10.01.03 | José Maria Rosa Tesheiner

Anulabilidade por estado de perigo e por lesão

Além do erro, dolo, coação e fraude contra credores, constituem defeitos do negócio jurídico o estado de perigo e a lesão.Configura-se o estado de perigo quando alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família (ou mesmo a estranho), de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa (art. 156).Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta (art. 157).O negócio jurídico anulável admite ratificação ou confirmação (art. 172). Trata-se de nulidade que não pode ser decretada de ofício (art. 177). Exige alegação da parte e subordina-se a prazo decadencial, que é de 4 anos, nos casos mencionados de erro, dolo, coação, fraude contra credores, estado de perigo e esão enorme (art. 178).Anulado o negócio jurídico, restituem-se as partes ao estado anterior: não sendo isso possível, o prejudicado é indenizado pelo equivalente (art. 182). Observe-se que, via de regra, os efeitos da anulação retroagem à data do negócio jurídico, sendo, portanto, ex tunc. Errado, portanto, distinguir nulidade e anulabilidade, dizendo-se que os efeitos da primeira são ex tunc e os da segunda ex nunc.Sobre a lesão e estado de perigo, assim disserta Caio Mário da Silva Pereira:'Pode-se genericamente definir lesão o prejuízo que uma pessoa sofre na conclusão de um ato negocial, resultante da desproporção existente entre as prestações das duas partes.“Tendo surgido primitivamente na compra e venda, levava ao desfazimento do contrato quando o comprador pagava menos da metade do justo preço que a coisa valia no tempo da operação.'Por um processo de elaboração a que esteve sempre presente a inspiração da equidade e da moralização dos negócios, ampliou-se e generalizou-se na Idade Média a outras figuras de negócios jurídicos. No direito português das Ordenações, a lesão enorme tinha cabida nos contratos comutativos, e importava na sua rescisão quando uma das partes era enganada em mais de metade do preço justo, tal como na fonte romana se falava da laesio ultra dimidium iusti pretii. Criou-se, também, no direito filipino, a chamada tesão enormíssima, quando a desproporção de preço ultrapassava a casa dos dois terços.'Nosso direito pré-codificado concebeu, portanto, o instituto da lesão com estas duas figuras, caracterizando-se a lesão enorme como defeito objetivo do contrato: o seu fundamento não era nenhum vício presumido do consentimento, mas assentava nainjustiça do contrato em si: já a lesão enormíssima fundava-se no dolo com que se conduzia aquele que do negócio tirava o proveito desarrazoado, porém dolo presumido ou dolo ex re ipsa, que não precisava de ser perquirido na intenção do agente.(...)'O primeiro reparo que merece a remodelação do instituto está na observação de que se generalizou a qualquer contrato, deslocando-se, portanto, do campo restrito da compra e venda, para abranger qualquer outro tipo de convenção. Embora atente contra o princípio da autonomia da vontade, vem encontrando, todavia, a melhor acolhida na doutrina, principalmente por conservar a mesma inspiração de equidade que ditou as disposições originárias lá no direito romano, e apresentar-se como o meio técnico de reprimir no terreno do contrato a exploração usurária de um por outro contratante. (...).'Não é a lesão puramente um vício do consentimento, de vez que o desfazimento do negócio não tem por fundamento uma desconformidade entre a vontade real e a vontade declarada. Difere a lesão do erro em que o agente no momento da declaração de vontade tem a consciência da realidade material das circunstâncias: não há nele o emprego de artifícios por parte de alguém que procure induzir o agente a realizar o negócio jurídico: difere da coação, em que falta o processo de intimidação sobre o ânimo do agente para compeli-lo ao negócio jurídico: e tanto se distancia da simulação e da fraude que nem há mister salientar a diferença. Residindo, pois, a lesão na zona limítrofe dos vícios do consentimento, por aproveitar-se o beneficiário da distorção volitiva, para lograr um lucro patrimonial excessivo, é sem dúvida um defeito do negócio jurídico, embora diferente, na sua strutura, dos até agora examinados, razão por que é chamado por alguns de vício excepcional.'Segundo a noção corrente, que o nosso direito adotou, a lesão qualificada ocorre quando o agente, premido pela necessidade, induzido pela inexperiência ou conduzido pela leviandade, realiza um negócio jurídico que proporciona à outra parte um lucro patrimonial desarrazoado ou exorbitante da normalidade.'Na sua caracterização devem ser apurados dois requisitos: um objetivo e outro subjetivo. O primeiro, objetivo. situa-se na desproporção evidente e anormal das prestações, quando umadas partes aufere ou tem possibilidade de auferir do negócio um lucro desabusadamente maior do que a prestação que pagou ou prometeu, aferida ao tempo mesmo do contrato. (...).'O segundo requisito, subjetivo, é o que a doutrina denomina dolo de aproveitamento, e se configura na circunstância de uma das partes aproveitar-se das condições em que se encontre a outra, acentuadamente a sua inexperiência, a sua leviandade ou o estado de premente necessidade em que se ache, no momento de contratar. Não há mister que o beneficiado induza o agente a praticar o ato, levando-o à emissão de vontade por algum processo de convencimento, nem que tenha a intenção de explorá-lo. Basta que se aproveite conscientemente daquela situação de inferioridade, ainda que momentânea do agente, e com ele realize negócio de que aufira lucro anormal”.(Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de Direito Civil. 6. ed. Rio de Janeiro, Forense, 1982. v. I. p. 466-9)

TESHEINER, José Maria Rosa Tesheiner. Anulabilidade por estado de perigo e por lesão. Revista Páginas de Direito, Porto Alegre, ano 3, nº 62, 10 de Janeiro de 2003. Disponível em: https://paginasdedireito.com.br/artigos/todos-os-artigos/anulabilidade-por-estado-de-perigo-e-por-lesao.html
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Editores: 
José Maria Tesheiner
(Prof. Dir. Proc. Civil PUC-RS Aposentado)

Mariângela Guerreiro Milhoranza da Rocha

Advogada e Professora Universitária

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