15.06.01 | José Maria Rosa Tesheiner

Competência - Ação de acidente do trabalho fundada no direito comum

Encontram-se, no acórdão abaixo, longos e eruditos votos sobre a competência para o processo e julgamento de ações de indenização, fundadas em acidente do trabalho, propostas contra o empregador. A Câmara rejeitou a preliminar de incompetência da Justiça Comum, suscitada pelo Relator, que sustentava a competência da Justiça do Trabalho. (Tribunal de Alçada de Minas Gerais, Primeira  :Câmara Civil, Apelação Cível 314.144-2, Nepomuceno Silva, relator, j. 29.8.2000).

 

E M E N T A:

INDENIZAÇÃO - RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR - ART. 114 DA CF - COMPETÊNCIA ABSOLUTA DA JUSTIÇA DO TRABALHO - REQUISITOS - AUSÊNCIA

- Não se impõe ao empregador o dever indenizatório, visto não apresentar o contexto fático-probatório nenhum dos requisitos ensejadores daquela obrigação (e bastaria a ausência de um), ou seja, o dano, a culpa e o nexo causal. Inequivocamente, máxime ante o bem elaborado laudo médico-pericial, apercebe-se que o obreiro não foi acometido de tenossinovite (LER), mas de doença diversa, não ocupacional (síndrome miofascial), sem relação com o trabalho. :Ad argumentandum, ausentes, ainda, a demonstração de conduta culposa do empregador, : e seu liame causal com aquele dano, estranho à relação laboral.

A : C : Ó : R : D : à: O

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 314.144-2, : da Comarca de BELO HORIZONTE, sendo Apelante(s): VALÉRIA LINO GUIMARÃES e Apelado(a)(os)(as): ELMO CALÇADOS S.A.,

ACORDA, em Turma, a Primeira Câmara Civil do Tribunal de Alçada do Estado de Minas GeraisREJEITAR A PRELIMINAR ARGUIDA DE OFÍCIO PELO JUIZ RELATOR. REJEITAR OUTRA PRELIMINAR E NEGAR PROVIMENTO.

Presidiu o julgamento o Juiz ALVIM SOARES e dele participaram os Juízes NEPOMUCENO SILVA (Relator), SILAS VIEIRA (Revisor) e GOUVÊA RIOS (Vogal).

Belo Horizonte, 29 de agosto de 2000.

JUIZ NEPOMUCENO SILVA

Relator

JUIZ SILAS VIEIRA

Revisor

JUIZ GOUVÊA RIOS

Vogal

V : O : T : O : S

O SR. JUIZ NEPOMUCENO SILVA:

Trata a espécie de recurso contra sentença monocrática que, na 19ª Vara Cível desta Comarca, julgou improcedente o pedido na Ação de Indenização ajuizada por Valéria Lino Guimarães, em face de Elmo Calçados S.A., 'deixando de condenar a autora nos consectários da sucumbência, em razão à gratuidade de justiça'.

Materializa-se a insurgência da apelante nas razões recursais de f. 108-113, em síntese, argumentando:

- Preliminarmente, ainda que sem tal rótulo:

nulidade da sentença, tendo em vista que a perícia mostrou-se contraditória e fora dos ditames legais.

- No mérito:

a apelante encontra-se aposentada por invalidez decorrente de acidente do trabalho, em face de doença ocupacional (LER): demonstração dos requisitos ensejadores do dever indenizatório.

Contra-razões, em óbvia infirmação.

De ofício, submeto à sempre criteriosa análise desta Egrégia Turma Julgadora questão, a meu sentir, prejudicial ao conhecimento dos recursos, em vista da natureza da demanda (relação de emprego).

Trata-se de ação de indenização por acidente de trabalho, tendo sido a autora (apelante) contratada pela ré (apelada) para o cargo de 'Auxiliar de Crediário', no qual, segundo ela, por culpa de sua empregadora, teria sido acometida por doença ocupacional (LER), levando-a a aposentar-se por invalidez pelo INSS.

Questões acidentárias no trabalho já não são novas nesta Turma Julgadora, sabendo todos do meu modesto posicionamento. Quando de palestra que proferi sobre o tema, expendi os seguintes, sumário e conclusões, a propósito, :verbis:

S U M Á R I O:

“1.1. A Jurisdição, como poder e função, é abstrata e genérica. Para ser concretizada, requer o instituto da competência. É esta que irá especificar, por questões de ordem prática e de política legislativa e judiciária, o poder de cada órgão de julgar. Assim, as regras de competência vão indicar o que, onde e a quem a prestação jurisdicional será entregue.

1.2. ‘Para saber se a lide decorre da relação de trabalho, não tenho como decisivo, data venia, que a sua composição judicial penda ou não de solução de temas jurídicos de direito comum, e não, especificamente, de Direito do Trabalho. O FUNDAMENTAL É QUE A RELAÇÃO JURÍDICA ALEGADA COMO SUPORTE DO PEDIDO ESTEJA VINCULADA, COMO EFEITO À SUA CAUSA, À RELAÇÃO EMPREGATÍCIA...’ (CJ n. 6.959-6-DF, j. em 23.05.1990, relator Min. Sepúlveda Pertence - Revista LTr, SP, v. 59, n. 10, p. 1375, 1995).

