Proc. Coletivos [11]: A (ina)aplicabilidade da limitação territorial prevista no art. 16 da Lei da Ação Civil Pública
Texto: Marcelo Hugo da Rocha Apresentação:Marcelo Bopp Tesheiner Narração: Marcelo Hugo da Rocha e Sophia Salerno Peres Duração do episódio: 16 minutos e 24 segundos Música:J.S.Bach, Concerto para violino em lá menor, por Zimbalista (www.jamendo.com) Edição de áudio:André Luís de Aguiar Tesheiner |
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A (ina)aplicabilidade da limitação territorial prevista no art. 16 da Lei da Ação Civil Pública
1. IntroduçãoO presente tema é daqueles que podemos considerar como a “cereja do bolo” das polêmicas e debates que envolvem as peculiaridades da disciplina do processo coletivo, visto que de uma vez, ao atualizar a Lei da Ação Civil Pública através da Lei 9.494/1997, o legislador provocou a doutrina e jurisprudência ao mexer em institutos tão caros como a competência e a coisa julgada.O texto a qual trouxe duras críticas da doutrina, e de certa forma, uma transigência da jurisprudência, ex litteris, é o seguinte:“A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.” :O acréscimo legislativo, cujo caminho foi aberto pelo Poder Executivo através da Medida Provisória 1.570-5 no mesmo ano, veio com a restrição da expressão “nos limites da competência territorial do órgão prolator”. Não há dúvidas, dentro de uníssona doutrina, que a intenção do Poder Executivo, com a anuência do Poder Legislativo, era legislar em causa própria para restringir a efetividade do processo coletivo, principalmente, numa época de grandes privatizações e que decisões judiciais estariam atrasando os interesses governamentais.Assim, vamos nos dedicar ao tema sob a ótica da doutrina e da jurisprudência mais recente.
2. A doutrinaNas palavras de Luiz Manoel Gomes Júnior, “almejou a alteração retroapontada que o eventual benefício concedido em sede de Ação Civil Pública somente fosse deferido nos limites territoriais nos quais o órgão julgador exerce a jurisdição” (in “Curso de Direito Processual Civil Coletivo”, Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 174). A “alteração foi infeliz e inócua” apontou Hugo Nigro Mazzilli (in “A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo”, 26.ed., São Paulo: Saraiva, 2013, p. 625) diante do que o legislador teria confundido limites da coisa julgada com competência territorial, além da falta de alcance ao sistema do CDC.Elpídio Donizetti e Marcelo Malheiros Cerqueira (in “Curso de Processo Coletivo”, São Paulo: Atlas, 2010, p. 209) e Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr. (in “Curso de Direito Processual Civil”, v. 4, 8.ed., Salvador: JusPodivm, 2013, p.149, tratam da restrição territorial da eficácia da coisa julgada em ação coletiva como medida ineficaz e inconstitucional. O “intuito claro de fracionar o alcance das ações coletivas”, segundo Aluisio Gonçalves de Castro Mendes (in “Em Defesa de um novo sistema de processos coletivos”, São Paulo: Saraiva, 2010, p. 73) da inovação é também para o autor “manifestamente inconstitucional, afrontando o poder de jurisdição dos juízes, a razoabilidade e o devido processo legal” (op. Cit., p. 74).De forma resumida, podemos levantar as seguintes questões dentro das afirmações doutrinárias referidas anteriormente em desfavor do art. 16:? A alteração procedida no art. 16 não alcança o sistema do CDC, visto que esse estende a competência territorial do juiz prolator a todo o Estado, em caso de dano regional ou a todo o país, se for dano nacional (art. 93, II):? A alteração também não alcança o art. 18 da Lei da Ação Popular, cujo texto era o mesmo da Ação Civil Pública antes da mudança:? Afronta o princípio da razoabilidade, pois “impõem exigências absurdas, bem como permitem o ajuizamento simultâneo de tantas ações civis públicas quantas sejam as unidades territoriais em que se divida a respectiva Justiça, mesmo que sejam demandas iguais, envolvendo sujeitos em igualdade de condições, com a possibilidade teórica de decisões diferentes e até conflitantes em cada uma delas” (Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr.):? Nesse sentido, a norma “demonstra retrocesso por militar contra a economia processual, impossibilitando o equacionamento do litígio numa única demanda e dando ensejo ao conflito lógico e prático de julgados” (Ricardo de Barros Leonel):? Ofende o principio da igualdade, pois implica afirmar que “a despeito do caráter indivisível dos direitos transindividuais, poderá ser concedida a tutela jurisdicional em alguns foros e em outros não” (Elpídio Donizetti e Marcelo Malheiros Cerqueira):? Da mesma forma, infringe o princípio do acesso à justiça, “porque exigir a propositura de múltiplas ações coletivas quando a tutela poderia ser obtida por meio de um único processo significa reduzir a eficácia desse poderoso instrumento de defesa de direitos coletivos” (Elpídio Donizetti e Marcelo Malheiros Cerqueira):? Desconsidera também que a “abrangência da coisa julgada coletiva decorre da natureza da relação jurídica de direito material. A res iudicata é ampla em razão da existência