Formas de Intervenção Restritiva na Propriedade Privada
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Intervenção restritiva na propriedade privada. 2.1 – Aspectos iniciais. 2.2 – Limitação administrativa. 2.2.1 – Conceituação e sentido. 2.2.2 – Fundamentação. 2.2.3 – Características. 2.3 – Ocupação temporária. 2.3.1 – Conceituação e sentido. 2.3.2 – Fundamentação. 2.3.3 – Características. 2.4 – Requisição administrativa. 2.4.1 – Conceituação e sentido. 2.4.2 – Fundamentação. 2.4.3 – Características. 2.5 – Servidão administrativa. 2.5.1 – Conceituação e sentido. 2.5.2 – Fundamentação. 2.5.3 – Características. 2.6 – Tombamento. 2.6.1 – Conceituação e sentido. 2.6.2 – Fundamentação. 2.6.3 – Características. 2.6.4 – Outras formas de proteção. 3. Conclusões. 4. Referências bibliográficas.
“O que sabemos é uma gota,
o que ignoramos é um oceano”.
Isaac Newton
1. Introdução
Intervenção na propriedade privada pode ser definida como sendo toda a estirpe de ação estatal no sentido de, compulsoriamente, suprimir ou limitar direitos dominiais do cidadão proprietário de um bem. Em outros termos, por intervenção do Estado na propriedade pode se entender aquele ato de parte da Administração Pública em que forçosamente restringe ou subtrai direitos dominiais privados ou submete o usufruto de bens dos particulares a uma destinação de interesse público. Todavia, esta intervenção estatal não é feita de modo despótico, injustificado, ou mesmo por meio de decisões visando interesses próprios dos agentes públicos. Tanto é verdade, que o procedimento de intervenção na propriedade é regrado por lei, estando, inclusive, preconizado na Constituição Federal. Sendo assim, qualquer tipo de atuação do Poder Público que tenha o intuito de passar por cima destes parâmetros impostos pelo Legislativo torna a ação interventiva viciada, ipso facto, estaremos diante de um ato administrativo nulo e inconstitucional, pressupondo a responsabilização do agente público pela flagrante ilegalidade cometida.
Ora, é lição comezinha o fato de que a intervenção do Estado na propriedade particular tem como fundamento precípuo a proteção aos interesses da comunidade. Outrossim, os particulares devem submeter-se ao poder de império consubstanciado na força imbuída de juridicidade que comporta o ato interventivo, estando este, demonstrado pela própria soberania da Administração Pública.
A Magna Carta abarca a intervenção do Estado na propriedade particular em alguns dos seus diversos dispositivos. Caso a propriedade privada não cumpra sua função social, a Administração Pública obtém o direito de nela intervir, in facie do disposto nos artigos 5º, XXIII (atendimento à função social) e 5º, XXII (garantia do direito de propriedade), da Constituição Federal do Brasil. Destarte, coage-se o proprietário a honrar esta determinação constitucional, sob pena de sofrer conseqüências mais gravosas no tocante ao uso do seu imóvel. O supedâneo jurídico à intervenção também é proporcionado pelo artigo 5º, XXV, da Lei Maior do Brasil, o qual prevê o uso da propriedade privada pelo Estado nas situações de iminente perigo público, estando assegurada a indenização ulterior, caso haja dano.
Não se pode olvidar o artigo 182, § 2º, da Lei Fundamental, este que preconiza o atendimento às exigências intrínsecas de ordenação do município descritas no plano diretor, devendo a propriedade urbana honrar sua função social. No que tange a esta política urbanística adotada, quem diz o Direito é o plano diretor da cidade que, automaticamente, haverá de defrontar-se com os interesses dos particulares detentores das propriedades, em discussões judiciais que possa, vir à tona.
Há de se destacar, ainda dentro do rol de dispositivos constitucionais com vistas para a intervenção estatal na propriedade, o que preleciona o artigo 170 da Lei Fundamental do Brasil. Este artigo assegura e reconhece a propriedade particular e a livre empresa, limitando o exercício destas ao bem estar social. A Administração Pública impõe limites e normas, para o gozo e o usufruto dos bens e riquezas privadas. O Estado intervém na propriedade do cidadão por intermédio de atitudes que objetivam a satisfação das exigências da coletividade e coibir a conduta anti-social do particular. Essa intervenção estatal é instituída pela Constituição Federal do Brasil e regulada por leis federais que disciplinam as medidas interventivas e estabelecem a forma de sua execução, condicionando ao atendimento do interesse público, mas respeitando as garantias individuais elencadas na Magna Carta.
Mesmo que não esteja arrimada na Constituição Federal, não há como suprimir deste embate jurídico, em razão da sua inestimável importância, a Lei nº. 10.257, de 10 de julho de 2001, também afamada no âmbito doutrinário como Estatuto da Cidade. :Esta lei visa a consolidação do Plano Diretor das Cidades, para municípios com população acima de vinte mil pessoas, ao mesmo tempo em que concede ao Município o direito de instituir uma Política de Desenvolvimento Urbanístico muito mais dinâmica e eficaz, além de dar origem a novos institutos jurídicos. O Estatuto da Cidade regra a propriedade urbana objetivando o bem da coletividade, o bem-estar do Município, a segurança e o equilíbrio ambiental.
Nesta mesma linha de pensamento, cabe salientar que o bem estar social é o bem comum e geral da população, e este bem estar social é a finalidade da justiça social e só pode ser alcançado por meio do desenvolvimento da sociedade. Para propiciar esse bem estar social, a Administração Pública pode intervir na propriedade particular, amparando o interesse público e garantindo os direitos individuais, desde que respeite as normas legais e os atos administrativos atribuídos a cada entidade estatal.
De outra banda, quem detém a competência para intervir na propriedade é a União Federal, consoante artigos 22, II e III, e 173, da Constituição Federal. O Poder federal regula materialmente o direito de propriedade e os Poderes estadual e municipal exercem apenas o policiamento administrativo e a regulamentação do uso da propriedade, conforme as normas editadas pela União. Ora, a intervenção na propriedade privada fundamenta-se na utilidade pública, na necessidade pública e no interesse social, devendo vir, por conseguinte, preconizado em lei de cunho federal que autorize tal ato. A intervenção pode ser praticada pela União, Estados e Municípios, conforme artigo 170, III, da Magna Carta, entretanto, as disposições legais de intervenção são privativas da União.
O Poder Público, nesta ação interventiva, chega a subtrair a propriedade privada para dar-lhe uma destinação pública ou de interesse social, por meio da expropriação (única forma de intervenção supressiva na propriedade, a qual não será discorrida neste texto jurídico): ordenar socialmente seu uso, por intermédio de servidões e limitações e administrativas: ou para acudir a um caso de iminente interesse público, através da requisição: ou, ainda, usufruir temporariamente do bem privado mediante uma ocupação temporária, como veremos a seguir.
2. INTERVENÇÃO RESTRITIVA NA PROPRIEDADE PRIVADA
2.1 Aspectos Iniciais
O presente capítulo abarcará brevemente os meios de intervenção restritiva na propriedade de particulares, quais sejam: limitação administrativa, ocupação temporária, requisição, servidão administrativa e tombamento. Os institutos supra referidos serão motivados por intermédio de uma estrutura hierárquica bem definida, destacando-se, em ordem, seus conceitos e sentidos, fundamentações e características.
2.2 Limitação Administrativa
2.2.1 Conceituação e Sentido
Figura jurídica genericamente prevista no art. 5º, XXIII, da Constituição Federal e, individualmente, em diversos dispositivos espalhados na Legislação, quando de uma definição trivial que discipline sua prática, a limitação administrativa traduz-se na mais aprazível modalidade de intervenção do Estado na propriedade. Na letra de Moreira Neto: “pode-se conceituá-lo como intervenção ordinatória abstrata e geral do Estado na propriedade e na atividade privada, limitativa do exercício de liberdades e de direitos, gratuita, permanente e indelegável1”.
Importante colacionar, também, a definição elaborada pelo insigne Carvalho Filho:
Limitações administrativas são determinações de caráter geral, através das quais o Poder Público impõe a proprietários indeterminados obrigações positivas, negativas ou permissivas, para o fim de condicionar as propriedades ao atendimento da unção social2.
