Episódio 03: Prova ilícita - Apreensão ilegal de documentos
Texto: | José Tesheiner | |
Narração: | José Tesheiner e Lessandra Gauer | |
Apresentação: | Bruno e Júlio Tesheiner | |
Duração: | 6 minutos e 46 segundos | |
Música: | '@HereIPop' de I Forgot: 'Epilogue', de Dee Yan-Key | |
Edição de áudio: | André Luís de Aguiar Tesheiner |
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É legítima ação penal baseada em investigação decorrente de apreensão ilegal de documentos?
Sem autorização judicial, a polícia apreendeu documentos, em um escritório de contabilidade, os quais serviram de pista para uma outra investigação, de que resultou uma ação penal por crime contra a ordem tributária e formação de quadrilha.
O Superior Tribunal de Justiça negou habeas-corpus para o trancamento da ação penal, dizendo que o simples fato de uma investigação ter sido desencadeada em virtude de apreensão de documento indiciária de prática delitiva, em diligência que resultou na instauração de outra ação penal, a qual, em tese foi realizada sem autorização judicial, não é suficiente, por si só, para tornar nulo o processo instaurado.
O Supremo Tribunal Federal, porém, concedeu habeas-corpus, dizendo:
A transgressão, pelo Poder Público, ainda que em sede de fiscalização tributária, das restrições e garantias constitucionalmente estabelecidas em favor dos contribuintes (e de terceiros) culmina por gerar a ilicitude da prova eventualmente obtida no curso das diligências estatais, o que provoca, como direta conseqüência desse gesto de infidelidade às limitações impostas pela Lei Fundamental, a própria inadmissibilidade processual dos elementos probatórios assim coligidos.
(...)
Cabe referir, neste ponto, o magistério de Ada Pellegrini Grinover, para quem – tratando-se de prova ilícita, especialmente daquela cuja produção derivar de ofensa a cláusulas de ordem constitucional, não se revelará aceitável, para o efeito de sua admissibilidade, a invocação do critério de razoabilidade do direito norte-americano, que corresponde ao princípio da proporcionalidade do direito germânico, mostrando-se indiferente a indagação sobre quem praticou o ato ilícito de que se originou o dado probatório questionado.
(...)
Nem se diga, como o fez o E. Superior Tribunal de Justiça, que a prova penal ulteriormente colhida, ainda que resultante de ilicitude originária, apresentar-se-ia válida.
Na realidade, o defeito inquinador da validade jurídica da prova penal em questão, surgido com desrespeito à garantia constitucional da inviolabilidade domiciliar, projetou-se, com evidente repercussão causal, sobre os demais elementos probatórios, que, não obstante produzidos, em momento superveniente, de modo (aparentemente) legítimo, achavam-se contaminados pelo vicio da ilicitude de origem, não havendo que se cogitar, desse modo, na espécie, da existência de fontes autônomas de revelação da prova e que, sem qualquer relação causal com a prova originariamente ilícita, pudessem dar suporte independente e legitimador à formulação de um juízo condenatório.
(...)
A ilicitude originária da prova, nesse particular cont4exto, transmitiu-se, por repercussão, a outros dados probatórios que nela se apoiaram, ou que dela derivaram, ou que nela encontraram o seu fundamento causal.
(...)
Esse entendimento (...) constitui a expressão mesma da teoria dos frutos da árvore contaminada (fruits of the poisonous tree), firmada e desenvolvida na prática jurisprudencial da Suprema Corte dos Estados Unidos da America).
(...)
Não se desconhece (...) que, tratando-se de elementos probatórios absolutamente desvinculados da prova originariamente ilícita, com esta não mantendo qualquer relação de dependência, revelando-se, ao contrario, impregnados de plena autonomia, não se aplica, quanto a eles, a doutrina da ilicitude por derivação.
Na ementa do acórdão consignou-se mais o seguinte:
Para os fins da proteção jurídica a que se refere o artigo 5o, XI, da Constituição da República, o conceito normativo de “casa” revela-se abrangente e, por estender-se a qualquer compartimente privado não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade, compreende, observada essa específica limitação espacial (área interna não acessível ao público), os escritórios profissionais, inclusive os de contabilidade.
(...)
A doutrina da ilicitude por derivação (teoria dos frutos da árvore envenenada) repudia, por constitucionalmente inadmissíveis, os meios probatórios, que, não obstante produzidos validamente, em momento ulterior, acham-se afetados, no entanto, pelo vicio (gravíssimo) da ilicitude originária, que a eles se transmite, contaminando-os, por efeito de repercussão causal.
(...)
Revelam-se inadmissíveis, desse modo, em decorrência da ilicitude por derivação, os elementos probatórios a que os órgãos estatais somente tiveram acesso em razão da prova originariamente ilícita, obtida como resultado da transgressão, por agentes públicos, de direitos e garantias constitucionais e legais, cuja eficácia condicionante, no plano do ordenamento positivo brasileiro, traduz significativa limitação de ordem jurídica ao poder do Estado em face dos cidadãos.
Se, no entanto, o órgão da persecução penal demonstrar que obteve, legitimamente, novos elementos de informação a partir de uma fonte autônoma de prova – que não guarde qualquer relação de dependência nem decorra da prova originariamente ilícita, com esta não mantendo vinculação causal, tais dados probatórios revelar-se-ão plenamente admissíveis, porque não contaminados pela mácula da ilicitude originária.
(STF, 2a. Turma, HC 93050, Min. Celso de Mello, rel., j. 10/06/2008)
Restou, pois, estabelecido que não é legítima ação penal baseada em investigação decorrente de apreensão ilegal de documentos.
Comentário
A meu ver, essa doutrina, da ilicitude por derivação, adotada de modo absoluto, independentemente de qualquer consideração atinente à razoabilidade ou à proporcionalidade, implica notável complacência com o crime e desprezo pela verdade.