Episódio 01: Sentença arbitral estrangeira - Exigência de desistência de ação proposta no Brasil (2)

Texto: José Tesheiner
Narração: José Tesheiner, Mauricio Krieger e Juliano Gianechini Fernandes
Música: '@HereIPop' de I Forgot: 'Epilogue', de Dee Yan-Key
Edição de áudio: André Luís de Aguiar Tesheiner

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Pode ser homologada sentença estrangeira determinando que o autor desista de ação proposta no Brasil?

GEMS IT é uma empresa de Wisconsin que fabrica e distribui equipamento médico: Tecnimed é uma empresa brasileira que comercializa e vende equipamento médico, e distribui os produtos da GEMS IT no Brasil desde 1995.Em 1999, a Tecnimed e a GEMS IT assinaram dois contratos para reger seu relacionamento, um contrato de Vendas e Serviços e um Contrato de Distribuição (coletivamente, 'Contratos'). Cada Contrato continha uma cláusula de arbitragem. No início de 2001, surgiram as controvérsias. De acordo com a GEMS IT, a Tecnimed devia aproximadamente $1,2 milhões em faturas não pagas: de acordo com a Tecnimed, a GEMS IT vendera produtos diretamente no mercado brasileiro, violando licenças concedidas à Tecnimed. Em 18 de março de 2002, após negociações infrutíferas, a GEMS IT notificou a Tecnimed, dando início ao processo de arbitragem previsto nos Contratos. Dez dias mais tarde, a Tecnimed informou a GEMS IT que havia proposto uma ação judicial na Décima Vara Cível de Porto Alegre, Brasil.Em 22 de abril de 2002, a GEMS IT deu entrada a uma notificação e a uma solicitação de arbitragem na Comissão Interamericana de Arbitragem Comercial. Após outras negociações infrutíferas, a Tecnimed disse à Comissão Interamericana de Arbitragem Comercial que ela carecia de competência para processar as reivindicações da GEMS IT, e que a Tecnimed não participaria da arbitragem. A Comissão Interamericana de Arbitragem Comercial, entretanto, designou um painel, formado por um árbitro do Brasil, um dos Estados Unidos e outro do Canadá.Em 23 de maio de 2002, a Tecnimed ajuizou sua ação em Porto Alegre, qualificando como Rés a GEMS IT e a GE Brasil. A GEMS IT respondeu à ação em Porto Alegre e registrou uma Petição inicial no painel arbitral da Comissão Interamericana de Arbitragem Comercial. Em resposta, a Tecnimed ajuizou uma petição no tribunal do Estado de Nova Iorque buscando a suspensão permanente da arbitragem ('ação de Nova Iorque'). A GEMS IT transferiu a petição para o Tribunal Distrital Federal do Distrito Sul de Nova Iorque com pedidos de imposição de arbitragem e de uma medida cautelar obstativa de ação judicial em Porto Alegre.Em abril de 2003 (enquanto a petição da Tecnimed de suspensão de arbitragem aguardava julgamento no tribunal distrital), a Comissão Interamericana de Arbitragem Comercial rejeitou a oposição da Tecnimed à competência arbitral, decidindo que as cláusulas de arbitragem eram válidas e vinculantes: que as reivindicações que a GEMS-IT lhe havia enquadravam-se no escopo das cláusulas de arbitragem, assim como as reivindicações que a Tecnimed estava ajuizando em Porto Alegre: e que ela apreciaria as questões do Processo de Porto Alegre quando julgasse necessário.Em 4 de junho de 2003, o tribunal distrital decidiu que as cláusulas de arbitragem eram válidas e que todas as reivindicações da GEMS IT, bem como todas as reivindicações da Tecnimed ajuizadas no Processo de Porto Alegre, eram arbitráveis. O tribunal, então, deferiu o pedido de imposição de arbitragem da GEMS IT, indeferiu o pedido de suspensão da Tecnimed, concedeu medida cautelar obstativa de ação judicial e ordenou à Tecnimed que 'imediatamente tomasse todas as medidas necessárias para arquivar o Processo de Porto Alegre'. A Tecnimed limitou-se a pedir a suspensão do processo de Porto Alegre, pelo prazo seis meses, motivo por que o Tribunal de Nova York impôs à Tecnimede e a seu diretor Paulo Werlang multa em favor da GEMS ITde $1.000 por dia até 