Por obrigação positiva entende-se um agir, um fazer, tomar uma atitude (obrigação de o proprietário parcelar ou edificar compulsoriamente sua propriedade, v.g.). Obrigação negativa é o contrário da positiva, pressupondo um ato omissivo, um não fazer, a não execução de um movimento (a não construção de uma garagem, fora dos limites do terreno correspondente no Registro de Imóveis, v.g.). E, por fim, tem-se a obrigação permissiva, a qual sugere a tolerância do dominus em face de uma ação administrativa (entrada de agentes em residências para verificar se a rede de esgotos está nas condições admitidas pela lei, v.g.). Essas limitações não são absolutas e nem arbitrárias, encontrando seus lindes nos direitos individuais assegurados pela Magna Carta. Podem servir como complementações às limitações civis, versadas no Código Civil Brasileiro, como “Direitos de Vizinhança”.
Com a limitação administrativa, a meta a ser atingida pelo Poder Público é a de fazer as propriedades honrarem a real função social que delas é exigida em lei, mesmo que para isso seja obrigatória a tomada de certas medidas em favor de interesses unilaterais dos particulares que detém o dominium. Essa forma de restrição da propriedade privada não postula qualquer tipo de obra ou serviço público. Resultantes do ius imperii da Administração Pública, as limitações administrativas não suprimem o bem imóvel do patrimônio pessoal do seu proprietário, mas têm poderes para adaptá-lo, no sentido de cumprir aquilo que for relevante para o interesse da coletividade. Neste caso, a coação ao proprietário é admitida, eis que não constitui abuso de poder pelo fato de o Estado estar no estrito cumprimento de suas prerrogativas administrativas.
Cumpre salientar que o Estado manifesta a sua vontade por meio das limitações administrativas na forma de lei ou por atos administrativos normativos. Diversamente das outras modalidades de intervenção, esta apresenta um caráter geral, muito mais amplo. Isso ocorre porque estas limitações não recaem apenas sobre um bem imóvel específico (como nas outras), mas sobre um conjunto de vários bens em que a identificação não tem qualquer relevância. Fato é que se trata de uma intervenção eivada de evidente “indeterminabilidade”, eis que os atingidos pela limitação administrativa (tanto imóveis como seus respectivos donos), dada a sua vastidão, não são detectáveis.
A diferenciação entre “restrição” e “limitação” do direito, centro de muitas discussões doutrinárias, é um assunto que também merece valoração para a devida compressão da matéria. Há duas correntes no que tange a este tema: a primeira é formada por aqueles doutrinadores que entendem como sendo restrição e limitação palavras sinônimas, e a segunda por aqueles que tratam a limitação como um fato jurídico distinto da restrição, embora tenha algumas semelhanças. O saudoso Lanziano, bem conceituado administrativista uruguaio, ensina que:
(...) si el derecho de propiedad se restringe, es porque ya fue limitado: si nunca se había limitado, no se podría restringir: si alguna vez fue limitado, no se podría limitar nuevamente, puesto que la nueva limitación no seria tal, sino restricción. Además, etimológicamente, una de las acepciones de restringir, es limitar3.
A mesma ideologia de Lanziano é partilhada por Bielsa, Marcello Caetano e outros, porém, de outra banda, partidários da corrente contrária a esta, tais como Carvalho Filho, Bauza Araújo e Cretella Júnior, afirmam que há sensíveis diferenças entre a restrição e a limitação. Para eles, a limitação compõe o bojo do direito, eis que o Direito de Propriedade é limitado pelo ordenamento legal em sua esfera jurídica, enquanto a restrição diz respeito ao exercício das faculdades intrínsecas ao bojo do direito.
Em resumo, limitações administrativas são aqueles atos legislativos ou administrativos de cunho geral, que abrangem um grupamento de imóveis, fornecendo os contornos relativos ao próprio direito de propriedade.
2.2.2 Fundamentação
Os fundamentos que motivam o Estado a limitar administrativamente um bem imóvel não destoam daqueles que dão guarida aos demais meios de intervenção na propriedade privada. Novamente faz-se alusão ao disposto nos arts. 5º, XXIII e 170, III, da Constituição Federal, o qual impõe a predominância do interesse público sobre o particular — em respeito ao Princípio da Supremacia do Interesse Público — sendo cumprida, ipso facto, a função social da propriedade.
Não obstante, é de suma relevância que seja exarada a questão acerca de um fundamento muito destacado pelos doutrinadores que lecionam a matéria: o Poder de Polícia. Visando sempre o interesse público, o Poder de Polícia encerra o exercício de atos administrativos que condicionam e limitam a propriedade e a liberdade. Nestes termos, é mister trazer à baila a contribuição de Zanella Di Pietro:
Sendo medidas impostas pelo Poder de Polícia do Estado, com fundamento no Princípio da Supremacia do Interesse Público, não cabe ao particular qualquer medida, administrativa ou judicial, visando impedir a incidência da limitação sobre o imóvel de sua propriedade: o Estado age imperativamente, na qualidade de Poder Público, e somente poderá sofrer obstáculos, quando a Administração aja com abuso de poder, extravasando os limites legais4.
Cabe ao proprietário, in casu de haver abuso de autoridade, postular em juízo indenização, além de colocar-se em posição de desacordo quanto à limitação que foi feita em cima de sua propriedade.
2.2.3 Características
Um dos maiores especialistas no assunto, Bielsa enumera os caracteres principais da limitação administrativa, a qual ele chama de “restricciones impuestas a la propiedad en razón del interes público”, ao mesmo tempo que faz um comparativo com outros meios interventivos:
1º Como las servidumbres, las restricciones imponen una obligación de ‘no hacer’ o ‘de dejar hacer’: se trata más precisamente de una ‘tolerancia’ a la actividad administrativa. 2º Las restricciones son ilimitadas en número y en clase, bien entendido que continuán siendo y llamandosé tales em tanto concilian el ejercicio del derecho público o administrativo con el derecho privado: cuando la limitación de la propiedad restringe el uso y goce normal de la cosa a punto de afectar la plenitud de este derecho, la restricción deja de ser tal para convertirse em servidumbre o, según los casos, expropiación. 3º Las restricciones, pues, no dan lugar, en principio, a un derecho de indemnización, ya que elllas, no son sino una carga general impuesta a todas las propiedades, toda vez que tratarse de una condición inherente al derecho de propriedad, cuyo contenido normal se delimita por las leyes5.
Salienta-se que não há razão jurídica para que seja paga aos proprietários de imóvel limitado administrativamente um valor como meio de ressarci-los pecuniariamente. Indenizabilidade haverá somente em caso de prejuízo provocado pela Administração ao dominus6 , até porque, limitações administrativas pressupõem imposições de ordem geral a todas as propriedades. Fora este caso, o particular não detém qualquer tipo de jus reivindicandi no que tange a uma futura indenização resultante de restrição administrativa em razão de interesse público. Repisa-se que, por se tratar de medidas gerais, essa forma de intervenção abarca uma variedade indeterminada de propriedades, não visando um bem imóvel em especial.
Por fim, não se pode omitir desta análise sobre o instituto da limitação administrativa, a sua distinção ante outros modais interventivos (mencionada rapidamente na citação de Bielsa supra). A limitação não se confunde com a servidão administrativa, eis que nesta última existe a possibilidade de indenização ao dono da res. Se de um lado a servidão visa bens determinados e corretamente descritos, a limitação visa bens indetermináveis. Os bens não se sujeitam ao ônus real de uso por parte da coletividade ou mesmo pelo Poder Público. A contrario sensu, na comparação com a desapropriação as diferenças são duas, a saber: primeiramente, enquanto na limitação tem-se a imposição de uma obrigação limitando o bem do particular, na expropriação tem-se a retirada deste bem do patrimônio privado: já a segunda distinção é que, via de regra, na limitação não existe a possibilidade de indenização em face da restrição do bem, por outro lado, a expropriação exige que seja paga ao proprietário uma indenização prévia e justa como meio de “compensar” a perda da res.
2.3 Ocupação Temporária
2.3.1 Conceituação e Sentido
O conceito de ocupação temporária é muito inexato, de difícil apreciação, eis que a doutrina se mostra extremamente divergente no que tange a sua apreciação, em comparação com outros institutos interventivos de propriedade. Não há unanimidade (doutrinária, jurisprudencial e positiva) quanto aos elementos norteadores da ocupação temporária, seu sentido e objeto. Por isso, usar-se-á a opinião da doutrina majoritária, para que o risco de imprecisão seja reduzido ao máximo possível.
A posição de Di Pietro, no que concerne à definição da figura jurídica em tela, é a seguinte:
Ocupação temporária é a forma de limitação do Estado à propriedade privada que se caracteriza pela utilização transitória, gratuita ou remunerada, de imóvel de propriedade particular, para fins de interesse público7.
O argentino Dromi não se distancia muito dos parâmetros delimitados por Di Pietro ao conceituar a ocupação temporária, senão vejamos: “Es el derecho real administrativo, titularizado por un ente público, por el que adquiere, por razones de interes público, en forma transitoria o provisional, el uso y goce de un bien, de persona no estatal8”.