1.3. ‘Data maxima venia, incidem em deslize de interpretação, passando ao longo de noções básicas de processualística, os que argumentam pela incompetência da justiça especial para o julgamento de ação de (ex)empregado em face do (ex)empregador, quando se pede indenização por dano decorrente de ACIDENTE DO TRABALHO. Seu raciocínio eiva-se de simplismo na medida em que procuram primeiramente enquadrar a matéria no âmbito de competência da Justiça comum, sabidamente residual, sem antes verificarem o campo delimitado para as justiças especiais. Ora, se a competência comum é eminentemente residual, para fixação de seu âmbito, o primeiro passo há de ser a delimitação das competências das especiais, adotando-se obviamente em tal mister os critérios estabelecidos pela Constituição e demais leis, situando-se, assim, por exclusão, o campo de atuação da Jurisdição comum...’ (Sebastião Geraldo de Oliveira, in ‘Proteção Jurídica à Saúde do Trabalhador’, 2. ed., São Paulo: LTr, 1998, p. 239).

C O N C L U S Õ E S:

2.1. Até a CF/67, modificada pela EC 1/69, por força de seu art. 142, § 2º, os dissídios relativos a ACIDENTES DO TRABALHO eram, indistintamente, expungidos na Justiça Comum, por expressa exclusão da Justiça especializada.

2.2. : : “Com o advento da Constituição da República de 1988, a questão mereceu tratamento diverso, que não pode ser ignorado. Primeiramente, porque : o art. 114 não repetiu a ressalva acima registrada, não devendo o intérprete criar distinção onde a lei não distinguiu: em segundo lugar, porque a indenização a cargo do empregador, proveniente do acidente do trabalho, foi incluída no rol dos direitos dos trabalhadores, como expressamente prevê o art. 7º, XXVIII. Conseqüentemente, os dissídios individuais entre empregados e empregadores, referentes às indenizações derivadas do acidente do trabalho, estão no âmbito da competência da Justiça do Trabalho. Por outro lado, os danos sofridos pelo empregado, provenientes dos acidentes do trabalho, estão diretamente relacionados à execução do contrato de trabalho, mormente porque a culpa do empregador, nessa hipótese, quase sempre resulta da não observância das normas regulamentares de segurança, higiene e saúde no ambiente de trabalho previstas na legislação trabalhista. As decisões que estão atribuindo competência à Justiça Comum dos Estados para apreciar tais controvérsias, data venia, só tem como sustentáculo o apego às construções jurídicas do passado. Não há qualquer disposição constitucional atribuindo à Justiça Estadual essa competência, razão pela qual há de prevalecer a norma genérica do art. 114 da Lei Maior, combinada com o art. 652 da CLT...” (Sebastião Geraldo de Oliveira, ob. cit., p. 237/240).

2.3. Não há exigir-se regulamentação do art. 114, da CF, quanto à locução ‘outras controvérsias’, contida no texto, em face de seu intérprete maior e guardião único (CF, 102, caput) já aplicá-lo em várias oportunidades (v.g. RE 238.737-4-SP e CJ 6959-6-DF), até porque o que ali se fazia necessário regulamentar já o foi pela Lei nº 8.984 de 7.2.95.

2.4. Sobre entender que, tratando-se de ato ilícito praticado pelo empregador em sede de responsabilidade civil, o mais importante e significativo, ante o império constitucional, é ver se decorre ele de uma relação de trabalho, pois, como consignou o eminente Ministro em seu voto proferido no citado CJ 6959-6-DF, “o fundamental é que a relação jurídica alegada como suporte do pedido esteja vinculada, como efeito à sua causa, à relação empregatícia....”.

2.5. A partir daquela interpretação do STF, volta-se, data venia, o teor da Súmula n. 15 do STJ, somente para os casos previdenciários, impondo-se, nos demais, a declinação da competência para aquela Instância Especializada do Trabalho, sobretudo de ofício, pois se trata de MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA, remanescendo à Justiça Comum somente casos residuais, fora da aplicação do referido art. 114 da CF.

2.6. O acidente de trabalho fora das hipóteses do art. 109-I, da CF, é fato típico nas relações jurídico-trabalhistas, compondo a exegese do art. 114, da CF, devendo ser analisado em face dos DIREITOS SOCIAIS, capitulados no art. 7º, XXII e XXVIII, do mesmo diploma maior. E, sendo assim, como efeito à sua causa, ressai competente para dirimi-lo a Justiça Especializada do Trabalho, cumprindo esclarecer que a exclusão feita pelo art. 109, I, otimiza uma exceção à regra geral, no tocante à competência dos juízes federais, cuja inferência não pode infirmar COMPETÊNCIA ESPECIALIZADA e explicitante, como a do art. 114.

2.7. Aos que insistem que a decisão do STF é isolada (mas não é), não custa lembrar que também o STJ já definiu:

1 – Fixação da competência pela natureza da pretensão. Determina-se a competência pela natureza da pretensão, no caso fundada na CLT, levando o feito à Justiça laboral’ (STJ-2ª Seção, CC 1.322-SP, rel. Min. Athos Carneiro, j. 28.11.90, v.u., DJU 11.3.91, p. 2.371):

2 – ‘Competente a Justiça do Trabalho para o julgamento da causa, posto tratar-se de litígio trabalhista. Não importa que, para dirimi-lo, tenham-se que levar em conta normas jurídicas interessando a outros ramos do direito que não o do trabalho’ (STJ-2ª Seção, CC 1.866-PB, rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. 14.8.91, v.u., DJU 2.9.91, p. 11.786).”

Termos em que, de ofício, anulo todos os atos decisórios e de expediente, praticados pela Justiça Comum, e determino a remessa dos autos à Comarca e Vara de Origem, para sua baixa, ali, e imediata remessa à Justiça do Trabalho, competente.

O SR. JUIZ SILAS VIEIRA:

Quanto a questão debatida nos presentes autos, tenho posição diversa da que está sendo adotada pelo eminente Relator.

