Episódio 04: Assalto em shopping center. Responsabilidade civil.

Texto: José Tesheiner
Narração:

José Tesheiner, : Lessandra Gauer e Felipe Ferraro :

Apresentação: Bruno e Júlio Tesheiner
Duração: 11 minutos e 15 segundos
Música: '@HereIPop' de I Forgot: 'Epilogue', de Dee Yan-Key
Edição de áudio: André Luís de Aguiar Tesheiner

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Responsabilidade civil - Assalto em shopping center

Valéria Maria Simões da Silva deixou seu veículo (Polo cor preta,) no estacionamento do Manaíra Shopping, com a finalidade de ir ao cinema, acompanhada de seu filho Giovanni Simões de Medeiros e de seu namorado, Venâncio Viana de Medeiros Filho. Ato contínuo, ao terminar a sessão do filme, a demandante juntamente com seus acompanhantes dirigiram-se para o estacionamento.

No momento em que passavam pelo leitor óptico do estacionamento que dá acesso para a Glacê Recepções, foram abordados por três indivíduos (dois deles armados) anunciando um assalto e determinando que os ocupantes do veículo saíssem do mesmo. Agindo de forma reflexa, o Sr. Venâncio Viana engatou marcha-ré visando sair da mira dos elementos, conseguindo evadir-se do local indo em direção a outro setor do estacionamento.'

Em face do ocorrido, Valéria propôs ação com pedido de indenização por danos materiais e morais contra Manaira Administradora de Bens Ltda., rejeitado pelo juiz de 1o grau.

O Tribunal de Justiça da Paraíba deu provimento à apelação da autora, dizendo:

No caso específico, o estacionamento pago é procurado pelos consumidores justamente pela promessa de segurança, mesmo porque nos dias atuais o alto índice de violência quase que obriga o consumidor a pagar para estacionar seu veiculo, : esperando, no mínimo, conforto e segurança. :

Nos termos do aludido entendimento, tem-se a Súmula n° 130 do STJ:

'A empresa responde, perante o cliente, pela reparação de dano ou furto de veículo ocorridos em seu estacionamento'. :

Dessa maneira, sendo de consumo a relação jurídica existente entre as partes, a responsabilidade civil averiguada no caso é objetiva, pois a empresa tem obrigação de prestar seus serviços com eficiência. É o que rege o art. 14 do Código de Defesa do Consumidor

A Ré interpôs recurso especial.

A Relatora, Ministra Maria Isabel Galotti votou pelo provimento do recurso, dizendo:

Cinge-se a controvérsia em saber se a administradora do Manaíra Shopping, ora recorrente, possui o dever de indenizar a título de dano moral em razão da tentativa de roubo ocorrida em uma das saídas do estacionamento do centro comercial, não tendo o episódio acarretado dano material precisamente porque a vítima conseguiu evitar a consumação do crime dando marcha-ré para dentro do estacionamento.

(...)

A autora alega na inicial que o vigilante que se encontrava no local, próximo à cancela de saída de veículos, estava desarmado, tendo corrido de seu posto no momento do assalto. A sentença de improcedência do pedido, baseando-se nos depoimentos colhidos na fase de instrução, considerou provado que o vigilante nunca correu, sempre esteve presente em seu posto, e que o crime não se consumou 'não só em virtude de o acompanhante da autora ter dado marcha a ré em seu veículo, mas antes de tudo face à presença do vigilante da empresa ré, o que fez com que os meliantes se evadissem do distrito da culpa'. O acórdão reconheceu que assertiva de que o vigilante correu no momento da tentativa de roubo foi extraída apenas da versão da vítima (cf. acórdão nos embargos de declaração), mas entendeu não merecerem crédito as testemunhas ouvidas a requerimento do réu, por se tratar de empregados seus e, portanto, 'haveria uma certa parcialidade em seus testemunhos'.

Diversamente do entendimento do acórdão recorrido, não considero que os fatos nele descritos evidenciem falha no serviço prestado pelo shopping.

Com efeito, a presença de segurança na saída do estacionamento - fato incontroverso - não evitaria o anúncio da tentativa de assalto armado. A alegada fuga do vigilante, fato que o próprio acórdão esclarece não ter sido provado, não interferiu em nada com o desenrolar dos acontecimentos, pois o condutor, em ato reflexo, deu marcha-ré e protegeu-se precisamente retornando ao interior do estacionamento. Se assim agiu foi porque considerou ser o estacionamento do centro comercial mais seguro do que a via pública, o que também é corroborado pela circunstância, também incontroversa, de os meliantes haverem se evadido sem perseguir a vítima dentro do estacionamento.

Por outro lado, não houve dano ou furto do veículo, donde a inaplicabilidade da Súmula 130?STJ, cujos precedentes foram todos tomados do julgamento de casos em que se postulou indenização por dano material sofrido em razão de dano ou furto de veículo confiado a guarda de empresa responsável por estacionamento.

