Episódio 05: Diligência não autorizada em quarto de hotel - Prova ilícita?

Texto: José Tesheiner
Narração:

José Tesheiner, : Lessandra Gauer e Felipe Ferraro

Apresentação: Bruno e Júlio Tesheiner
Duração: 8 minutos e 26 segundos
Música: '@HereIPop' de I Forgot: 'Epilogue', de Dee Yan-Key
Edição de áudio: André Luís de Aguiar Tesheiner

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Diligência não autorizada em quarto de hotel – Prova ilícita?

Sérgio Augusto ... foi condenado à pena de 10 anos de reclusão, em regime inicial fechado, pela prática dos crimes de estelionato e de falsificação de documento particular, por ter-se dado à prática de clonagem de cartões de crédito.

A prova desses fatos delituosos decorreu de diligência da policia, que apreendeu, em quarto de hotel, utilizado apenas para a prática de suas atividades ilícitas, maquinário por ele utilizado e cartões falsos.

Ele impetrou habeas corpus ao Superior Tribunal de Justiça, argumentando com a ilicitude da prova coligida, porque a diligência policial fora efetuada sem mandado judicial e no interior de quarto de hotel por ele ocupado.

Dessa decisão, denegatória, ele interpôs recurso ordinário para o Supremo Tribunal Federal.

Em seu voto, disse o Ministro Celso de Mello:

A circunstância de a policia judiciária achar-se investida de poderes excepcionais que lhe permitem investigar eventuais práticas delituosas não a exonera do dever de observar, para efeito do correto desempenho de tais prerrogativas, os limites impostos pela Constituição e pelas leis da República, sob pena de esses órgãos incidirem em frontal desrespeito às garantias constitucionalmente asseguradas aos cidadãos em geral.

(...)

... a atividade probatória do Poder Público, no caso, decorreu de procedimento de agentes estatais que infringiram, porque desvestidos de qualquer autorização judicial, a proteção constitucional dispensada ao domicílio, cuja noção conceitual – que é ampla – estende-se, dentre outros espaços privados, a aposento ocupado de habitação coletiva, como um simples quarto de hotel, por exemplo.

(...)

É imperioso (...) que as autoridades e agentes do Estado não desconheçam que a proteção constitucional ao domicílio que emerge, cm inquestionável nitidez, da regra inscrita no art. 5, XI, da Carta Política – que tem por fundamento norma revestida do mais elevado grau de positividade jurídica, que proclama, a propósito do tema em análise, que “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”.

(...)

Sendo assim, (...), é preciso advertir – e advertir sempre – que nem a Policia Judiciária, nem o Ministério Público, nem a administração tributária, nem quaisquer outros agentes públicos podem ingressar em domicílio alheio, sem ordem judicial, ou sem o consentimento de seu titular, ou, ainda, fora das hipóteses autorizadas pelo texto constitucional, com o objetivo de proceder a qualquer tipo de diligência, como a execução de busca e apreensão domiciliar (sem mandado judicial), tal como ocorrido, de modo inteiramente ilegítimo, na espécie em exame.

A essencialidade da ordem judicial, para efeito de realização de qualquer diligência de caráter probatório, em área juridicamente compreendida no conceito de domicílio, nada mais representa senão a plena concretização da garantia constitucional pertinente à inviolabilidade domiiciliar.

(...)

A cláusula constitucional do “due process of Law” – que se destina a garantir a pessoa do acusado contra ações eventualmente abusivas do Poder Público – tem, no dogma da inadmissibilidade das provas ilícitas, uma de suas projeções concretizadoras mais expressivas, na medida em que o réu (contra quem jamais se presume provada qualquer alusão penal) tem o impostergável direito de não ser denunciado, de não ser julgado e de não ser condenado com apoio em elementos instrutórios obtidos ou produzidos de forma incompatível com os limites impostos, pelo ordenamento jurídico, ao poder persecutório e ao poder investigatório do Estado.

A absoluta nulidade da prova ilícita qualifica-se como causa de radical invalidação de sua eficácia jurídica, destituindo-a de qualquer aptidão para revelar, legitimamente, os fatos e eventos cuja realidade material ela pretenda evidenciar. Trata-se, presente tal contexto, de conseqüência que deriva, necessariamente, da garantia constitucional que tutela a situação jurídica dos acusados em juízo (notadamente em juízo penal) e que exclui, de modo peremptório, a possibilidade de uso, em sede processual, da prova – de qualquer prova – cuja ilicitude venha : a ser reconhecida pelo Poder Judiciário.

A prova ilícita é prova inidônea. Mais do que isso, prova ilícita é prova imprestável. Não se reveste, por essa explícita razão, de qualquer aptidão jurídico-material. A prova ilícita, qualificando-se como providência instrutória repelida pelo ordenamento constitucional, apresenta-se destituída de qualquer grau, por mínimo que seja, de eficácia jurídica.

(...)

Cabe ter presente, também, por necessário, que o princípio da proporcionalidade, em sendo alegado pelo Poder Público, não pode converter-se em instrumento de frustração da norma constitucional que repudia a utilização, no processo, de provas obtidas por meios ilícitos.

Esse postulado, portanto, não deve ser invocado nem aplicado indiscriminadamente pelos órgãos do Estado, ainda mais quando se acharem expostos, a uma nítida situação de risco, como sucedeu na espécie, direitos fundamentais assegurados pela Constituição.

(...)

Na realidade, o defeito inquinador da validade jurídica da prova penal em questão, surgido com desrespeito à garantia constitucional da inviolabilidade domiciliar, projetou-se, com evidente repercussão causal, sobre os demais elementos probatórios, que, não obstante produzidos, em momento superveniente, de modo (aparentemente) legítimimo, achavam-se contaminados pelo vicio da ilicitude de origem, não havendo que se cogitar, desse modo, na espécie, da existência de fontes autônomas de revelação da prova e que, sem qualquer relação causal com a prova originariamente ilícita, pudessem dar suporte independente e legitimador à formulação de um juízo condenatório.

(...)

Inteiramente aplicável, desse modo, ao caso ora em exame, a doutrina da ilicitude por derivação, que repudia, por constitucionalmente inadmissíveis, os meios probatórios, que, não obstante produzidos, validamente, em momento ulterior, acham-se afetados, no entanto, por efeito de repercussão causal, pelo vicio (gravíssimo) da ilicitude originária, que a eles se transmite, contaminando-os de modo irremissível.

Decisão

O habeas-corpus foi concedido por unanimidade.

(STF, 2a. Turma, RHC 90.376, Min. Celso de Mello, relator, j. 3/4/.2007).

Comentário

De minha parte, como cidadão, prefiro a afirmação, do Superior Tribunal de Justiça, de que não goza da proteção constitucional quarto de hotel utilizado apenas para a prática de atividades ilícitas.

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Episódio 05: Diligência não autorizada em quarto de hotel - Prova ilícita? -     Texto: José Tesheiner  ...

Editores: 
José Maria Tesheiner
(Prof. Dir. Proc. Civil PUC-RS Aposentado)

Mariângela Guerreiro Milhoranza da Rocha

Advogada e Professora Universitária

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Excelência em conteúdo jurídico desde o ano de 2000 | ISSN 1981-1578