Episódio 06: Execução civil - Responsabilidade civil do autor
Texto: | José Tesheiner | |
Narração: | José Tesheiner, : Lessandra Gauer e Felipe Ferraro | |
Apresentação: | Bruno e Júlio Tesheiner | |
Duração: | 12 minutos e 50 segundos | |
Música: | '@HereIPop' de I Forgot: 'Epilogue', de Dee Yan-Key | |
Edição de áudio: | André Luís de Aguiar Tesheiner |
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Execução civil - Responsabilidade civil do autor
A empresa Agropecuária Alvorada Ltda ajuizou ação reivindicatória que, ao final, foi julgada improcedente. :
O advogado da parte vencedora, Sérgio Roberto Rocha Renz, ingressou com ação executiva para receber os honorários advocatícios decorrentes da sucumbência. :
A ação foi proposta não só contra a sociedade vencida, mas também contra os sócios, Helvio Martins e Mário Ortolani Cicchitti, : cujas contas bancárias foram bloqueadas, até que conseguirem reverter a situação, isso já em segunda instância.
Em razão disso, os sócios ajuizaram ação de indenização contra o causídico, que foi julgada improcedente em primeiro grau, ao fundamento de que não se pode qualificar de absurdo o ajuizamento da execução também contra os sócios, tendo em vista a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, que dá suporte a isso. :
Inconformados, os sócios recorreram ao Tribunal de Justiça de Mato Grosso, que manteve a sentença, : dizendo:
Para configurar o dever de indenizar, impositiva é a demonstração de um agir ilícito, de dano e de nexo causal entre aquele e os prejuízos sofridos.
Agindo da parte no exercício regular de um direito, não constitui ato ilícito passível de indenização (art. 188, I, do CC).
Exercendo o direito constitucional de petição e ação, adotando o entendimento jurídico que lhe era mais favorável, na busca do recebimento dos seus honorários, incluindo pessoas que não foram parte na ação que ensejou o crédito, mas sócios da pessoa jurídica devedora, no pólo passivo da execução, não configura ato irregular ou ilícito.
Pelo mesmo raciocínio quanto ao direito de ação reconhecido àquele que move a ação, deve ser aplicado ao adverso que pretende a indenização moral, ainda que não a tenha direito, de modo que não há incidente de má-fé.”
Vencidos, os sócios Helvio Martins e Mário Ortolani Cicchitti recorreram ao Superior Tribunal de Justiça.
No julgamento, o Ministro João Otávio de Noronha, proferiu voto dizendo:
Os recorrentes pretendem o recebimento de indenização por danos materiais e morais, visto que foram incluídos no polo passivo de uma ação executiva sem que houvesse título em que figurassem como devedores.
O título executivo, que é judicial, contém obrigação relativa à empresa Agropecuária Alvorada Ltda., de quem são sócios cotistas. :
(...)
Data venia, apesar da bem elaborada construção da tese defendida no acórdão recorrido, ela contém uma permissão que a lei não contempla, a saber, deixar, ao alvedrio dos exequentes, escolher quem se sujeitará à ação executiva, independentemente de quem seja o : devedor vinculado ao título executivo.
Não é muito reafirmar que as sociedades de responsabilidade limitada têm vida própria, não se confundindo com a pessoa dos sócios. No caso de as cotas de cada um estarem totalmente integralizadas, o patrimônio pessoal dos sócios não responde por dívidas da sociedade. Portanto, a regra legal a observar é a do princípio da autonomia da pessoa coletiva, distinta da pessoa de seus sócios ou componentes, distinção que só se afasta provisoriamente e tão só em hipóteses pontuais e concretas.
É certo que existem exceções e, de fato, como se afirmou no acórdão, a disregard doctrine está aí como um meio de estender aos sócios da empresa a responsabilidade patrimonial por dívidas da sociedade. Não menos certo, porém, é que a anulação da personalidade jurídica : depende da constatação de que ela esteja servindo como cobertura para abuso de direito ou fraude nos negócios e atos jurídicos. Nessa hipótese, o juiz pode, em decisão fundamentada, ignorar a personalidade jurídica e projetar os efeitos dos atos contra a pessoa física que dela se beneficiou (art. 50 do Código Civil).
Contudo, na ação executiva em comento, tudo isso foi desprezado, pois o credor simplesmente incluiu os sócios no polo passivo da ação como se devedores fossem. : Não justificou essa inclusão, não fez nenhum requerimento específico sobre o assunto.
O que fez o juiz? Sem observar que a execução estava sendo direcionada contra quem não era devedor, determinou a citação para pagamento e?ou penhora de bens numa decisão padrão, utilizada em casos tais (e-STJ, fls. 49?50).
Assim, não obstante as justificativas do Tribunal a quo, o credor exercitou seu direito de forma irregular ao propor execução contra quem sabidamente não era devedor, portanto, não responsável pela obrigação contida no título executivo.
Assim, deve ser reformado o acórdão recorrido, que, diante da assertiva de que o credor estava no regular exercício de um direito, “adotando entendimento jurídico que lhe era mais : favorável, na busca do recebimento dos seus honorários, incluindo pessoas que não foram parte na ação que ensejou o crédito, mas sócios da pessoa jurídica devedora”, confrontou a lei e desconsiderou a personalidade jurídica da empresa, não observando o que estabelece o art. 50 do Código Civil. Na, verdade, houve uma desconsideração indireta, já que não requerida e não declarada.