Quanto ao alegado dano moral, observo que a vítima não ficou em poder dos assaltantes durante tempo algum, pois o condutor do veículo conseguiu retornar imediatamente para o interior do estacionamento do shopping, tendo os criminosos desistido de prosseguir com o assalto, certamente em virtude da segurança do estacionamento.

Considero, portanto, que, no caso dos autos, diversamente do ocorrido em outros precedentes já apreciados por este Tribunal, a situação experimentada pela recorrida não passou de um grande susto, não tendo sido feita refém, nem sofrido lesão corporal alguma, nem passado por constrangimentos, humilhações ou vexames. No caso, o susto, o dissabor não consubstanciam, a meu sentir, intenso abalo psicológico capaz de causar aflições ou angústias extremas passíveis de indenização por dano moral.

O mero dissabor não consubstancia dano moral indenizável.

O Ministro Luis Felipe Salomão divergiu, dizendo:

 :(...)

A empresa que fornece estacionamento aos veículos de seus clientes responde objetivamente pelos furtos, roubos e latrocínios ocorridos no seu interior, uma vez que, em troca dos benefícios financeiros indiretos decorrentes desse acréscimo de conforto aos consumidores, o estabelecimento assume o dever - implícito em qualquer relação contratual - de lealdade e segurança, como aplicação concreta do princípio da confiança.

Equivale dizer, é a incidência dos princípios gerais da boa-fé objetiva e da função social do contrato na compreensão da responsabilidade civil dos estabelecimentos comerciais, incumbindo ao fornecedor do serviço e responsável pelo local de estacionamento o dever de proteger a pessoa e os bens do usuário.

A par disso, a Súmula 130 do STJ cimentou que 'a empresa responde, perante o cliente, pela reparação de dano ou furto de veículo ocorrido em seu estacionamento'.

 :(...) :

Notadamente após sua edição, é bem de ver que o Código de Defesa do Consumidor enfatizou o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor e a necessidade de que o Estado atue no mercado para minimizar essa hipossuficiência, garantindo, assim, a igualdade material entre as partes.

Sob essa ótica, não se vislumbra a possibilidade de se emprestar à referida Súmula uma interpretação restritiva, fechando-se os olhos à situação dos autos, em que configurada efetivamente a falha do serviço - quer pela ausência de provas quanto à segurança do estacionamento, quer pela ocorrência do evento dentro das instalações do shopping.

 :(...)

Assim, evidencia-se a responsabilidade civil objetiva do shopping center, nos termos do art. 14 do CDC:

(...)

Ainda que não haja falar em dano material advindo do evento fatídico, porquanto não se consumou o roubo, é certo que a aflição e o sofrimento da recorrida não se encaixam no que se denomina de aborrecimento cotidiano, mormente tendo em vista que se encontrava acompanhada do filho menor, temendo pela sua integridade física.

De fato, trata-se de ameaça à vida sob a mira de arma de fogo - não apenas da recorrida, mas também de seus entes queridos (marido e filho menor) - o que, definitivamente, afasta-se sobremaneira do mero dissabor, sendo certo que o fato danoso se insere na categoria de fortuito interno, uma vez que estreitamente vinculado ao risco do próprio serviço.

Assim, adota-se, como mais consentânea com os princípios norteadores do direito do consumidor, interpretação no sentido de que os danos indenizáveis não se resumem tão somente aos danos materiais decorrentes do efetivo dano, roubo ou furto do veículo estacionado nas dependências do estabelecimento comercial: ao revés, estendem-se também aos danos morais decorrentes da conduta ilícita do terceiro.

E, por óbvio, a caracterização do dano moral não se encontra vinculada à ocorrência do dano material, razão pela qual é possível exsurgir da tentativa de roubo à mão armada, independentemente da existência de lesão a um bem corpóreo.

É que não há equiparação possível entre o dano patrimonial e o dano moral.

(...)

A indenização foi bem fixada em R$ 8.000,00 (oito mil reais), nada há a ser alterado neste particular, diante das circunstâncias do caso concreto.

Ante o exposto, observada sempre a devida vênia, ouso divergir da culta relatora para negar provimento ao recurso especial.

E esse foi o voto que prevaleceu.

A Quarta Turma, por maioria, negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Ministro Luis Felipe Salomão, vencidos a Relatora e o Ministro Marco Buzzi. Brasília, 21 de novembro de 2.013.

Concluiu-se, pois, que a vítima de tentativa de roubo em shopping center tem direito a indenização, ainda que tudo não tenha passado de um grande susto.

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Editores: 
José Maria Tesheiner
(Prof. Dir. Proc. Civil PUC-RS Aposentado)

Mariângela Guerreiro Milhoranza da Rocha

Advogada e Professora Universitária

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Excelência em conteúdo jurídico desde o ano de 2000 | ISSN 1981-1578