É bem verdade que, tão logo veio à tona o julgado proferido pelo pretório Excelso, a tendência, inclusive por mim adotada, foi a de reconhecer a competência da Justiça do Trabalho para julgamento de demanda como a dos autos.

Contudo, depois de um exame mais aprofundado sobre o tema, revi meu posicionamento, concluindo que, na verdade, não se pode dar àquele pronunciamento a amplitude desejada, razão pela qual não há como prevalecer a decisão agravada.

Com efeito, é de se ver que a ação de reparação referente ao julgado do colendo STF, suscitado pelo Juiz singular, não se funda em acidente de trabalho, mas, sim, na imputação caluniosa dirigida ao empregado, razão da sua despedida por justa causa, o que, inclusive, pode acarretar reflexos na importância devida por motivo de rescisão do contrato individual do trabalho.

A ementa do aludido acórdão ficou assim redigida:

“Justiça do Trabalho: competência: ação de reparação de danos decorrentes da imputação caluniosa irrogada ao trabalhador pelo empregador a pretexto de justa causa para a despedida e, assim, decorrente da relação de trabalho, não importando deva a controvérsia ser dirimida à luz do Direito Civil.” (Rext, 238.737).

Analisando a questão sob o prisma da matéria peculiar tratada no aresto aludido, concluí ser temerário interpretar, de forma ampla, o respectivo julgado, máxime porque o Superior Tribunal de Justiça, mesmo após a publicação daquele :decisum, continua afirmando ser da Justiça Comum a competência para processar e julgar ação indenizatória fulcrada em :acidente de trabalho, como se infere a seguir:

“CONFLITO DE COMPETÊNCIA – ACIDENTE DO TRABALHO – DANO MORAL. É da Justiça Comum a competência para processar e julgar ação de indenização por acide te do trabalho. O STJ atribuía à Justiça Comum a competência para ajuizar indenização por dano moral, ainda que a ofensa decorresse da relação de emprego. Porém, recente julgamento do egrégio STF, interpretando o art. 114 da CR, reconheceu a competência da Justiça do Trabalho para tais ações. No caso dos autos, porém, o dano moral decorre do fato  :do acidente, e a parcela que lhe corresponde integra a indenização acidentária tudo de competência da Justiça Comum.” (CC nº 22.709-SP, rel. :Min. Ruy Rosado Aguiar, DJU 15.03.99).

“Acidente do Trabalho. pedido de ressarcimento de dano material e mora. Competência da Justiça Comum.” :(CC 21.638/SP, rel. :Min. Eduardo Ribeiro, DJU de 03.05.99).

Tais manifestações revelam-se em perfeita harmonia com a Súmula nº 15 do STJ e Súmulas : 235 e 501 do STF, as quais dispõem acerca da competência da Justiça Comum para processar e julgar os litígios decorrente de infortúnio trabalhista.

Sobreleva notar, a propósito, que o : Superior Tribunal de Justiça, :ex vi do artigo 105, I, “d”, da CF, tem a missão constitucional de resolver os conflitos de competência verificados entre quaisquer tribunais.

Assim, se o órgão incumbido de dar a palavra final sobre a competência vem reiteradamente, afirmando que é competente a Justiça Comum, em casos tais, penso que devamos nos curvar a tal posicionamento, pelo menos enquanto não sobrevenham outras decisões do Supremo Tribunal Federal esclarecendo sobre a real extensão do :artigo 114 da CF, e sua aplicação ao caso específico de litígio proveniente de :infortúnio laboral.

Reputo ser a posição mais cautelosa e consentânea com o ordenamento jurídico, tendo em vista, sempre, os interesses e direitos dos jurisdicionados, que buscam a prestação jurisdicional.

Declinar da competência para a Justiça do Trabalho acarreta, sabidamente, : maior delonga na resolução da pendenga, porquanto importa em invalidação dos atos decisórios já proferidos no âmbito da Justiça Comum (artigo 113, § 2º, do CPC), circunstância que pode acarretar prejuízos consideráveis ao trabalhador acidentado.

Outro fator que, a meu aviso, está a recomendar cuidado redobrado na definição da competência é a possibilidade de se reduzir, de forma abrupta, a : prescrição, que passaria de vintenária (artigo 177 do CC) : para qüinqüenal ou bienal (artigo 7º, XXIX, da CF), causando uma intolerável surpresa aos cidadãos, porquanto não se havia questionado acerca da matéria até então.

Não se pode olvidar, ainda, de que a expressão genérica'outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho', utilizada no artigo 114 da CF, demanda regulamentação específica pelo legislador ordinário, que, ainda, não elencou as demandas relativas a acidente de trabalho no rol da competência da Justiça Trabalhista.

É o escólio de JOSÉ CRETELLA JÚNIOR:

“Até agora a expressão na “forma da lei” foi empregada 52 vezes, pelo legislador constituinte de 1988. A regra atual, contida no art. 114 da vigente Constituição (“Competente à Justiça do Trabalho conciliar e julgar dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho”) equivale à regra anterior do art. 142, caput (“Competente à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre empregados e empregadores e, mediante lei, outras controvérsias oriundas de relação de trabalho”). da relação de trabalho decorrente inúmeras outras controvérsias (dissídios, questões, choques, conflitos, dissensão, discórdia) que a futura lei ordinária deverá expressamente capitular para que possam ser processadas e julgadas pela justiça do Trabalho, hipóteses que, até agora, não foram disciplinadas pelo legislador, deixando, assim, de figurar em dispositivos legais vigentes. Correto o art. 142. Errado o art. 114.