da coletividade de indivíduos concretamente lesados de forma difusa e indivisível. A lesão a um atinge todos, sendo imperativa a reparação a todos e incabível a reparação a apenas alguns, dada a indivisibilidade do objeto da tutela judicial” (Ricardo de Barros Leonel):? Há ainda o “equívoco na técnica legislativa, que acaba por confundir competência, como critério legislativo para repartição da jurisdição, com a imperatividade decorrente do comando jurisdicional, esta última elemento do conceito de jurisdição que é uma em todo o território nacional” (Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr.):? A norma legal seria inconstitucional também, pois além de ferir os princípios supracitados, a Medida Provisória que se converteu na referida lei, não tinha os requisitos do art. 62 da Constituição Federal, como urgência nem relevância:
3. A jurisprudênciaO STJ julgou, em conflito de competência, ação civil pública, cujo autor era o Ministério Público Federal, postulando reserva de vagas para portadores de deficiência em concurso de âmbito nacional, pela inaplicabilidade da limitação territorial prevista pelo art. 16 da Lei da Ação Civil Pública, nesse sentido (CC 109.435-PR, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 15/12/2010):“A restrição territorial prevista no art. 16 da Lei da Ação :Civil Pública (7.374?85) não opera efeitos no que diz respeito às ações :coletivas que visam proteger interesses difusos ou coletivos stricto sensu, :como no presente caso: nessas hipóteses, a extensão dos efeitos à toda :categoria decorre naturalmente do efeito da sentença prolatada, vez que,por ser a legitimação do tipo ordinária, tanto o autor quanto o réu estão :sujeitos à autoridade da coisa julgada, não importando onde se encontrem.A cláusula :erga omnes :a que alude o art. 16 da Lei :7.347?85 apenas estende os efeitos da coisa julgada a quem não participou :diretamente da relação processual: as partes originárias, ou seja, aqueles :que já compuseram a relação processual, não são abrangidos pelo efeito :erga omnes, mas sim pela imutabilidade decorrente da simples preclusão :ou da própria coisa julgada, cujos limites subjetivos já os abrangem direta e imediatamente”.Diante de repetidas decisões como essa, recentemente, o STJ estabeleceu a posição, assumindo uma “revisão jurisprudencial”, a partir do julgamento pela Corte Especial, como representativo da controvérsia, do Recurso Especial 1243.887/PR, sob a relatoria do Min. Luis Felipe Salomão, “de que a eficácia da sentença proferida em processo coletivo não se limita geograficamente ao âmbito da competência jurisdicional do seu prolator” (AgRg no AREsp 302062 / DF, DJe 19/05/2014).Por outro lado, o STF até o momento tem seguido o mesmo entendido de que “a eficácia erga omnes da sentença na ação civil pública fica restrita aos limites da competência territorial do órgão prolator” (ADI 1576 MC/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 06-06-2003). Ademais, conforme essa decisão, o STF reconheceu a constitucionalidade do art. 16 da Lei n° 7.347, pois segundo ele “harmônico com o sistema Judiciário pátrio, jungia, mesmo na redação primitiva, a coisa julgada erga omnes da sentença civil à área de atuação do órgão que viesse a prolatá-la. A alusão à eficácia erga omnes sempre esteve ligada à ultrapassagem dos limites subjetivos da ação, tendo em conta até mesmo o interesse em jogo - difuso ou coletivo - não alcançando, portanto, situações concretas, quer sob o ângulo objetivo, quer subjetivo, notadas além das fronteiras fixadoras do juízo. Por isso, tenho a mudança de redação como pedagógica, a revelar o surgimento de efeitos erga omnes na área de atuação do Juízo e, portanto, o respeito à competência geográfica delimitada pelas leis de regência. Isso não implica esvaziamento da ação civil pública nem, tampouco, ingerência indevida do Poder Executivo no Judiciário”.
4. Conclusão
A Lei 9.494/1997 não só restringiu territorialmente a eficácia das decisões em ação civil pública com a alteração do art. 16 da Lei 7.347/1985, como também, através do seu art. 2º-A impôs da mesma medida às demandas que versassem sobre direitos individuais homogêneos nas causas propostas por entidades associativas.Não há dúvidas para doutrina, mesmo que as referências tenham sido exclusivas para o dispositivo do art. 16, de que ambos os comandos refletem a intenção de limitar a eficácia da decisão coletiva, com prejuízo à economia processual, ofensa à igualdade e ao acesso à jurisdição e afronta a razoabilidade. Quanto à posição dos nossos tribunais superiores, o STJ avalizou, enfim, o sentimento doutrinário de que “os efeitos e a eficácia da sentença não estão circunscritos a lindes geográficos, mas aos limites objetivos e subjetivos do que foi decidido, levando-se em conta, para tanto, sempre a extensão do dano e a qualidade dos interesses metaindividuais posto em juízo” (Resp 1243.887/PR).No entanto, o STF mantém-se vinculado ao texto normativo a qual entendeu constitucional quando teve que se manifestar. Espera-se que, em futuro breve, volte a enfrentar o tema e observe o apelo da doutrina.