As discrepâncias entre as lições dos estudiosos da matéria começam a tomar forma no instante em que se passa a analisar o regime da ocupação provisória (como também é chamado o meio de intervenção estatal em apreço, face ao seu caráter não definitivo).
É inegável que esta forma de intervir na propriedade de particulares possui um regime semelhante ao da requisição. Para D’Andréa, trata-se de uma modalidade de requisição, até porque, o perigo público mostra-se presente9. De outro canto, o saudoso Seabra Fagundes, ao comparar a desapropriação com a ocupação temporária aduz que:
A imissão a título provisório não se confunde com a ocupação temporária, de que trata a lei expropriatória no art. 36. Então só pode incidir sobre os terrenos não edificados, vizinhos às obras e necessários à sua construção, enquanto aquela é ilimitada no seu objeto, podendo abranger quaisquer bens em vias de expropriamento10 [não sublinhado no original].
Ora, a meta da ocupação provisória é facilitar a realização de obras públicas, enquanto que a imissão provisória tem por escopo a emergente disposição da res pela Administração, para o seu uso instantâneo nos fins projetados pela desapropriação. Ademais, na desapropriação (após a posse temporária) tem-se a concretização da retirada do bem do dominium privado, ao passo que na ocupação (após a limitação temporária) tem-se o retorno do bem ao dominium privado.
Outra parte da doutrina coaduna no sentido de que a ocupação provisória é uma servidão legal ou temporária. Com efeito, não há como enquadrar a ocupação nos padrões de uma servidão, eis que aquela é sempre de cunho provisório, ao revés desta, que é de cunho permanente. Nossa opinião corrobora na mesma linha de pensamento elucidada pelos eminentes Seabra Fagundes11 e, principalmente, Moraes Salles, quando afirma que “afigura-se-nos, pois, diante de nossa lei e a exemplo do que ocorria com a antiga legislação portuguesa, ter a ocupação temporária a natureza de um arrendamento forçado12”.
Pode-se citar como exemplos de ocupação temporária a segurança de portos e suas instalações (em casos de greve, manifestações, desordem, etc.), a ocupação de edifícios particulares para o depósito de equipamentos e materiais com vistas para a votação em época de eleições (art. 135 e §§ da Lei nº. 4.737, de 15 de julho de 1965), o caso de monumentos arqueológicos e pré-históricos elencado nos arts. 13 e 14, da Lei nº. 3.924, de 26 de julho de 1961, a ocupação e uso temporário de bens e serviços públicos quando houver calamidade pública, entre outros.
Toda vez que o Poder Público causar dano (comprovado) ou prejuízo à propriedade de algum particular, ao ocupar esta provisoriamente, deverá ressarci-lo pecuniariamente.
2.3.2 Fundamentação
Tal como a limitação administrativa, a ocupação provisória também não difere da fundamentação genérica atribuída aos outros modais da intervenção estatal na propriedade privada. Com arrimo nos arts. 5º, XXIII e 170, III, ambos da Lei Fundamental do Brasil, a propriedade terá de cumprir a sua função social, in casu por meio de atos da Administração Pública, visando o i interesse da coletividade.
A fundamentação específica da ocupação temporária encontra-se inserida no art. 36, do Dec-lei 3.365/4113. Este dispositivo legisla sobre expropriação em razão de utilidade pública, mas como a lei mostra-se lacunosa ao abordar o instituto da ocupação provisória, deve-se fazer a devida interpretação do art. 36, da Lei das Desapropriações. Resta salientar que não se trata do único tipo de ocupação provisória. É, sim, uma espécie de possibilidade de uso de bens imóveis (na maioria das vezes particular) pelo Estado.
2.3.3 Características
A figura jurídica da ocupação temporária possui duas modalidades distintas, porém iguais no que toca ao cerne deste instituto (que é o uso temporário de imóvel particular, pela Administração, para o cumprimento do fim público). Segundo Carvalho Filho14 :
Uma delas é a ocupação temporária para obras públicas vinculadas ao processo de desapropriação, esta a prevista no art. 36 da lei expropriatória. A outra é a ocupação temporária para as demais obras e para os serviços públicos em geral, sem qualquer vínculo com o processo de desapropriação executado pelo Estado15.
Quanto à indenização, o proprietário não faz jus à ela quando da ocupação sem vínculo expropriatório. Terá o direito à indenização apenas o particular que tiver o seu bem danificado ou alterado (em razão da ocupação), se comprovado for o dano. A contrario sensu, se for caso de ocupação para obras públicas vinculadas ao processo de expropriação, o Poder Público terá de indenizar o dominus em face do uso da res.
No que se refere à questão da instituição da ocupação provisória, no caso da modalidade com vínculos expropriatórios, o ato formal de instituir (seja via decreto de desapropriação ou decreto especial do Chefe do Poder Executivo) se mostra conditio sine qua non para a sua perfectibilização. Isso se deve ao fato de que a ocupação se alargará por prazo sensivelmente maior do que o conveniente à ocupação breve, além de ter que ser indenizada, conforme já foi repisado no art. 36, da Lei das Desapropriações. Já o tratamento dado à ocupação sem vínculos expropriatórios é diferente. A atividade, neste caso, é auto-executória, dispensando ato formal. A servidão não retira a propriedade, mas exige ato declaratório. Exemplos disso são os serviços eleitorais (nos quais a formalidade fica restrita a um ofício, avisando a hora e a data em que se dará a utilização da propriedade, proveniente da autoridade judicial) e o uso de terrenos baldios para a alocação de equipamentos e máquinas.
Cumpre salientar que a extinção da ocupação se aufere a partir do momento em que se deu por concluída a obra ou serviço público. Extingue-se o feito, em havendo a extinção da causa. Nesse sentido, o eminente Moraes Salles ensina que:
A ocupação temporária não deve durar mais do que o tempo necessário à execução das obras em razão das quais foi autorizada. Se a ocupação perdurar além do que for lícito, caberá ao proprietário ou ao legítimo possuidor o uso da ação de reintegração de posse (arts. 924, 926 e ss do CPC). É que, nesse caso, a ocupação temporária deixa de ser legítima, passando a constituir verdadeiro esbulho [sendo plenamente cabível o pedido de perdas e danos]16.
Derradeiramente, fazendo uma síntese das características típicas do instituto em análise, e defrontando estas com as dos outros meios de se intervir na propriedade privada, é possível chegar a algumas deduções lógicas. A constituição da ocupação provisória, v.g., se dá quando houver necessidade de realização de serviços e obras públicas comuns (tratamento igual ao da servidão administrativa), ao passo que a requisição pressupõe perigo público iminente. Outro ponto no qual a ocupação tem tratamento igual ao da servidão é quanto a sua incidência. Ambas as figuras jurídicas incidem sobre bens imóveis, ao contrário da requisição, que visa serviços, bens imóveis e móveis.
De mais a mais, há também características em comum entre a requisição e a ocupação. É o caso do caráter não-real do direito tutelado por ambos os fatos jurídicos, o que não ocorre na servidão, na qual predomina o direito real. A transitoriedade é outra qualidade que a ocupação temporária e a requisição têm em comum. Em contrapartida, a servidão apresenta uma natureza permanente.
Por fim, no tocante ao ressarcimento pecuniário, este irá variar consoante o tipo de ocupação (assunto já frisado, mas que é fundamental reiterar a sua relevância). No caso de ter (a ocupação) vínculo com expropriação, a indenização deverá ser paga ao proprietário do bem: se for o caso de não ter essa espécie de vínculo, só será indenizado o proprietário que tiver prejuízo comprovado. Urge-se que esse dano deve ter sido ocasionado em razão do ato administrativo. Entretanto, tanto na servidão como na requisição, a indenização poderá se fazer presente ou não, como no caso do segundo tipo ocupacional, porém, diferentemente do primeiro tipo, em que haverá necessariamente o pagamento desse valor “compensatório”.