(...)

Nesta passagem, a expressão “na forma da lei” diz respeito à nova lei que, editada, poderá explicitar outras controvérsias, além das existentes e decorrentes da relação de : trabalho.” (Comentários à Constituição Brasileira de 1988, Forense Universitária, 1ª ed., p. 3213/3214).

De resto, :ad argumentandum, ressalto que, ainda que posteriormente a jurisprudência se firme no sentido de declarar a competência da Justiça do Trabalho para dirimir conflitos decorrentes da responsabilidade civil do empregador, tal fato não terá o condão de invalidar o julgamento já proferido pela Justiça Comum, : frente ao disposto na Súmula 343 do STF.

“Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais.”

Por todos esses motivos, firme na posição uníssona do colendo STJ, venho declarando a competência da Justiça Comum nos casos de ação indenizatória decorrente de acidente de trabalho.

Frente a tais expendimentos, rejeito a preliminar.

O SR. JUIZ GOUVÊA RIOS:

Cuidam os autos de uma : AÇÃO DE INDENIZAÇÃO proposta por VALÉRIA LINO GUIMARÃES contra CALÇADOS S.A.

Com minha vênia ao em. Relator rejeito a preliminar de ofício por ele levantada, quando entendeu pela competência da Justiça do Trabalho para o presente feito. À minha ótica, a competência é da Justiça Comum, pelas razões que se seguem.

Até recentemente a posição buscada pela agravante era aquela pacificada neste Tribunal como, de resto, na ótica pretoriana pátria. Não havia, até então, divergências mas acentuadas nesse norte. O eminente Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, relatando o Recurso Extraordinário nº 238.737, de São Paulo, julgado em 17 de novembro de 1998, ofertou a seguinte ementa:

“Compete à Justiça do Trabalho o julgamento de ação de indenização por danos materiais e morais, movida pelo empregado contra seu empregador, fundado em fato decorrente da relação de emprego (C.F. art. 114: “compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, (...) outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho...”), nada importando que o dissídio venha a ser resolvido com base nas normas de Direito Civil. Com esse entendimento, a Turma conheceu e deu provimento a recurso extraordinário para reformar acórdão do STJ, que - ao entendimento de que a causa de pedir e o pedido demarcam a natureza da tutela jurisdicional pretendida, definindo-lhes a competência - assentara a competência da Justiça Comum para processar ação de reparação, por danos materiais e morais, proposta por trabalhador dispensado por justa causa sob a acusação de apropriação indébita. Precedente citado. CJ 6959 - DF (R.T.J. 134/96)”.

Essa visão pretoriana, isolada, mas oriunda do eg. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, o guardião primeiro e único da Constituição, funcionou como um divisor de águas e, a contar daí, :todos os seis Juízes desta 1ª Câmara Cível passamos a entender : que a competência seria da Justiça do Trabalho para julgar casos deste jaez. Via de conseqüência, as decisões se seqüenciaram em cascata nesse norte, sem qualquer divergência.

Inegável é que o Direito é dinâmico e, como trazido pelo mestreCARLOS MAXIMILIANO (“Hermenêutica e Aplicação do Direito”, Forense, 18ª edição, 1998, página 101, nº 105):

“Dia a dia avulta em importância e complexidade a tarefa do hermeneuta. A interpretação, que outrora parecia água plácida, estagnada, é hoje um mar agitado. Precisa o exegeta possuir um intelecto respeitoso da lei, porém ao mesmo tempo inclinado a quebrar-lhe a rigidez lógica: apto a apreender os interesses individuais, porém conciliando-os com o interesse social, que é superior: capaz de reunir : em uma síntese considerações variadíssimas e manter-se no difícil meio termo - nem rastejar pelo solo, nem voar em vertiginosa altura”.

Ante o tema novo eu me pus a refletir, a estudar e a meditar sobre o mesmo, inclusive com troca de idéias com colegas, até porque meu compromisso é com a minha consciência, e no exercício do meu mister tenho pressa em acertar. Após analisar várias opiniões divergentes daquela que adotamos, : e após outra detida análise da íntegra do referido voto daquele respeitabilíssimo Ministro do STF, : retornei à posição que defendia antes do citado voto do em. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, aqui citado, pelo que, por ora e até que o tema fique melhor delineado a meu convencimento, eu me distancio daquela posição, citada inclusive pelo MM. Juiza quo a f.35-TA, ao prolatar a decisão recorrida. Reformulei meu posicionamento pelos seguintes motivos:

1) A Resolução nº 349/99, de 15 de abril de 1999 (posterior, pois, ao retro citado voto), publicada no “Minas Gerais - Diário do Judiciário”, edição de : 20 de abril de 1999, da Corte Superior do e. Tribunal de Justiça deste Estado, comanda em seu artigo 2º que:

“Na Comarca de Belo Horizonte, :os processos envolvendo matéria de acidentes do trabalho, serão, a partir da vigência desta Resolução,distribuídos exclusivamente para a 31ª Vara Cível, compensando-se esta distribuição, relativamente às demais Varas Cíveis.” (Destaquei).

Data venia, soa no mínimo estranho que o Órgão de Comando do Poder Judiciário neste Estado transforme uma Vara Cível desta Capital em Vara específica para processar e julgar matéria de ACIDENTE DE TRABALHO, e cá chegando a decisão lá prolatada : estaremos a nos dar por incompetentes para o julgamento, com os desdobramentos processuais inafastáveis de tal decisão. Não se trata, renovada vênia, de interdependência entre este Tribunal e o e. Tribunal de Justiça deste Estado, sendo, sim, antes, questão de bom senso.

