09.03.15 | Marcelo Hugo da Rocha Série Processos Coletivos

Episódio 24: Coisa julgada nos processos coletivos

Texto:Marcelo Hugo da Rocha

Apresentação:Marcelo Bopp Tesheiner

Duração do episódio: 09 minutos e 27 segundos

Música:J.S.Bach, Concerto para violino em lá menor, por Zimbalista (www.jamendo.com)

Edição de áudio:André Luís de Aguiar Tesheiner

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Entrevista com o Prof. José Tesheiner

Conhecemos, desde os bancos da faculdade de Direito, que a sentença faz coisa julgada entre as partes às quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros. Apesar da lei restringir a coisa julgada às partes, é inegável a existência de casos em que a eficácia da sentença (e não a coisa julgada) beneficia ou prejudica a terceiros. Pertinente, portanto, a distinção que LIEBMAN fez entre a eficácia da sentença e a autoridade de coisa julgada.

Assim, a autoridade da coisa julgada é, de regra, restrita às partes (incluindo aí o substituto processual, parte em sentido material) e aos seus sucessores. Há, todavia, exceções, como nas ações de estado, onde a autoridade é erga omnes e nas ações coletivas, o tema da nossa entrevista com o prof. José Maria TESHEINER.

- Professor, com o seu livro em mãos “Eficácia da Sentença e Coisa Julgada no Processo Civil”, é possível afirmar, desde logo, que o microssistema legal dos processos coletivos, incluído aí a Lei da Ação Civil Pública e o Código de Defesa do Consumidor, alterou a disciplina da coisa julgada?

No caso de interesses difusos ou coletivos, a procedência da ação atinge, com autoridade de coisa julgada, não apenas o legitimado que propôs a ação, como os demais legitimados. O mesmo ocorre no caso de improcedência da ação por motivo diverso da insuficiência de provas.

No caso de direitos homogêneos, o legitimado nos termos do art. 82 do CDC atua como substituto processual. Apesar disso, a improcedência da ação não impede a ação individual de cada substituído, o que implica notável alteração do regime comum da coisa julgada. Julgada procedente a ação, é a verdade dos fatos estabelecidos na sentença que se torna indiscutível, o que implica alteração dos limites objetivos da coisa julgada.

- Professor, gostaríamos que o senhor fizesse uma rápida distinção entre os interesses e direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.

Pois bem, recordamos as definições que o CDC traz. Os interesses difusos são transindividuais, de natureza indivisível, de que são titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato, como os dos moradores de uma região, dos consumidores de um produto, dos turistas que freqüentam um lugar de veraneio e dos usuários de uma linha de ônibus.

Já os interesses coletivos são transindividuais de natureza indivisível, de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com parte contrária por uma relação jurídica-base, como os dos condôminos de um edifício, dos acionistas de uma empresa, dos atletas de uma equipe esportiva, dos empregados de um mesmo patrão, dos integrantes de um grupo consorcial.

Por fim, interesses individuais homogêneos são \ decorrentes de origem comum, como os decorrentes de um mesmo acidente. Por exemplo, os interesses dos consumidores de um produto são difusos, mas no caso de danos causados por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção ou montagem, enfim, a indenização devida pelo fornecedor corresponde a direito individual de cada vítima, porque não ocorre a indivisibilidade que se apresenta nos interesses difusos e coletivos. Os passageiros de um ônibus ligam-se ao transportador por uma relação jurídica-base, que é o contrato de transporte. Contudo, ocorrendo um acidente com mortos e feridos, são individuais os direitos à indenização das vítimas e seus dependentes.

- O artigo 103 do CDC emprega regras específicas para estes direitos em relação à coisa julgada. O senhor poderia distinguir essas situações?

Em se tratando de interesses difusos ou coletivos, há coisa julgada erga omnes ou ultra partes, nos casos de procedência do pedido ou de improcedência por falta de fundamento. A coisa julgada, aí, diz respeito a outros legitimados para propor a mesma ação coletiva. Titulares de direitos individuais de integrantes da coletividade, grupo, categoria ou classe não são prejudicados (nem beneficiados) pelos efeitos da coisa julgada (é o que diz o §1º do art. 103), porque não há identidade de ações, nem a ação coletiva contém as individuais.

E em se tratando de ação coletiva pró-interesses homogêneos, há coisa julgada, qualquer que seja o sentido da sentença de mérito. Em outras palavras, a ação coletiva não pode ser renovada, mas a improcedência da ação não impede que os interessados que não intervieram no processo, como litisconsortes, proponham ação de indenização a título individual (de acordo com §2º do art. 103). Julgada procedente a ação coletiva, há o aproveitamento in utilibus (da parte útil) do conteúdo do julgamento coletivo.

- Como assim, então não haveria coisa julgada em prol do autor de ação individual?

Pensávamos que haveria coisa julgada em caso de procedência da ação coletiva em prol dos titulares de direitos individuais quando escrevemos nossa obra Elementos para uma teoria geral do processo. No entanto, melhor meditação sobre o assunto levou-nos a concluir que há no caso, apenas aproveitamento in utilibus da sentença proferida na ação coletiva, não se podendo mais questionar, por exemplo, sobre a danosidade do produto e a responsabilidade do réu em relação aos adquirentes.

Não há, assim, coisa julgada em prol do autor de ação individual, porque ainda que executiva a ação proposta, será sempre possível questionar sua condição de lesado, ou seja, sua inserção no conjunto dos beneficiários da condenação, já que não se exige que conste da ação coletiva o nome de cada um dos prejudicados. Como observa Sérgio Gilberto Porto, os limites subjetivos da coisa julgada estão hoje intimamente vinculados à natureza do direito posto em causa, variando, sobretudo, se nos encontramos face a direitos individuais, heterogêneos ou homogêneos, coletivos ou difusos.

- Professor, o que vem a ser coisa julgada “secundum eventum litis”, expressão bastante recorrente sobre o assunto em sede de processos coletivos?

De acordo com o que já foi referido antes, nas ações coletivas a sentença faz coisa julgada erga omnes ou ultra partes conforme o seu resultado, ou seja, secundum eventum litis.. Isso porque a sentença proferida na ação coletiva pode beneficiar, mas não pode prejudicar os titulares individuais de direitos decorrentes do mesmo fato. Assim, afirmada a responsabilidade de uma empresa por um dano ambiental, torna-se indiscutível a responsabilidade da empresa, nas ações individuais propostas pelos prejudicados. Todavia, a negativa da responsabilidade da empresa, na ação coletiva, não impede a rediscussão dessa matéria em ações individuais.

Por fim, o art. 16 da LACP diz que a sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova. :O que o senhor tem a dizer sobre esse polêmico artigo?

O artigo 16 da LACP tem sido muito criticado, porque a jurisdição é nacional. Não se pode tratar a sentença prolatada em outro Estado-membro como se fosse uma sentença estrangeira. Penso que, numa interpretação conforme à Constituição, deve o dispositivo ser interpretado, primeiro, como restrito aos direitos individuais homogêneos e, segundo, com o significado de que o substituto processual não pode senão substituir os titulares do respectivo Estado-membro ou, no caso da Justiça Federal, os da respectiva circunscrição territorial.

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Editores: 
José Maria Tesheiner
(Prof. Dir. Proc. Civil PUC-RS Aposentado)

Mariângela Guerreiro Milhoranza da Rocha

Advogada e Professora Universitária

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