E mais: o Tribunal, ao afirmar que o credor, pleiteando receber os honorários, incluiu pessoas, buscando facilidades para recebimento dos créditos, amoldou toda a situação às disposições do art. 574 do Código de Processo Civil, sobretudo se for considerado que houve declaração judicial de que os cotistas da empresa devedora não respondiam pelas dívidas por ela contraídas.
A regra do art. 187 do Código Civil é específica ao estabelecer:
'Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.'
Nas hipótese específicas de execução, o Código de Processo Civil traz a seguinte regra:
'Art. 574. O credor ressarcirá ao devedor os danos que este sofreu, quando a sentença, passada em julgado, declarar inexistente, no todo ou em parte, a obrigação, que deu lugar à execução.'
Esse dispositivo, de natureza idêntica ao do Código Civil, pois ambos visam ao ressarcimento na hipótese de danos decorrentes de abuso de direito, é utilizado em casos de emprego abusivo da ação executiva, por exemplo, quando se propõe execução cujo título não garanta a efetiva existência de crédito, mesmo que isso venha a ser reconhecido após o ajuizamento da demanda, ou quando há direcionamento da execução contra quem não é responsável pelo crédito, tal como ocorreu na espécie.
Humberto Theodoro Júnior, ao comentar o dispositivo indicado do CPC, elucida:
“[...] consolidou-se a ideia antiga de que o processo, formado desde o agir derivado do direito à tutela jurídica do Estado, à semelhança de qualquer direito material, pode ser empregado de modo abusivo e sem justificativa plausível. Disto não escapa a pretensão a executar, pois não é certo, absolutamente, que a apresentação do título executivo garanta a existência do crédito. Eis o motivo pelo qual, no art. 574 do CPC, à semelhança do art. 96, 2ª parte, do CPC italiano, se assentou o seguinte: 'O credor ressarcirá ao devedor os danos que este sofreu, quando a sentença, passada em julgado, declarar inexistente, no todo ou em parte, a obrigação, que deu lugar à execução.' A diretriz é mantida no projeto do novo CPC.”
Pode-se mesmo afirmar que o ato ilícito é um gênero dos quais são espécies as disposições insertas no art. 186 (violação do direito alheio) e no art. 187 (abuso de direito próprio) do Código Civil. Ambas as espécies se identificam por uma consequência comum, indicada no art. 927, ou seja, a reparação.
O ponto fundamental para que se caracterize o abuso do direito é a ultrapassagem de determinados limites, descritos no art. 187 do Código Civil, no respectivo exercício. Havendo excesso quanto ao limite imposto pelo fim econômico ou social do direito exercido, pela boa-fé ou pelos bons costumes, está caracterizado o abuso de direito.
Assim, : entendo que o acórdão deve ser reformado para que os recorrentes sejam indenizados dos danos materiais sofridos.
Já com relação aos danos morais, ressalto que, em reparação ao acórdão recorrido, a ninguém é dado buscar facilidades em detrimento da lei ou de quem quer que seja. O limite de atuação está na lei.
Quando há abuso, há prejuízos. É oportuna a lição de Heloísa Carpena:
'[...] tanto o ato ilícito quanto o ato abusivo são fonte do dever de indenizar quando o comportamento do agente seja passível de um juízo de censura. O dever de não abusar traduz-se no dever de atuar segundo a boa-fé, segundo os bons costumes ou segundo a finalidade econômica ou social do mesmo direito, ou seja, dentro dos limites que, para o direito em questão, resultem do seu fundamento axiológico.' (Abuso do direito nos contratos de consumo. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 65.) :
Observo que os recorrentes são sócios de uma empresa que era devedora, tinha um : título executivo inadimplido e, como dirigentes da sociedade, não se furtariam aos trâmites processuais, isto é, os ônus que sofreram em nome próprio sofreriam se tivessem atuando gerencialmente em nome da sociedade devedora.
Portanto, o fato de terem composto o polo passivo de uma ação, por si só, não representa motivo ensejador da responsabilização por danos morais do credor.
Contudo, desnecessariamente viram parte de seu patrimônio constrita, e isso em razão da astúcia do credor, pois, sendo técnico em direito, já que é advogado, não é razoável concluir que não soubesse que agia ferindo a lei. Há nexo causal entre o ato abusivo praticado pelo credor e os danos causados aos recorrentes com aborrecimentos que atingiram a esfera pessoal de cada um.
Sopesando todos esses fatos, entendo que a indenização por danos morais é devida.
Com base no exposto, entendo que a angústia pela qual os recorrentes passaram estava relacionada com a possibilidade de constrição do patrimônio pessoal. Assim, o valor da indenização deve ter como parâmetro o que foi bloqueado em suas contas bancárias, ou seja:
a) : para Hélvio Martins, a indenização será de R$ 441,89:
b) para Mário Ortolani Cicchitti, a indenização será de R$ 2.117,10.
Os valores devem ser corrigidos, incidindo juros de mora desde a citação.
A apuração dos danos materiais ficará a cargo da primeira instância.
Os honorários advocatícios ficam invertidos, passando a incidir no mesmo percentual fixado na sentença, mas sobre o valor da condenação.
Ante o exposto, conheço do recurso especial e dou-lhe provimento na forma do voto acima expendido.
E essa foi a decisão, unânime, do Tribunal.
 :(STJ, 3a. Turma, Resp 1.245.712, Min. João Otávio de Noronha, relator, : j. 11/03/2014)
Pode-se, pois, afirmar que comete ato ilícito o advogado da parte vencedora que promove execução relativa aos honorários advocatícios contra os sócios da sociedade vencida.