2) Comanda o artigo 105, I, letra “d”, da CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988:

“Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:

I - processar e julgar, originariamente:

(...)

d) os conflitos de competência entre QUAISQUER TRIBUNAIS...” (Destaquei).

O em. Min. :CARLOS MÁRIO DA SILVA VELOSO, mineiro de boa cepa (como ele próprio costuma definir os que lhe são caros), e que recentemente, para orgulho de todos nós, mineiros, vem de assumir o : honrado cargo de Presidente do Supremo Tribunal Federal, em brilhante palestra sobre o tema “Os Tribunais Federais e a Justiça Federal”, proferida no “II Fórum Jurídico dedicado à Constituição Brasileira”, realizado nos dias 19 a 21 de setembro de 1988 - já ultimada a redação do texto constitucional que entraria em vigência dias após aquelas datas, já trazia que:

“O Superior Tribunal de Justiça, como se vê, será, no Brasil, o guardião maior do direito federal comum. Substituirá, no ponto, o Supremo Tribunal Federal, que será o guardião da Constituição ( art. 102).”

(As palestras foram editadas pela Forense Universitária, com o título “A Constituição Brasileira - 1988 - Interpretações”, sob o patrocínio da Fundação Dom Cabral, estando a citação transcrita à página 246, da 1ª edição, 1988).

Pois bem, ao que sei a posição do eg. Superior Tribunal de Justiça permaneceu inalterada após o voto solitário do em. :Min. SEPÚLVEDA PERTENCE. :Para tanto, mete-se a rol : a ementa do Conflito de Competência nº 22 709, de São Paulo, da relatoria do em. Min. RUY ROSADO DE AGUIAR, :verbis:

“Conflito de competência. Acidente no trabalho. Dano moral. É da Justiça Comum a competência para processar e julgar ação de indenização por acidente no trabalho. O STJ atribuía à Justiça Comum a competência para processar e julgar ação de indenização por dano moral, ainda que a ofensa decorresse da relação de emprego. Porém, recente julgamento do eg. STF, interpretando o art. 114 da CF, reconheceu a competência da Justiça do Trabalho para tais ações. No caso dos autos, porém, o dano moral decorre do fato do acidente, e a parcela que lhe corresponde integra a indenização acidentária, tudo de competência da Justiça Comum. Conflito : conhecido e declarada a competência do Juízo de Direito, o suscitado.” (Destaquei).

(In “Minas Gerais - Diário do Judiciário - Escola Judicial Des. Edésio Fernandes, edição de : 31 de março de 1999).

3) Ao que estou informado, a posição desta Câmara, sobre o tema em comento, como um todo, é isolada neste Tribunal e abertamente minoritária dentre os Juízes que o integram. : (Isso restou detectado com muita evidência no “Encontro Mensal dos Juízes Cíveis deste Tribunal”, : promovido pelo Centro de Estudos Jurídicos Juiz Ronaldo Cunha Campos, realizado em : 21 de maio de 1999, com o tema “ACIDENTE DE TRABALHO - COMPETÊNCIA “- : que teve como brilhante expositor o em Juiz Nepomuceno Silva e, como debatedores, os não menos brilhantes Juízes desta Casa, Maria Elza e Eduardo Andrade).

4) Divergências entre julgadores de um colegiado sempre foram, continuam sendo e serão absolutamente comuns, até porque constituem a essência do julgamento coletivo. Quando, contudo, a divergência atinge Câmaras na sua totalidade, :data venia, o tema carece de uma reflexão, até porque não se admite esteja o sucesso, ou o fracasso, de uma pretensão recursal atrelado única e exclusivamente à distribuição, também porque o tema em comento - competência - é prejudicial dos demais.

5) : Na época em que vivemos, quando e onde mais e mais se busca uma prestação jurisdicional rápida e eficiente, sintonizada com a realidade da vida, olhado o processo cada vez mais como mero instrumento de realização da Justiça, parece-me extremamente séria e grave uma drástica e abrupta redução do lapso prescricional, se declinada a competência para a Justiça do Trabalho, com a necessária e inseparável decretação de nulidade : decorrente dessa decisão.

6) As Súmulas nº 501, do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, e de nº 15, do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, hão que ser consideradas.

7) O voto do em. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, aqui mencionado por mais de uma vez, cuida de dano moral resultante DE RELAÇÃO DE EMPREGO, o que não é necessariamente sinônimo de ACIDENTE NO TRABALHO, e a CLT cuida precipuamente de relação de trabalho.

8) Por maior que seja o respeito que o trabalho do em. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE merece de todos nós (o que é inconteste), a possibilidade de seu voto isolado, que não expressa obrigatória e necessariamente o aval daquele e. Colegiado, por mais brilhante que tenha sido, : alterar todo um entendimento já solidificado, há que ser pensada e repensada, pelos seus sérios desdobramentos. Nesse sentido já disse o mestre :CARLOS MAXIMILIANO (“Hermenêutica e Aplicação do Direito”, Forense, 18ª edição, 1998, página 184):

'Uma decisão isolada não constitui jurisprudência: é mister que se repita, e sem variações de fundo. O precedente, para constituir jurisprudência, deve ser uniforme e constante. Quando esta satisfaz os dois requisitos granjeia sólido prestígio, impõe-se como relevação presuntiva do sentir geral, da consciência jurídica de um povo em determinada época: deve ser observada enquanto não surgem razões muito fortes em contrário:minime sunt mutanda quoe interpretationem certam sumper habuerunt – ‘altera-se o menos possível o que teve constantemente determinada interpretação’”.