2.4 Requisição Administrativa
2.4.1 Conceituação e Sentido
Alhures, a figura jurídica da requisição administrativa era aplicada somente em dois casos específicos: quando da existência de manifestações ou quando da incidência de guerra. Nos dias de hoje, serve para intuitos civis e militares, estando inserida no ramo do Direito Administrativo. Fato é que, normalmente, o Poder Público depara-se com situações de emergência, nas quais o uso de serviços ou bens particulares (tanto móveis como imóveis) é essencial para a resolução devida do ocorrido. A requisição evita o processo de desapropriação. Ora, é consabido que o processo expropriatório normalmente perdura por muito tempo, assim, tendo em vista a extrema importância dos casos passíveis de requisição — todos necessitando de uma atitude imediata por parte da Administração — tem-se a exigência inafastável de ter que optar pela requisição. Em face desses problemas enfrentados pelo Estado, sempre tendo que atender coerentemente a alta demanda da sociedade, a Constituição Federal criou a oportunidade de utilização de bens privados, independentemente de qualquer ato volitivo dos seus respectivos donos, para melhor resolver esta problemática. Deste modo, “será inconstitucional a lei que, a título de regulamentar este dispositivo, venha a ampliar-lhe o âmbito de incidência permitindo o uso da propriedade privada, sem a satisfação dos pressupostos constitucionais17”. Vale lembrar que o art. 5º, XXV, da Carta Política de 1988 é imprescindível para clarificar esta questão, como se percebe pelos termos que seguem: “no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano”.
O administrativista Diógenes Gasparini discorre sobre o significado da requisição afirmando que “pode ser definida como a utilização, quase sempre transitória e auto-executória, pela Administração Pública, de bens particulares, mediante determinação da autoridade competente, com ou sem indenização posterior, em razão ou não de perigo público18”. Não obstante, o renomado jurista Hely Lopes Meirelles também dá a sua contribuição, no seguinte sentido:
Requisição é a utilização coativa de bens ou serviços particulares pelo Poder Público por ato de execução imediata e direta da autoridade requisitante e indenização ulterior, para atendimento de necessidades coletivas urgentes e transitórias19. [grifo do autor]
A requisição civil visa a evitar danos à vida, à saúde e aos bens da coletividade: a requisição militar objetiva o resguardo da segurança interna e a manutenção da Soberania Nacional. Ambas são cabíveis em tempo de paz, independentemente de qualquer regulamentação legal, desde que se apresente uma real situação de perigo público iminente20.
Urge aclarar que a requisição não pode ser usada ao bel prazer do administrador público, conforme o arbítrio dele. Vital é que haja a existência de iminente perigo público, porém, não um perigo qualquer, mas um “perigo que não somente coloque em risco a coletividade como também que esteja prestes a se consumar ou a expandir-se de forma irremediável se alguma medida não for adotada21”. São exemplos deste perigo iminente as catástrofes ocasionadas por furacões, terremotos, ciclones, maremotos, inundações, desabamentos, as epidemias, entre outros fatores assemelhados.
2.4.2 Fundamentação
Bem como ocorre na limitação administrativa e na ocupação temporária, a requisição administrativa também não foge da fundamentação genérica pertinente aos outros meios de intervenção do Estado na propriedade de particulares. Repisando-se, a propriedade é condicionada à necessidade de ter que atender a sua função social, embasada nos moldes propostos pelos arts. 5º, XXIII e 170, III, da Constituição Federal. Contudo, a Magna Carta Brasileira disponibiliza, também, uma fundamentação específica para este instituto. Reza o art. 5º, XXV, da Constituição, que “no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano”.
Contanto que presentes os requisitos legais e constitucionais convenientes, terá legitimidade para praticar atos de requisição todas as autoridades de pessoas políticas. Todavia, quanto à legitimidade para legislar, a regra não é a mesma. O art. 22, III, da Lei Fundamental22 impõe que apenas a lei federal poderá regular requisições civis e militares. Por conseqüência óbvia, recai à União Federal a incumbência exclusiva de legislar sobre a matéria.
Outros estatutos jurídicos que prevêem a requisição são os seguintes: o atual Código Civil (art. 1.228, § 3º)23, o Dec-lei nº. 4.812, de 8 de outubro de 1942, o Dec-lei nº. 2, de 14 de janeiro de 1966 e a Lei Delegada nº. 4, de 26 de setembro de 196224.
2.4.3 Características
O fim a que se dedica a requisição é de sempre privar pela preservação da sociedade contra casos envolvendo perigo iminente. Seu objeto é bem lato, ao passo que abarca serviços particulares, bens móveis e imóveis. Caso não esteja perfectibilizada a situação de perigo iminente, poderá o dominus do bem recorrer às vias judiciais para que seja decretada a invalidação do ato administrativo.
Quanto à indenização, como ocorre nas limitações e nas servidões administrativas, o proprietário só adquirirá direito a ela se o ato da Administração Pública tiver acarretado danos ou prejuízos ao bem do particular. Assim, “a indenização ocorrerá a posteriori e não implicará perda da propriedade (mas simples utilização), devendo abranger, porém, todos os danos e prejuízos com base no princípio de utilização de propriedade alheia25”. Em não havendo prejuízo, não há falar em ressarcimento pecuniário.
A instituição da requisição se concretiza tão logo a situação de perigo iminente seja verificada, razão pela qual, o ato estatal que a formaliza independe de decisum proveniente do Poder Judiciário. Sendo assim, é esse ato auto-executório da Administração que constitui a intervenção estatal na propriedade privada por meio da modalidade de requisição administrativa, cabendo ao administrador a prerrogativa (e ou pode jurídico) de avaliar o caso e determinar se está presente o fator intrínseco do perigo público iminente. In casu de haver ausência deste pressuposto, o magistrado competente poderá invalidar o ato em razão da existência de vício de legalidade (conforme já foi mencionado), mas jamais mudar o conteúdo da manifestação volitiva do administrador.
De outra banda, ao se desfazer a situação de iminente perigo público, tem-se a instantânea extinção da requisição administrativa, razão pela qual, este instituto tem a característica de ser transitória. Essa modalidade interventiva não goza de caráter definitivo. Ela vai durar apenas o tempo devido para que cesse o iminente perigo público.
No caminho perfilado, vale tecer algumas considerações acerca da confrontação da requisição com outras formas de intervenção do Estado na propriedade privada. Comparando a requisição administrativa com a expropriação, Bandeira de Mello26 elenca seis diferenciações: 1) A requisição se refere a bens e serviços, ao passo que a desapropriação apenas a bens: 2) A requisição preordena-se tão somente ao uso da propriedade, enquanto que a desapropriação é volvida à aquisição dela: 3) A requisição decorre de necessidades transitórias, já a desapropriação é suscitada por necessidades permanentes da coletividade: 4) A requisição é auto-executória, a desapropriação, diferentemente disso, para se efetivar depende de acordo ou, na falta deste, procedimento judicial: 5) A requisição supõe, em geral, necessidade pública premente, porém, a desapropriação supõe necessidade corrente, usual: 6) A requisição pode ser indenizada a posteriori e nem sempre é obrigatória, enquanto a desapropriação é sempre indenizável e exige indenização prévia (salvo nas hipóteses dos arts. 182, § 4º, III e 184, da Constituição Federal).
Finalmente, defrontando a requisição com a servidão administrativa, é possível citar as seguintes distinções: 1) Na requisição, a indenização, caso haja, é ulterior, ao passo que na servidão, embora também condicionada, é prévia: 2) Requisição é direito pessoal do Poder Público, enquanto a servidão é direito real: 3) A requisição se caracteriza por ser transitória, já a servidão por ser definitiva: 4) Enquanto a requisição tem incidência sobre serviços, bens móveis e imóveis, a servidão incide somente sobre bens imóveis: 5) O objeto da requisição é o iminente perigo público, em contrapartida, a servidão não tem essa exigência.
2.5 Servidão Administrativa
2.5.1 Conceituação e Sentido
A servidão administrativa originalmente foi criada no Direito Romano, base do ordenamento jurídico vigente no Brasil. Trata-se de um dos direitos reais mais antigos, tendo aparecido, pela primeira vez, no Período Clássico sob a designação de servidão predial, também chamada de iura praediorun (ou direito dos prédios). Por um vasto lapso temporal, a servidão foi estruturada especificamente dentro do direito privado que, aliás, vem sendo fundamentada doutrinariamente desde a época do Direito Romano, ao passo que o direito público somente há pouco mais de cem anos tornou-se ramo das Ciências Jurídicas e Sociais, com autonomia reconhecida.
Inobstante, é curial que não se cometa a heresia de enquadrar este instituto como sendo de exclusividade do direito privado. A servidão administrativa é um meio interventivo que se mostra presente tanto no direito privado, como no direito público, tendo em cada um destes ramos o seu regime jurídico próprio e determinado.
Feitas as devidas ressalvas preambulares, passamos agora ao exame do significado da servidão administrativa. Na letra de Maria Sylvia Zanella Di Pietro:
Pode-se defini-la como um direito real de gozo sobre coisa alheia, instituído em benefício de entidade diversa da sacrificada. Existe, do lado passivo, uma coisa serviente e, do lado ativo, uma coisa dominante ou uma pessoa: o conteúdo é uma utilidade prestada pela primeira à segunda27 [não sublinhado no original].