3 de setembro de 2003 e $5.000 por dia depois dessa data até que a Tecnimed cumprisse integralmente as ordens do tribunal.Posteriormente, retomando o seu curso o processo de Porto Alegre, nele foi proferida sentença declarando a invalidade da cláusula arbitral nos referidos contratos, por se tratar de contratos de adesão. A sentença foi confirmada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul e mantida pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Supremo Tribunal Federal.Em 3/3/2005, a GEMS IT requereu em face da Tecnimed e de Paulo Werlang, a homologação das decisões da Justiça norte-americana.No julgamento, o Ministro Massami Uyeda, Relator, votou pelo indeferimento do pedido de homologação, dizendo: As sentenças estrangeiras submetidas à homologação deste Superior Tribunal de Justiça, em síntese, declaram a validade do procedimento de arbitragem instaurado nos Estados Unidos da América e condenam os ora requeridos, TECNIMED e PAULO IRAN FAGUNDES WERLANG às sanções civis e criminais, além de pena de multa, por não terem providenciado o arquivamento do processo em curso do Brasil.... curial aferir se o comando judicial estrangeiro, de alguma forma, afronta a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes.Nesse jaez, deve-se perscrutar se a sentença judicial estrangeira que declara a validade do procedimento de arbitragem instaurada nos Estados Unidos da América pode ser homologada por este Superior Tribunal de Justiça, a despeito de, no Brasil, haver decisão judicial declarando, ao contrário, justamente a invalidade do referido procedimento de arbitragem. Deve-se perquirir, portanto, se a homologação da decisão estrangeira, com comando diametralmente oposto ao daquele exarado em decisão judicial de Tribunal pátrio, confronta a soberania nacional. A resposta para esta última indagação é desenganadamente positiva. A homologação de sentença estrangeira, nessa circunstância, afronta, sim, a soberania nacional. Isso porque a decisão judicial, qualquer que seja a fase processual em que ela tenha sido prolatada, emana do poder jurisdicional do Estado, como reflexo da soberania por ele exercida. Veja-se, assim, que a questão nestes termos posta, prescinde, inclusive, de se analisar se a decisão exarada pela Justiça Brasileira transitou ou não em julgado.Veja-se, assim, não assistir razão à ora requerente, GEMS IT, quando afirma, para justificar a urgência do presente julgamento em seus pedidos de preferência, que deverá prevalecer, para efeito do presente pedido de homologação, o que transitar em julgado em primeiro lugar, se a ação de declaração de nulidade da arbitragem em trâmite no Brasil ou se a presente homologação. (...) :... afirmar que somente com o trânsito em julgado da sentença que declara a nulidade da cláusula de arbitragem em trâmite no Brasil é que se poderia reconhecer a inviabilidade de se homologar a sentença estrangeira que, ao contrário, a reputa válida (e não simplesmente com a existência de uma decisão exarada pela Justiça brasileira nesse sentido, tal como ora se propõe), seria o mesmo que incentivar àquele que pretende a homologação a utilizar os recursos cabíveis e incabíveis para postergar, ao máximo, o trânsito em julgado da decisão que lhe é desfavorável.Na espécie, o proceder protelatório por parte da ora requerente, GEMS IT, restou evidenciado, tendo sido, inclusive, apenada com multa pela c. Corte Excelsa. : (...)