9) A Lei : nº 8.984, de 07 de fevereiro de 1995, que “Estende a competência da Justiça do Trabalho - Artigo 114 da Constituição Federal”, não guarda qualquer relação com o tema em comento.

10) Torno ao já citado e sempre respeitado CARLOS MAXIMILIANO, (o.c. agora ainda editada pela Freitas Bastos, 6ª edição, página 193):

“Considera-se o Direito como uma ciência primariamente normativa ou finalística: por isso mesmo a sua interpretação há de ser, na essência, teleológica. O hermeneuta sempre terá em vista o fim da lei, o resultado que a mesma precisa atingir em sua atuação prática. A norma enfeixa um conjunto de providências, protetoras, julgadas necessárias para satisfazer a certas exigências econômicas e sociais: interpretada de modo que melhor corresponda àquela finalidade e assegure plenamente a tutela de interesse para a qual foi redigida”.

Por tudo o que venho de trazer, valendo-me do aval de :HÉLIO TORNAGHI (“A Relação Processual Penal”, Saraiva, 1987, Apresentação, IX), quando traz ele que “não me desculpo de haver mudado porque não me envergonho de raciocinar”, e buscando ajuda com o “Bruxo do Cosme Velho”,MACHADO DE ASSIS, quando, em “Crítica Teatral”, assevera “se estou em erro, é dever dos componentes guia-me à verdade”, hei por bem em, :data venia, rejeitar a preliminar de ofício trazida pelo em. Relator, quanto à incompetência da Justiça Comum.

O SR. JUIZ NEPOMUCENO SILVA:

APELAÇÃO:

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Ab initio, impõe-se a apreciação da preliminar suscitada pela apelante.

PRELIMINAR:

Nulidade da sentença

Ainda que sem o título de prefacial, a apelante inquina de invalidade a sentença, visto que lastreada em perícia que entende nula.

Entendo, :d.v., não lhe assistir razão.

Contudo, a matéria encontra-se jungida ao cerne do :meritum causae, por referir-se ao âmago do conflito, pelo que, sob esse prisma, será apreciada.

Rejeito, :data venia, essa preliminar.

O MÉRITO:

Na exordial, alega a recorrente que trabalhou para a apelada, na função de 'operadora de caixa', tendo sido contratada em 17.05.1993, afastada pelo INSS em 02.04.1996 e aposentada por invalidez em 15.09.1997.

Assevera, ainda, que 'exercendo a função de crediarista, que lhe exigia esforço repetitivo sem ter as condições profissionais adequadas, a autora sofreu a lesão conhecida como LER (Lesão por Esforço Repetitivo), no punho direito, ombro e pescoço, em grau maior, e no braço esquerdo em grau menor'.

Exige a :vexata quaestio demonstração do tríplice pilar ensejador do dever indenizatório: o dano, a culpa e o liame causal.

Observa-se que a apelante, inicialmente, diz ter trabalhado, durante o pacto laboral, como 'operadora de caixa'. Contradiz-se, no entanto, a seguir, ao afirmar que contraiu a LER na função de 'crediarista'.

Essa dicotomia será expungida ao longo do acurado exame dos autos, máxime frente ao laudo pericial, cabendo, antes, aferir a validade deste.

Deferida a perícia médica, as litigantes apresentaram quesitos ao :expert, deixando a apelante de indicar assistente técnico, tendo-o feito somente a apelada, inclusive, constando do laudo pericial, preliminarmente, que

'o advogado da autora comunicou por telefone, antecipadamente, que a autora absteria, durante a perícia, do médico assistente'.

O laudo pericial não merece qualquer censura, pois elaborado criteriosamente, de forma científica e objetiva. Compreensível, sob aspecto econômico : - não, jurídico - : o inconformismo da apelante, visto que a conclusão do perito não dá guarida à sua pretensão, ao contrário, infirma-a de modo veemente.

Dentre os meios de prova, o legislador inseriu a pericial, com a finalidade de esclarecer questão técnica ou científica, imprescindível à convicção do juiz, tanto que este pode determiná-la de ofício, competindo ao :expert examinar, verificar, certificar e comprovar, tendo em vista que toda pretensão atrela-se a alguma : circunstância fática em que se fundamenta.

Não se quer, com isto, caracterizar o procedimento pericial como substitutivo da análise judicial, pois o :expert é um auxiliar da Justiça, cabendo frisar que o juiz o apreciará, livre e fundamentadamente, de conformidade com os fatos e circunstâncias constantes dos autos, nos termos do art. 131, do Código de Processo Civil.

O dispositivo alhures, assim, consagra o acolhimento pelos legislador pátrio, no que tange à valoração da prova, o sistema da persuasão racional ou do livre convencimento motivado, ou seja, aquele

'... em que o juiz forma livremente o seu convencimento, porém dentro de critérios racionais que devem ser indicados' (Ada Pellegrini Grinover, Cândido Rangel Dinamarco e Antônio C. A. Cintra, in Teoria Geral do Processo, 12. ed., São Paulo: Malheiros, 1996, p. 356).

Por conseguinte, o desvalor da perícia tem que se sustentar em argumentos sólidos e convincentes, mormente se realizada com eficiência e esmero, não se inquinando mediante frágeis e parciais alegações.

Dessarte, acresce-se a tais expendimentos, que refuto a hostilização ao laudo, exatamente, porque

'como reflexo do princípio da não adstrição do juiz à prova pericial, deve ele, livremente, formar seu convencimento' (votei: RJTAMG 69/2842).