Sem fugir dos principais pontos delineados por Di Pietro, o conceito de servidão lecionado pelo jurista português Marcello Caetano alude sinteticamente que “por servidão administrativa entendemos o encargo imposto por disposição da lei sobre certo prédio em proveito da utilidade pública de uma coisa28”.
Assim, “para compreender-se bem esse direito real (público) sobre cousa alheia, cumpre saber que a palavra deriva do latim servus, “escravo”, como a querer demonstrar a submissão da cousa pertencente ao titular, a outrem, retirando daquele a plenitude de seu domínio29”. Disso depreende-se que a Administração Pública não toma a propriedade privada, mas sim, impõe a esta uma onerosidade real de uso, restringindo-a quanto a sua utilização por parte do proprietário. Daí porque diz respeito a um direito real publicista, eis que é um direito garantido ao Poder Público em para melhor atender as questões de interesse da coletividade.
Outrossim, não se pode confundir servidão administrativa (ou pública) com servidão privada, mesmo que seus núcleos sejam os mesmos30. Isso porque a servidão privada está sujeita ao ramo do direito privado, enquanto a administrativa ao ramo do direito público. Além disso, a servidão privada objetiva o interesse particular, já a administrativa tem como escopo o interesse público: nas servidões públicas pode haver obrigações de fazer (cortar árvores, podar o mato, etc.), ao passo que nas particulares há somente de deixar fazer, permitir: as públicas podem gravar bens do domínio público (de outras entidades), mas as privadas não: igualmente, as públicas não se extinguem via prescrição, mas as privadas sim. Gize-se que a servidão privada tem fulcro nos arts. 1.378 usque 1.389, do Código Civil de 2002, o mesmo não ocorre com a pública, que tem previsão na Constituição Federal e na Lei Geral das Desapropriações.
Em sentido amplo, citam-se como exemplos mais corriqueiros de servidão pública os que se seguem: a colocação de placas em prédios particulares contendo nome de ruas, avenidas e ou travessas, a colocação de ganchos para o sustento de fios da rede de eletricidade, a implantação de oleodutos e gasodutos em áreas particulares com o intuito de executar serviços públicos e a instalação de redes elétricas, entre outros casos. Volta-se a repisar, por meio dos exemplos trazidos à baila, o fato de que a servidão não resulta na perda da propriedade ao particular, mas tão somente à restrição da parcela desta, conveniente ao desenvolvimento de serviços públicos.
2.5.2 Fundamentação
A servidão tem a sua fundamentação geral arrimada nos mesmos dispositivos que confortam a intervenção do Estado na propriedade, quais sejam, os arts. 5, XXIII e 170, III, da Lei Fundamental do Brasil. Consoante já foi asseverado nos fundamentos das outras modalidades de intervenção estatal, aqui, da mesma forma, a propriedade deverá cumprir a sua função social, e o Princípio da Supremacia do Interesse Público deverá ser honrado, prevalecendo o interesse público sobre o privado.
Todavia, inexiste uma norma que preveja este instituto especificamente. Na ausência deste enquadramento especial, usa-se como referência o art. 40, do Dec-lei 3.365/4131, que regulamenta as expropriações em razão de utilidade pública. Por se tratar de diploma normativo avesso aos costumes atuais, já bem defasado, é notório que este não acompanhou a evolução das servidões administrativas no tempo. Mesmo assim, fazendo uma interpretação deste dispositivo, é possível concluir que a pessoa detentora da titularidade para intervir na propriedade (sujeito ativo), por meio de servidão administrativa, é a Administração Pública (a qual a lei refere como a figura do expropriante). Percebe-se também que, em casos excepcionais, observar-se-á a hierarquia desta mesma norma para que seja instituído o ônus real.
2.5.3 Características
Preliminarmente, analisando as questões atinentes à incidência da servidão pública, mostra-se inevitável a abordagem acerca da polêmica doutrinária que envolve este ponto ab initio. A esmagadora maioria da doutrina prega que se trata de uma intervenção restritiva da propriedade particular, na qual existe a incidência somente sobre bens imóveis32.
A contrario sensu, uma parte reduzida dos estudiosos da matéria compactua da idéia que a servidão incide tanto sobre bens imóveis, como sobre bens móveis33. Existe, ainda, certa parcela (bem menor) da doutrina que defende uma incidência mais abrangente que a sugerida pela doutrina majoritária. No caso, seria instituído este meio interventivo sobre bens imóveis, móveis e até serviços34.
A nossa opinião, com a devida vênia aos juristas formadores das correntes minoritárias, vai de encontro àquela tutelada pela maioria dos juristas, até porque, esta figura jurídica dá ensejo a uma relação jurídica composta por dois sujeitos, na qual existe a incidência da atuação administrativa (ônus real) sobre um imóvel de outrem (alheio). No direito privado, v.g., a servidão visa um bem imóvel corpóreo — sendo de clareza solar e incontroversa que se trata de prédios, até por isso, recebem a nomenclatura antiga de “servidões prediais”. Não custa relembrar que as servidões de direito privado e as de direito público possuem o mesmo núcleo, o que por si só, já afasta a incidência sobre bens móveis. Assim, a intervenção do Estado por meio de servidão administrativa ocorrerá, em regra, sobre bens imóveis privados, no entanto, poderá recair, da mesma forma, sobre imóveis públicos (casos excepcionais).
Quanto aos modos de se constituir uma servidão de direito público, estes são os seguintes: via acordo administrativo ou sentença judicial35. Feita a declaração de necessidade pública36 de constituição de uma determinada servidão, a Administração Pública poderá acordar com o dominus, obtendo a aquiescência deste, para que sua propriedade seja usada segundo a finalidade detalhada no decreto (do Chefe do Poder Executivo). Subseqüentemente, um acordo formal por escritura pública, para efeitos de registro do direito real, deverá ser feito entre as partes37.
Já o modo de instituição via sentença judicial, este tem sua eficácia atrelada aos casos em que não houve entendimento entre o particular e o Poder Público (ausência de acordo). Em não ocorrendo o comum acordo, caberá ao Estado ajuizar ação em desfavor do proprietário da res, motivando o acontecimento do decreto específico, alusivo à utilidade pública. Proceder-se-á, desta forma, no mesmo sentido da expropriação, com guarida no art. 40, da Lei Geral das Expropriações.
Há situações em que o Poder Público ignora a expedição do decreto e o ajuizamento da ação com preço estipulado (requisitos basilares para a consumação legal da servidão administrativa, via acordo ou ação, respectivamente), usurpando a propriedade privada. A semelhança com a desapropriação indireta mostra-se cristalina. Assim, a partir do momento em que a servidão se tornar eficaz — estando proposta nestes moldes “radicais” — poderá o particular requerer a tutela de seus direitos junto ao Poder Judiciário, exigindo ressarcimento pecuniário, face ao ato arbitrário e descompassado provindo da Administração.
Em que pese a expropriação ser um instituto distinto da servidão, existe alguns pontos de convergência entre eles. Um destes pontos é a questão acerca da competência para intervir, a qual ambos seguem o mesmo regramento: o Princípio da Hierarquia Federativa (já exarado no capítulo 2 relativo à desapropriação). Sendo assim, tal como na expropriação, todas as pessoas políticas da Federação (União Federal, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios) e entidades autorizadas (autarquias, sociedades de economia mista, etc.) possuem legitimidade para intervir na propriedade privada, por intermédio da servidão administrativa, porém, quando incidir sobre bem público, terão de respeitar a ordem hierárquica. Exemplificando, desde que haja autorização legislativa (ar. 2º, § 2º, da Lei Geral das Expropriações), poderá a União instituir servidões de direito público sobre bens de Estados-membros, os Estados-membros poderão instituir sobre bens dos Municípios, não havendo a possibilidade de o inverso ocorrer (logo, a recíproca não é verdadeira).
A priori, a servidão possui caráter de perpetuidade. Em outras palavras, permanecerá o Poder Público utilizando uma dada propriedade particular, pelo menos até que seja alcançada a meta que deu vazão àquela intervenção restritiva. Contudo, poderão acontecer situações excepcionais em que a servidão pública poderá ser extinta. Neste diapasão, aduz Lucia Valle Figueiredo que “podem as servidões ser extintas por lei, por desafetação, por perda da coisa, por acordo ou confusão38”.
Na desafetação, existe o claro desinteresse da Administração Pública em prosseguir com o uso do dominium particular. Como não há mais interesse de quem instituiu a servidão, ocorre a cessação da intervenção restritiva, até porque o objetivo que lhe deu ensejo resta prejudicado. Exemplo disso é a mudança de uma determinada rodoviária. Isso deixaria as localidades vizinhas que estavam gravadas sem o ônus real.