... atendo-se tão-somente ao momento atual, tem-se por inviável proceder-se à homologação de decisão estrangeira que se contrapõe peremptoriamente ao comando de uma decisão proferida pela Justiça brasileira (no caso dos autos, reafirmada pelos Tribunais Superiores deste País), sob pena de inequívoca afronta à soberania do Estado.Como assinalado, as sentenças estrangeiras submetidas à homologação deste Superior Tribunal de Justiça ainda condenam os ora requeridos, PARAMEDICS ELETROMEDICINA COMERCIAL LTDA. (TECNIMED), e PAULO IRAN FAGUNDES WERLANG às sanções civis e criminais, além de pena de multa, por não terem providenciado o arquivamento do processo em curso do Brasil.Nesse contexto, impõe-se aferir se a sentença estrangeira que comina sanções civis e criminais, além de pena de multa, pelo fato de a parte adversa TECNIMED), e PAULO IRAN FAGUNDES WERLANG não ter desistido da ação promovida no Brasil, destinada a reconhecer a nulidade do compromisso de arbitragem, fere ou não a soberania nacional.Por coerência ao que até aqui se decidiu, é de se assinalar que o exercício do direito de demanda, como garantia individual que é, tem assento constitucional, não se revelando possível, por isso, homologar sentença estrangeira que simplesmente determina a renuncia de tal direito exercido no Brasil e comina, em razão do descumprimento de determinação que se tem por ilegítima, sanções de natureza cível e criminal - esta absolutamente descabida -, além de pena de multa.Nesse jaez, um esclarecimento revela-se fundamental.A existência de cláusula compromissória, de forma alguma, malfere a ordem pública ou os bons costumes, tampouco infirma o princípio da inafastabilidade da jurisdição. Isso porque se as partes elegem a arbitragem como forma de deslinde de controvérsias oriundas dos contratos por elas entabulados, é certo que voluntariamente renunciaram à Jurisdição Estatal.De fato, nesse contexto, as partes não podem ingressar no Judiciário para solver os litígios que provierem dos contratos firmados entre as partes, quais sejam, o Contrato Internacional de Distribuição e o Contrato Internacional de Vendas e Serviços, já que, para tais hipóteses, elegeram a Comissão Interamericana de Arbitragem (Inter-American Commercial Arbitration Comission - IACAC).Ressalte-se, entretanto, que esta não é a hipótese dos autos.Na espécie, TECNIMED e PAULO IRAN FAGUNDES WERLANG ingressaram no Poder Judiciário do Brasil e no Poder Judiciário dos Estados Unidos da América, não para solver os litígios oriundos dos contratos entabulado entre as partes, repisa-se, mas sim para discutir a validade da própria cláusula compromissória, pretensão é certo que não se pode esquivar do Poder Judiciário, na medida em que as decisões emanadas do Juízo arbitral não são imunes ao controle de legalidade do Poder Judiciário quanto aos aspectos formais, especialmente quanto à sua eleição, propriamente.O Ministro Sidnei Beneti votou pela homologação em parte, isto é, no que diz respeito ao reconhecimento da validade da cláusula arbitral, afirmada pela Justiça estrangeira, mas não no que diz respeito à imposição de desistência da ação em curso no Brasil e da correspondente sanção. Disse:Externado o maior respeito pelo cuidadoso voto proferido pelo E. Min. MASSAMI UYEDA, meu voto diverge e homologa em parte a sentença estrangeira, revivendo a conclusão do voto, inicialmente oferecido, mas retirado para aguardo, do anterior Relator, : o : E. Min. LUIZ FUX.O desfecho do presente processo é relevante para a credibilidade de cláusulas de arbitragem constantes de contratos celebrados por partes contratantes brasileiras no exterior. Evidente que, a prevalecer a faculdade de bloqueio, via judicial nacional, da realização da arbitragem por entidade arbitral do exterior, : contratualmente avençada, estará aberta a porta para a judicialização, perante a Justiça estatal brasileira, de todo e qualquer processo de que conste cláusula arbitral – e isso “ad proprium nutum” de um dos contratantes, que, ainda que não tenha sucesso no processo no Brasil, ao menos terá tido o poder de, pelo só ajuizamento, impor majestosa procrastinação da controvérsia, que devia ter sido composta pela via célere da arbitragem – prejudicando-se, como consequência, a igualdade entre as partes contratantes. :O reflexo assume relevo não só para a credibilidade da celebração de cláusulas arbitrais por contratantes nacionais, mas também para o próprio comércio nacional do país.