O histórico ocupacional da apelante dá conta que sua atividade junto à empregadora (apelada) era de 'auxiliar de crediário' : - e não operadora de caixa - colhendo-se de suas informações que aquela consistia em: atendimento pessoal ao cliente e preenchimento de ficha manual de cadastro (abolido este, após um ano, com a chegada de impressora): inclusão dos dados do cliente no computador (procedimento adotado após um ano de trabalho na empresa): consulta a órgãos de proteção de crédito: cálculo dos valores a serem pagos e encaminhamento do cliente ao caixa.

Até aqui, apercebe-se que o serviço da apelante não era repetitivo, mas, ao contrário, era variado e fracionado.

Note-se, também, que a própria apelante informa ao perito que, no balcão de atendimento, cinco funcionários (inclusive ela) preenchiam, em média, oito a dez cadastros de clientes por funcionário, e que 'o tempo médio gasto no atendimento a cada cliente era algo em torno de dez minutos'.

Ora, além do serviço pautar-se em atividades diversificadas e seriadas, resulta que ao longo do dia, admitindo-se o atendimento a dez clientes, a apelante teria trabalhado apenas uma hora e quarenta minutos.

Diz a apelante que preenchia o tempo vago colaborando no caixa, na troca de mercadorias, na venda de calçados, na análise de documentos, no cálculo de notas e no fechamento de malotes, essas últimas atividades, quando 'cobria férias de encarregados de lojas em outras filiais'.

 

Com isto, evidencia-se, ainda mais, a multiciplidade de seus esforços, e não repetição ininterrupta e exaustiva de sua função, impendendo exarar que trabalhava em regime de oito horas, com duas horas de intervalo para almoço, sendo que 'horas extras eram esporádicas'.

Após exame clínico, geral e direcionado (mãos, punhos, cotovelos e ombros), teceu o zeloso perito comentário que, dada relevância médico-jurídica, peço vênia para reproduzir, :verbis:

'Nos últimos anos no Brasil, muitos pacientes têm sido diagnosticados como portadores de LER. Tal fenômeno representa para o nosso país uma importante fonte de incapacidade, ainda não bem entendida, e que tem conseqüências médicas, sociais e econômicas bastante consideráveis. Muitos pacientes diagnosticados como portadores de LER são, na verdade, portadores de síndrome de fibromialgia e miofascial, com múltiplas manifestações clínicas e distúrbios psicológicos importantes.

Trabalhos recentes, redigidos em São Paulo (UNIFESP), comprovaram que dentre 103 (cento e três) pacientes diagnosticados como portadores de LER, 73 (setenta e três) ou seja 70,9% preencheram os critérios para fibromialgia.

No caso em tela, a autora salientou expressivamente durante todo o histórico, que as atividades exercidas na empresa ré eram bastante diversificadas, ficando então o nexo causal descaracterizado no caso em questão. Associado a este fato, o surgimento de dores no antebraço direito se deu em um curto prazo na atividade laborativa da autora (aproximadamente 2 anos). A mesma se encontra afastada do trabalho desde 28.03.1996, ou seja, há mais de três anos e apesar de todos os tratamentos instituídos, não obteve nenhuma melhora do seu quadro. Outro aspecto relevante não ter sido encontrado ao exame físico da autoria, no presente momento, sinais de tendinite e tenossinovite. :Diante dos fatos, pode-se concluir estarmos diante de uma PATOLOGIA DE ORIGEM NÃO OCUPACIONAL.' (grifo e destaque nossos)

Não restou, :d. v., demonstrado o dano, porque, embora existente, não traduz o apanágio de doença ocupacional, pois de cunho etiológico diverso, conforme contundente e conclusivo diagnóstico do perito, médico do trabalho nomeado pelo Juízo, :verbis:

'Após análise do histórico, do exame clínico atual, o perito pôde concluir que :a autora é portadora de Síndrome Miofascial, doença esta que não guarda relação com o trabalho (NÃO É UMA DOENÇA OCUPACIONAL). Não apresenta invalidez no momento.' (grifo e destaque nossos).

A perícia não é contraditória aos fatos e elementos constantes dos autos, nódoa que lhe atribui a apelante somente porque contraria sua pretensão. Nesse sentido, sim, manifesta é a contradição.

Como questionar as condições de trabalho lançadas pelo patrono da apelante na exordial ('sem ter condições profissionais adequadas') se ela própria afirma que :'os mobiliários eram adequados ergonomicamente'.

Com a devida vênia, não foi o relato da apelante fonte daquela primeira assertiva, pois, embora sem conhecimento técnico, ela se sentia bem no ambiente de trabalho, o que, indubitavelmente, conduz a entendimento que este não apresentava situação de desconforto, máxime por não se tratar, também, de esforços repetitivos, dada a diversidade de tarefas executadas. Ademais, acrescente-se, ainda, que não consta no Livro de Inspeção do Trabalho, irregularidade dessa espécie (f. 53-65), sendo que não inviabiliza, como elemento probatório, sua : juntada por cópia não autenticada, mormente por guardar adstrição aos demais elementos constantes dos autos.

Não se infere do compêndio probatório que a apelada tenha pautado culposamente sua conduta, de modo a obrigar-lhe a reparar o dano.

Em epítome, inexistente a doença ocupacional, ausentes a culpa da apelada e, por corolário, : o liame entre a conduta desta e o dano existente (síndrome miofascial, doença sem relação com o trabalho).