In casu de confusão, a extinção se consuma com a incorporação do bem gravado pela servidão ao patrimônio de quem a instituiu. Como não há falar em instituição de servidão “para si mesmo” (intervir na própria coisa da qual é titular), tem-se a revogação do ato administrativo.
Em havendo a destruição da res gravada, a extinção também será automática39. Devido a sua clarividência, os casos de extinção via acordo e lei não necessitam de maiores detalhamentos40.
No que se refere ao direito indenizatório, este não é assegurado em todos os casos de servidão. A regra é que não resulta em ressarcimento pecuniário, salvo quando houver prejuízo ao dono da propriedade gravada. Nesta senda, deverá o particular ser indenizado em valor condizente ao mesmo prejuízo, cabendo ao prejudicado a comprovação deste. Se o dominus não comprovar o dano causado pelo Estado, a intervenção será tida como normal, ipso facto, ele não receberá nenhuma quantia indenizatória (como se nada de superveniente tivesse acontecido).
Urge salientar que somente quando a servidão “simular” uma real expropriação, é que haverá possibilidade de o particular ser ressarcido no valor integral correspondente ao seu bem imóvel. Nestes termos, “a indenização nunca poderá corresponder ao valor do imóvel em si, uma vez que a intervenção não acarretou a perda da propriedade41”. Tal como na expropriação, o montante a ser pago deverá abarcar juros moratórios, despesas do processo, atualizações monetárias e honorários advocatícios.
Resumindo, a servidão de direito público é um instituto de natureza jurídica voltada para o direito real, de caráter definitivo, que recai sobre bem imóvel alheio (jus in re aliena) e dá ensejo à indenização prévia e condicionada (quando da existência de dano causado ao particular), no qual não há falar em existência de auto-executoriedade, eis que se consuma somente por meio de decisum judicial ou acordo entre as partes componentes da relação jurídica.
Nesse sentido, o jurista português Marcello Caetano arrola, de um modo conciso, as características intrínsecas deste modal interventivo, senão vejamos:
As servidões administrativas apresentam os seguintes caracteres:
a) são sempre impostas por lei:
b) são de utilidade pública:
c) nem sempre são constituídas em benefício de um prédio e
podem recair sobre coisas do mesmo dono:
d) só dão lugar a indemnização mediante disposição expressa
da lei:
e) podem ser negativas ou positivas:
f) são impostas e defendidas por processos energéticos e
expeditos de coacção:
g) são inalienáveis e imprescritíveis:
h) cessam com a desafectação dos bens dominiais ou com o desaparecimento da função pública das coisas dominantes42.
As servidões são sempre impostas por lei, em razão de não serem instituídas por ato jurídico como o ocorre no ramo do direito civil: são de utilidade pública, até porque o objetivo é facilitar a geração de utilidade à coletividade, em cima dos bens do domínio: nem sempre são constituídas em benefício de um prédio, eis que incidem não somente sobre prédios urbanos ou rústicos, mas também sobre outros bens (tais como linhas telegráficas, águas do mar, etc.): podem onerar um prédio pertencente ao mesmo dono da coisa dominial, como por exemplo, no caso da passagem da via férrea sobre a estrada (ligando duas coisas do domínio público): só dão lugar a indenização mediante disposição expressa da lei, ou seja, nos moldes em que a legislação propõe, aplicando o Princípio da Indenização quando houver sacrifício da propriedade do particular: são positivas ou negativas porque podem ensejar uma obrigação de fazer ou não fazer, respectivamente: são impostas e defendidas pela autoridade da Administração, pois a ela é concedido o poder de tomar medidas pertinentes para a tutela da utilidade pública ante a coisa gravada: finalmente, extinguem-se pela cessação da dominialidade dos bens ou da função pública das coisas dominantes, eis que desaparece a razão de ser da servidão quando finda a função pública da res.
2.6 Tombamento
2.6.1 Conceituação e Sentido
Antes de descrever o tombamento, calha tecer algumas colocações a respeito do acervo cultural e da cultura, pontos essenciais para o discernimento do instituto sob análise. Não há como falar em tombamento sem mencionar a questão (extremamente relevante) acerca da cultura. Mesmo que sejam termos que destoam no tocante a seus respectivos significados, há todo um entrelaçamento entre eles. Silva Telles, abordando o que quer dizer a expressão “acervo cultural”, ensina que:
Denominamos “patrimônio histórico” ao acervo arquitetônico de antanho porque é a denominação mais em voga e mesmo porque a entidade protetora do mesmo se denomina Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Entretanto, a designação mais correta seria acervo ou patrimônio cultural, pois o patrimônio arquitetônico é parte integrante da cultura nacional43. [grifo do autor]
Já o vocábulo “cultura” abrange uma série de definições, tendo, nitidamente, uma amplitude maior. Cultura pode ser um agrupamento de idéias compreendidas por meio do conhecimento empírico. Quiçá, todo o entendimento obtido no decorrer da vida, conforme a evolução do homem. Ou, ainda, a concretização de idéias relativas ao entender, conhecer e aprender, combinadas com a conservação de tudo que marcou época em tempos pretéritos. Inequivocamente, estes são conceitos vagos e ineficazes para explicar o verdadeiro valor de uma palavra que detém uma importância tão grande. Na tentativa de exarar este assunto da melhor forma possível, sem subentender qualquer um de seus caracteres intrínsecos, pode-se aduzir que “cultura significa o cultivo ou aperfeiçoamento das faculdades físicas, intelectuais e morais do homem, tudo aquilo que representa o domínio do homem sobre si mesmo, toda a criação do homem que alcança autonomia em relação a seu criador44”.
É lição comezinha que o homem tem se dedicado ao resgate de seus antecedentes históricos, esforçando-se para reaver o que ocorreu de mais valoroso no passado. A busca pelas suas origens, pelas suas raízes mais remotas, faz o ser humano repensar como conseguiu sobreviver a tantos obstáculos enfrentados desde então. Sendo assim, nada melhor para conciliar os tristes aspectos do barulho, das guerras bélicas, da poluição atmosférica, e da civilização do automóvel com o homem, do que sua própria projeção em tempos já vividos por seus antepassados e o vislumbre do que estes foram e fizeram. Mas qual seria o meio hígido e idôneo para o desenvolvimento de tais medidas? A resposta é pura e simples: a preservação do patrimônio histórico, “a humanização das cidades.” Mas de que modo? É o que passará a ser descrito a partir de agora.
Sem mais delongas, passemos a tratar do tombamento propriamente dito. Tombamento é um vocábulo antiguíssimo, adotado pelo Direito Brasileiro em função do seu surgimento no Direito Português, muitos anos atrás. Palavra proveniente do verbo tombar, no ordenamento jurídico de Portugal, quer dizer “registrar, inventariar, inscrever bens”. O arrolamento dos bens era elaborado no chamado “Livro do Tombo”, denominado assim em razão de ser depositado na “Torre do Tombo” (localidade na qual os arquivos da Nação Portuguesa eram guardados). Ex positis, conclui-se que este vocábulo jurídico passou a ser empregado como sendo todo registro de coisas protegidas pela Administração, devido as suas peculiaridades. É inscrever neste “alfarrábio” determinado bem como sendo de relevante interesse social, que está sujeito a regime especial que o defende de qualquer ato que possa ocasionar sua deturpação, perda ou destruição.
Feita a motivação coerente ao valor da palavra tombamento, é chegado o momento de se especificar o instituto de mesma nomenclatura. Na letra do ínclito Antônio A. Queiroz Telles: “Tombamento equivale a colocar sob o abrigo e a tutela pública os bens que, pelas suas características históricas, artísticas, naturais e arqueológicas, mereçam integrar o patrimônio cultural do país45”. De outro canto, o jurista Diogo de Figueiredo Moreira Neto fornece uma definição mais extensa, mas nem por isso eivada de prolixidade, como se pode notar a seguir:
Esta espécie pode ser conceituada como intervenção ordinatória e concreta do Estado na propriedade privada, limitativa de exercício de direitos de utilização e de disposição, gratuita, permanente e indelegável, destinada à preservação, sob regime especial, dos bens de valor cultural, histórico, arqueológico, artístico, turístico ou paisagístico46. [grifo do autor]
O Poder Público deve agir no sentido de proteger a preservação da memória nacional, até porque, trata-se da historicidade de uma nação, que integra a própria cultura do povo e simboliza a origem social de reconhecimento dos diversos fenômenos políticos, econômicos e sociais que há nos dias de hoje. Deste modo, não pode o titular da propriedade tombada usar aquele bem como bem entender, da forma como julgar pertinente, utilizando-a livremente sem qualquer cuidado. Deverá, sim, respeitar as normas a que ele está sujeito, em face de ser proprietário de uma res passível de interesse público co-relacionado a fatores culturais, artísticos, arqueológicos, paisagísticos, científicos, turísticos e ou históricos. “Os bens mais comumente tombados são os imóveis que retratam a arquitetura de épocas passadas em nossa história, dos quais podem os estudiosos e pesquisadores extrair vários meios de conhecimento do passado e desenvolver outros estudos com vistas a disseminar a cultura do país47”. O tombamento de cidades (Ouro Preto, v.g.) e bairros (o bairro de La Boca, na Argentina, v.g.) ocorre normalmente também, desde que digam respeito à cultura do pretérito e tenham valor significativo para o interesse da coletividade.
