referente à prática de atos processuais, exceto, claro, os pertinentes à própria dilação probatória.
São uma espécie de dilação as férias porque dentro delas se suspendem os atos judiciais: dizem-se férias os dias de vacação, ou suspensão dos negócios forenses.
Na atualidade, dispõe o artigo 173 do Código de Processo Civil que durante as férias e nos feriados não se praticam atos processuais, havendo porém exceções apontadas no próprio artigo 173.
As férias, ou são de direito divino, de ou direito humano: e estas se subdividem em ordinárias, e extraordinárias ou repentinas.
O natal e a páscoa eram as principais férias de direito divino. As principais férias de direito humano eram as vinculadas às colheitas e à vindima e aproveitavam mesmos àqueles que não tivessem herdades, ou vinhas. As repentinas eram determinados por um acontecimento feliz ou de luto público. (nota 403).Atualmente, a Constituição estabelece que a atividade jurisdicional deve ser ininterrupta, sendo vedado férias coletivas nos juízos e tribunais de segundo grau (EC 45/2004). Contudo, a Resolução n. 8 do Conselho Nacional de Justiça admite a suspensão do expediente forense e dos prazos processuais no período de 20 de dezembro a 6 de janeiro, o “recesso de natal”.
Os atos judiciais feitos dentro das férias divinas, ou das extraordinárias, ou repentinas, são nulos.
As férias repentinas ou extraordinárias eram igualadas às divinas, para efeitos processuais (nota 403).
Valem porém os atos judiciais feitos dentro das férias humanas ordinárias: I, havendo mutuo consentimento das partes: II, sendo as causas privilegiadas, e favorecidas por Direito.
Eram causas privilegiadas, entre outras, as ações de alimentos, as de estado, as de força nova, as de posse em nome do nascituro e as que pereceriam não sendo logo intentadas.O Código vigente estabelece que se processam durante as férias e não se suspendem pela superveniência delas os atos de jurisdic?a?o volunta?ria bem como os necessa?rios a? conservac?a?o de direitos, quando possam ser prejudicados pelo adiamento: as causas de alimentos provisionais, de dac?a?o ou remoc?a?o de tutores e curadores, bem como as submetidas ao procedimento sumario. Como se viu, esse tema dos prazos, que podem ser materiais ou processuais, não é dos mais interessantes. Contudo, é um dos mais importantes. Recordo-me de um processo trabalhista em que eu defendia o reclamado. Na contestação, aleguei prescrição, por haver a reclamatória sido proposta, segundo meus cálculos, um dia depois do termino do respectivo prazo. Na sentença, o juiz decretou a prescrição. O reclamante apelou. Nas contra-razões, argui a preliminar de intempestividade, porque apresentada um dia depois do termino do respectivo prazo. Fim. Não houve mais o que fazer.Pois é, o tempo transcorrendo, no dia 15 de julho de 1817 chegava ao Brasil a arquiduquesa Leopoldina da Áustria, para casar com o príncipe regente Pedro de Alcântara, futuro Imperador do Brasil D. Pedro I. Com ela vieram cientistas, botânicos, zoólogos e artistas europeus, formando a chamada Missão Austríaca.BibliografiaALMEIDA, Fernando H. Mendes de. Ordenações Filipinas – Ordenações e leis do Reino de Portugal recopiladas por mandato Del Rei D. Filipe, o Primeiro. São Paulo: Saraiva, 1957.ALVIM, Eduardo Arruda. Direito Processual Civil. 3 . ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.MARINONI, Luiz Guilherme &: MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil comentado artigo por artigo. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.SOUSA, Joaquim José Caetano Pereira e. Primeiras Linhas sobre o Processo Civil. Coimbra: Imprensa Literária, 1872.WEHLING, Arno &: WEHLING, Maria José. Direito e Justiça no Brasil colonial. Rio de Janeiro: Renovar 2004. p. 114 e ss