Incensurável se mostra a r. decisão, pois formulada com adstrição ao compêndio probatório. Entende a autora-apelante que sua aposentadoria, por si só, garante-lhe o direito à reparação. Todavia, não pode uma decisão administrativa, que otimiza o estado de saúde do segurado, sem adentrar a qualquer meandro doloso ou culposo de quem possa ser responsável por aquilo, impor reboque ao Poder Judiciário, como se coisa julgada fosse. E tal se explica porque, além de provar o dano, impende fazê-lo, também em relação à culpa e ao nexo de causalidade, registrando-se que à decisão administrativa, basta o primeiro, que se refere à incapacidade do obreiro.

Na Apelação Cível n. 313.394-8, da Comarca de Timóteo, em caso símile, assim votei, :verbis:

'Este Tribunal e outros, por inúmeras vezes já decidiram nesse sentido, verbis:

'...Deve, ainda, ser perquerida a culpa, porque sem ela não há indenização, e, como o autor não se moveu para a comprovação de ato culposo, restringindo-se à prova técnica, imprestável para o apontado fim, nega-se a indenização inclusive dos danos materiais e morais, vigorante como se há de ter a Teoria Subjetiva para a reparação. Provido o recurso patronal, improvido o do autor, ex- empregado' (Resp n 270.898-5, TAMG, Juiz Lucas Sávio, junho de 1999).

'Improcede ação de indenização fundada em responsabilidade por ato ilícito na falta da prova da culpa, que constitui um dos pressupostos do dever de indenizar' (TARJ, 4ª C, Rel eminente Juiz Raul Quental, in Revista dos Tribunais, vol. 565, p. 214).

'Indenização de direito comum somente é admissível provado o dolo ou culpa grave do empregador. Não é possível pretender culpa presumida, que concerne a indenização acidentária' (STF, RE-113554, Rel. Min. Neri da Silveira, in JUIS-CD-ROM 19).

'I - Na ação de indenização, fundada em responsabilidade civil comum (art. 159, CC), promovida por vítima de acidente do trabalho, cumpre a esta comprovar dolo ou culpa da empresa empregadora.

II – Somente se cogita de responsabilidade objetiva (sem culpa) em se tratando de reparação acidentária, assim considerada aquela devida pelo órgão previdenciário e satisfeita com recursos oriundos do seguro obrigatório, custeado pelos empregadores, que se destina exatamente a fazer face aos riscos normais da atividade econômica no que respeita ao infortúnio laboral' (STJ, REsp 10570/ES (199100083593), Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, in JUIS-CD-ROM 19).

'A indenização por sinistro laboral movida contra empregador é regida pelo direito comum. A parte ativa, em se tratando de teoria subjetiva da responsabilidade civil, tem o ônus de provar que a outra parte agiu com dolo ou culpa na causação do dano. Ausente prova do nexo causal, a pretensão não pode ser acolhida' (TAMG, Proc. 0242084-0, in JUIS-CD-ROM 19).

'ÔNUS DA PROVA – Para que se configure a responsabilidade civil do empregador, mister se comprove o liame causal que vincule o evento danoso a ação ou omissão da empresa, uma vez que a relação processual derivada do pedido indenizatório alberga o princípio da igualdade das partes, o que afasta prerrogativas em favor da menos favorecida, competindo ao empregado autor o ônus probatório, nos termos do art. 333 do CPC. No mesmo sentido Ap. Civ. 216.715-7, 2ª Câm., Rel. Juiz E. George, 21.05.96, Ap. Cível 214.033-2, 1ª Câm, Rel. H de Andrade, 28.05.96'.

Instada às provas, pediu a pericial (f. 59v) que foi deferida, tanto que nomeou-se o :expert (despacho de f. 71), cujo laudo (f. 89/90) não foi favorável à recorrente, que não indicou assistente.'

Entendo, :rogata venia, que a espécie sob comento não pode ter outro fim que a rejeição ao inconformismo da apelante, pois não se afigura no contexto fático-probatório nenhum : (e bastaria apenas um) dos pressupostos imprescindíveis á obrigação reparatória, i.e., o dano sofrido pela apelante (doença ocupacional), a conduta culposa da empregadora apelada (omissiva ou comissiva), e o nexo de causalidade entre esta e aquele.

Ante tais expendimentos, reiterando vênia, rejeito a preliminar e, no mérito, nego provimento.

Custas, pela apelante, suspensa a exigibilidade por litigar sob o pálio da assistência judiciária (Lei n. 1.060/50, art. 12).

O SR. JUIZ SILAS VIEIRA:

Também rejeito a segunda preliminar, e nego provimento ao recurso de acordo com o em. Juiz Relator.

O SR. JUIZ GOUVÊA RIOS:

Quanto ao mais, acompanho o em. Relator, seja rejeitando a preliminar de nulidade da sentença, seja negando provimento ao apelo.

f.rh.

http://www.direitoemminas.net/ Copiado em 19.05.01

 


TESHEINER, José Maria Rosa Tesheiner. Competência - Ação de acidente do trabalho fundada no direito comum. Revista Páginas de Direito, Porto Alegre, ano 1, nº 37, 15 de Junho de 2001. Disponível em: https://paginasdedireito.com.br/artigos/todos-os-artigos/competencia-acao-de-acidente-do-trabalho-fundada-no-direito-comum.html
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Competência - Ação de acidente do trabalho fundada no direito comum - Encontram-se, no acórdão abaixo, longos e eruditos votos sobre a competência para o processo e julgamento de ações...

Editores: 
José Maria Tesheiner
(Prof. Dir. Proc. Civil PUC-RS Aposentado)

Mariângela Guerreiro Milhoranza da Rocha

Advogada e Professora Universitária

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Excelência em conteúdo jurídico desde o ano de 2000 | ISSN 1981-1578