Deveras, ao Estado é dada a incumbência de garantir à coletividade o acesso às fontes culturais do país e o exercício dos direitos da cultura, de acordo com os arts. 215 e 216, da Constituição Federal48, os quais prevêem, ainda, os meios de como se deve proceder neste sentido. Encontra-se definido, também, nos dispositivos supramencionados, o patrimônio cultural do Brasil (integrado por bens imateriais e materiais de que se exige para o entendimento dos diversos pontos conexos aos grupos que formam a sociedade brasileira).
Em breves linhas, nota-se que o tombamento é apenas um entre tantos modos de se tutelar o patrimônio histórico da Nação Brasileira, entretanto, um dos mais eficazes. Apenas para ilustrar, são exemplos de tombamentos feitos no Brasil: o Pelourinho (em Salvador-BA), a cidade de Olinda-PE, o acervo urbano de Lençóis (na Bahia), o Museu do Mate (em Curitiba-PR), o Cristo Redentor (na cidade do Rio de Janeiro-RJ), etc. Como exemplos de tombamentos realizados especificamente no Estado do Rio Grande do Sul podemos citar: a Casa de Alexandrino de Alencar (em Rio Pardo), a Igreja Matriz de São Sebastião (em Bagé), a Casa Natal de Bento Gonçalves (em Bom Jesus), o Forte de Dom Pedro II (em Caçapava do Sul), a Casa do Visconde de Pelotas e Visconde de São Leopoldo (em Porto Alegre), a Casa de Davi Canabarro (em Santana do Livramento), entre outros bens tombados.
2.6.2 Fundamentação
Genericamente, o Dec-lei nº. 25, de 30 de novembro de 1937, é o estatuto infraconstitucional que regula a matéria do tombamento e fornece seus parâmetros gerais. Embora antigo e desatualizado em alguns aspectos, este dispositivo é o que prevê a normatização básica e descreve a questão jurídica relativa a esta modalidade estatal de intervenção na propriedade privada. Nele, estão classificados os documentos de registro dos bens tomados, quais sejam: o Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico: o Livro do Tombo Histórico: o Livro do Tombo das Belas-Artes: e o Livro do Tombo das Artes Aplicadas.
Especificamente, tal como ocorre nos demais tipos de intervenção, o tombamento encontra a sua fundamentação no Princípio da Supremacia do Interesse Público. Não custa relembrar que o particular, neste caso, terá seu interesse preterido pelo da coletividade, eis que se evidencia a obrigação deste adaptar o seu dominium em função da prevalência das necessidades do interesse público sobre as dos particulares.
Da mesma forma, aplica-se o preconizado nos arts. 5º, XXIII e 170, III, da Lei Fundamental, o qual estabelece que para o cidadão garantir o seu direito de propriedade, terá de cumprir a função social de seu bem. Cumprimento à função social da propriedade pressupõe o preenchimento de uma série de regramentos pelo dominus, os quais restringem o uso desta, tendo de submeter-se ao Poder de Polícia do Estado. Assim, resta cristalino que a mencionada função social está atrelada à necessidade de defesa do patrimônio arqueológico, paisagístico, histórico, etc.
2.6.3 Características
Em consonância com o art. 1º, do Dec-lei 25/193749, também conhecido como “Diploma do Tombamento” ou “Lei do Tombo”, o tombamento é um meio interventivo que pode incidir tanto sobre bens móveis, como sobre bens imóveis. Disso, se depreende que somente aqueles bens que detêm importância para o senso de patrimônio cultural do Brasil é que serão passíveis do ato de tombar, ou, como alude a Lei do Tombo, “são os bens do patrimônio histórico e artístico”. Giza-se que não existe a possibilidade de o tombamento recair sobre reservas naturais, parques ecológicos e florestas, eis que são bens passíveis de proteção estatal, todavia, não por meio deste instituto jurídico. Ademais, há legislação especial abrangendo estas questões (a Lei nº. 6.938/1981, que dispõe sobre a proteção ao meio ambiente), podendo essa defesa se dar via ação civil pública, nos termos da Lei nº. 7.347/1985, por exemplo.
No que se refere às modalidades de tombamento, adotar-se-á a classificação elaborada por Maria Sylvia Zanella Di Pietro, eis que, em nossa opinião, se trata da mais completa e didática, com o devido respeito aos demais doutrinadores50. A eminente administrativista retro divide o tombamento quanto à constituição ou procedimento (podendo ser de ofício, voluntário ou compulsório), quanto à eficácia (podendo ser provisório ou definitivo) e quanto aos destinatários (podendo ser geral ou individual)51.
Sempre quando o tombamento recair sobre bens de caráter público, conforme art. 5º, do Diploma do Tombamento52, ele será tido como “de ofício” (o Estado poderá usar do poder de discrição para tombar). Quando recair sobre bens privados, poderá ser compulsório ou voluntário, tendo arrimo no art. 6º, do mesmo estatuto supramencionado53. Assim, com base nos arts. 8º e 9º, do Dec-lei nº. 25/193754, a modalidade compulsória é realizada por iniciativa da Administração Pública, mesmo que seja em contrariedade com a vontade do particular. E o tipo voluntário, consoante art. 7º, da Lei do Tombo55, ocorrerá in casu de o dono da propriedade concordar (por escrito) com o tombamento do seu bem ou requerer que seja este tombado (em se verificando que a res preenche todos os requisitos para tanto).
Seguindo os moldes propostos pelo art. 10, do Diploma do Tombamento56, têm-se dois modais de tombamento de bens privados, o provisório e o definitivo. O primeiro ocorre a partir da notificação do Estado ao proprietário, perdurando até que se perfectibilize a conclusão pelo registro do bem no Livro do Tombo correspondente. Quando do acontecimento do referido registro, tem-se a originação do tombamento definitivo.
Finalmente, quanto aos destinatários, o tombamento poderá ser individual, quando atingir uma coisa específica, ou geral, quando atingir a integralidade dos bens localizados em uma cidade ou um bairro.
Cumpre salientar que, por impor um ônus real à propriedade, deverá o bem ser inscrito no registro de Imóveis competente.
A respeito da instituição do tombamento57, esta se consuma quando da edição de ato administrativo vinculado (parecer)58, combinado com a inscrição do bem tombado no Livro do Tombo em que se enquadra. Caso o fundamento que deu supedâneo jurídico ao ato administrativo de tombar tenha desaparecido, o dominus (via solicitação junto ao Estado) ou a Administração (ex officio) poderão requerer o desfazimento da intervenção restritiva da propriedade privada. Deste modo, revoga-se o ato da inscrição (num tipo de “destombamento”), pois a razão que ensejava o tombamento foi suprimida. Fato é que não há mais fundamento. Evidentemente, que a Administração não poderá proceder de acordo com o seu bel prazer, agindo com arrimo no que ela considera melhor pra ela, sob pena de afrontar os Princípios Constitucionais da tutela dos órgãos públicos. Por isso, não há falar em discricionariedade e arbitrariedade no processo administrativo de tombamento. Aqueles que agirem com estes propósitos, haverão de ser punidos nos conformes da lei.
Neste mesmo diapasão, quem vai ditar como se dará o desenvolvimento deste processo administrativo, será a modalidade de tombamento adotada. Embora este processo não tenha um rito pré-fixado, terá de respeitar alguns pré-requisitos, para que o tombamento tome forma (se perfectibilize). São eles:
1) A elaboração de parecer, em cima do bem aspirante ao tombamento, pelo órgão técnico cultural competente59 :
2) A obrigação da Administração Pública em conceder ao dominus o direito ao contraditório e à ampla defesa (honra ao Princípio do Devido Processo Legal), notificando-o do interesse estatal em tombar o bem de sua propriedade, (oportunidade para ele concordar com tal medida ou impugnar)60 :
3) A incumbência imposta ao Conselho Consultivo da pessoa política da Federação que tombará o bem, de ter que determinar o processo, seja denegando a proposta do órgão técnico, anulando o processo (em caso de haver alguma nulidade que vicie o procedimento) ou até mesmo homologando este (caso seja vital para o interesse público que se estabeleça o regime do tombamento sobre aquela res):
4) E a inscrição obrigatória do bem no Livro do Tombo pela pessoa que realizou a intervenção restritiva (conforme já foi enfatizado em linhas pretéritas)61.