(...)8.- O caso presente lida ao menos com dois dados absolutamente objetivos e irrecusáveis.(...)9.- Primeiro.- Coerentemente em prol da homologação, tem-se a anterioridade do trânsito em julgado das sentenças homologandas.(...)10.- Segundo.- Ainda em favor da homologação da sentença estrangeira em exame, deve-se considerar que, afinal de contas, o caso remonta a prévio início de arbitragem, a pedido da ora requerente, anteriormente ao ajuizamento das ações estatais pela parte ora requerida visando a eximir-se da submissão à arbitragem.(...)11.- Terceiro.- Remontando o caso a Tribunal Arbitral instaurado no exterior, a que não compareceu a contestante, deve-se observar que se trata de celebração estrangeira de arbitragem, : pactuada em contrato celebrado no exterior, de acordo com a legislação estrangeira, o que já dispõe, a princípio, suficientemente, : para a consequência da preservação da arbitragem.(...)12.- Quarto.- A negação de homologação de sentença arbitral proferida há tempos em Estado estrangeiro (relativa a contrato celebrado no mesmo Estado estrangeiro, com anotação expressa de regência pelas leis de aludido Estado), sob o fundamento de haver ocorrido a anulação da cláusula arbitral por sentença proferida no Brasil, : significaria a abertura de largo caminho para a procrastinação da arbitragem avençada, por parte de contratantes nacionais no exterior.(...)13.- Quinto.- : Não há empecilho no julgamento brasileiro à homologação porque fundados, os julgamentos estrangeiro e nacional em motivos técnico-jurídicos diversos, ou seja, o primeiro na validade da cláusula arbitral ante os termos da legislação norte-americana, para contrato celebrado nos Estados Unidos, sem a consideração de restrições existentes no sistema jurídico brasileiro, e o segundo fundado em exigências formais de cláusula em contrato de adesão, típicas da legislação nacional. (...)14.- Sexto.- Volte-se a recordar que, no caso, tem-se discussão a respeito de arbitragem anteriormente ajuizada no exterior – a que a ora Requerida não acorreu, omitindo-se de sustentar seus argumentos em detrimento da cláusula arbitral : (não importando eventual alegação de que não teria recebido convocação para ela, porque, evidentemente, dela tinha conhecimento, inclusive ante os ajuizamentos formais no Brasil e no exterior).(...)15.- Sétimo.- O invocado obstáculo da ordem pública, sob a alegação de ofensa à soberania nacional da coisa julgada, não incide no caso – que é novo, bem diferente de outras pretensões de homologação de sentenças estrangeiras obstaculizadas pela ofensa à soberania nacional.Com efeito, : lembra CLÁUDIA HILL, que a extensão do conceito de soberania nacional já se modernizou, inclusive diante das relações de globalização, de modo que não pode antagonizar-se ao direito processual internacional:(...)16.- Uma disposição, contudo, das presentes sentenças estrangeiras, não pode ser homologada. É a relativo à determinação, constante da Medida Cautelar julgada no exterior, ordenando que a contestante desistisse da ação em andamento no Brasil, sob pena de responsabilização criminal.Essa determinação claramente encontra obstáculo no princípio do acesso à Justiça, que é cláusula pétrea da Constituição Brasileira (CF, art. 5º, XXXV), de maneira que nessa parte deve-se recusar a homologação. :Prevaleceu o voto do Ministro Sidnei Beneti, vencido o Relator.Houve unanimidade, porém, no que diz respeito à impossibilidade de se homologar sentença estrangeira, na parte em que determine que o autor desista de ação proposta no Brasil.

(STJ, Corte Especial, SEC 859, Min. Sidnei Beneti, redator do acórdão, j. 21/08/2013).

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Editores: 
José Maria Tesheiner
(Prof. Dir. Proc. Civil PUC-RS Aposentado)

Mariângela Guerreiro Milhoranza da Rocha

Advogada e Professora Universitária

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