Em decorrência do estabelecimento definitivo do tombamento na propriedade particular, se tem os efeitos instantâneos a ele concernentes. Na esteira deste conhecimento, a ínclita Odete Medauar elucida que:
Dentre os efeitos do tombamento e averbação salientam-se os seguintes:
a)Se imóvel, transcrição e averbação no registro respectivo:
b)Imodificabilidade do bem tombado (o bem não poderá ser mutilado, demolido, reformado, porém, no caso de pintura, reparação ou restauração, dependem de autorização do órgão competente):
c)Limites à alienabilidade (se o bem tombado pertencer ao domínio público, torna-se inalienável para particulares, podendo, no entanto, ser transferido de uma entidade pública para outra, no entanto, se pertencer a particular, é alienável, mas com direito de preferência garantido à União, Estados e Municípios):
d)Fiscalização do poder público (o órgão responsável pelo tombamento poderá manter vigilância constante, tendo o direito de acesso ou ingresso no bem):
e)O bem tombado é insuscetível de desapropriação, salvo para manter o próprio tombamento:
f)Restrições a imóveis vizinhos (por exemplo, não poderá ser erguida construção que impeça ou reduza a visibilidade do bem tombado, nem é permitida a aposição de anúncios ou cartazes)62.
Urge aclarar que o proprietário não fica impedido de gravar livremente o bem (através de penhor, anticrese ou hipoteca), mesmo que este se encontre em condição de ser tombado.
Pelo fio do exposto, já em sede final de análise, é imperioso destacar a questão relativa à indenização. O tombamento, via de regra, não dá direito ao requerimento de qualquer tipo de ressarcimento pecuniário, até porque, seu estabelecimento apenas impõe ao proprietário a manutenção da res, tendo de respeitar as suas características para o patrimônio cultural da nação. Haverá indenizabilidade somente em caso de prejuízo ocasionado pela intervenção restritiva. O dano terá de ser provado pelo particular.
2.6.4 Outras Formas de Proteção
O patrimônio cultural brasileiro não é tutelado apenas por meio do tombamento. Por vezes o Estado demonstra negligência ou ineficácia quando do tratamento ante os bens passíveis de historicidade, cultura, cientificidade, etc. Nestas situações, o cidadão poderá acionar o Poder Público, exigindo dele as medidas cabíveis para honrar o seu dever inafastável de proteção às propriedades tombadas.
Um dos elementos protetivos que o particular pode usufruir é a ação popular, preconizada no art. 5º, LXXIII, da Constituição Federal, e regulada pela Lei nº. 4.717, de 29 de junho de 1965. Esta ação é postulada via judicial e serve para anular atos danosos ao patrimônio público (especialmente ao cultural e histórico). Sua legitimidade é restrita ao cidadão comum, por isso leva a nomenclatura de ação popular.
A ação civil pública é outro mecanismo jurídico do qual os particulares disponibilizam para proteger o patrimônio ante à questão em tela. Regulada pela Lei nº. 7.347, de 24 de julho de 1985, esta ação tem como escopo a tutela dos interesses coletivos e difusos da coletividade, em outras palavras, seriam interesses dotados de indivisibilidade (transindividuais), que hoje suscitam enormes discussões entre os estudiosos da doutrina.
Por fim, tem-se o direito de petição. Com fulcro no art. 5º, XXXIV, alínea “a”, da Magna Carta, este dispositivo tramita nas vias administrativas (diferentemente dos outros dois elementos supra referidos) e tem o objetivo de acabar com a possibilidade de o Estado responsável pelo tombamento agir no sentido de praticar ilegalidade ou abuso de poder.
3. Conclusões
Mais uma vez percebe-se a prevalência dos Princípios da Indisponibilidade do Interesse Público e da Supremacia do Interesse Público (sobre o particular), eis que no embate irascível entre dois interesses de caráter bem distintos, sendo um de natureza privada e outro de natureza pública, a controvérsia se resolve em prol do interesse público, devendo este, se sobrepujar ao privado em razão da magnitude que abrange. Para piorar ainda mais a situação vexatória em que se encontra o famigerado cidadão brasileiro, tão sofrido pelos altos e baixos da política nacional, a sistemática jurídica brasileira não fornece quaisquer regramentos práticos para a solução dos conflitos entre interesses públicos que possam vir a surgir.
O que se quer discutir neste espaço, não são as normais legais que prevêem a intervenção estatal na propriedade dos particulares, mas o modo como o Poder Público interpõe a sua autoridade ante as pessoas que têm seus bens imóveis subordinados a esta medida de cunho administrativo. Inclusive, faz-se aqui um merecido elogio ao nosso criticado Poder Legislativo, já que as leis que norteiam as intervenções supressiva e restritiva na propriedade foram muito bem delimitadas desde o seu prelúdio, nunca fugindo aos propósitos do Estado (de gerar uma sociedade mais digna e humana), tanto que o diploma legal que rege a expropriação, qual seja, o Decreto-lei nº. 3.365/41, não envelheceu com o passar dos anos, vivendo em uma histórica permanência que ultrapassa mais de 6 (seis) décadas, e tal como algumas das reduzidas exceções no que tange às previsões legais, não tornou-se defasada naquilo que processualmente demarcou.
Com relação à metodologia adotada pelo Poder Público, quando da intervenção na propriedade privada, esta deveria ser mais branda e amena, não tão autoritária e impositiva, respeitando piamente o que foi designado pela lei. É plenamente compreensível que o Princípio do Interesse Público, este que representa o interesse da coletividade, deve prevalecer sobre o interesse de um ou de alguns particulares (variando o número de pessoas de acordo com o caso concreto), contudo, é inadmissível que agentes públicos cometam atrocidades aleatoriamente, na tentativa de obrigar o cidadão comum a cumprir o que determina a Administração Pública, na base da agressão (tanto verbal quanto física), da violência ou mesmo da ameaça. Não é agindo desta maneira retrógrada que as pessoas colaborarão com os agentes públicos na execução de suas tarefas. É preciso que haja cooperação e diálogo, mas acima de tudo, compreensão de ambas as partes, agente público e particular, para que seja dado um fim a essa crueldade que acomete as pessoas que têm seus bens destinados ao interesse público. É desnecessário, verbi gratia, destruir o portão do rol de entrada de um cidadão, mesmo que este não se encontre em sua residência no momento da intervenção estatal, para a execução de uma servidão administrativa, por meio da colocação de uma placa contendo o nome da rua em que se encontra o imóvel. Do mesmo modo, é dispensável que um cidadão seja espancado a cacetadas, no caso de não querer, naquele exato instante, desocupar o seu estabelecimento comercial, para que seja feita uma requisição administrativa, sob a alegação de iminente perigo que possa vir a ocorrer em detrimento de um ciclone extratropical.
Derradeiramente, cumpre enaltecer alguns vocábulos sobre a questão que envolve o tombamento e as pichações. Trata-se de uma situação considerada demasiadamente delicada. Por vezes, o cidadão de bem se questiona: qual o propósito de uma pichação? Qual a razão de deturpar um bem (seja ele público ou privado)? O que leva essas pessoas inconseqüentes a destruir o patrimônio público, que eles mesmos (ou seus pais) pagam para que sejam limpos e restaurados após o cometimento destas barbáries, por meio de impostos? Estas são algumas das questões que nossos governantes tentam resolver, porém nunca conseguiram encontrar as respostas. Esses infratores juvenis, quando perquiridos pela lei, sofrem retaliações de caráter preventivo-educacional através do processo, todavia, tais medidas (há tempos) não surtem o efeito que delas se espera. Prova disso, é que grande parte destes indivíduos que são condenados pela Justiça volta a delinqüir. Os jornais denunciam diariamente estas falhas do nosso sistema jurídico, ilustrando páginas e mais páginas com fotos e entrevistas destes jovens delinqüentes, demonstrando, mais uma vez, que as medidas sócio-educativas que sofrem mostram-se insuficientes para conscientizá-los ou até mesmo para conter o ímpeto mal fadado que lhes aflige.
Com isso, perde-se o objetivo ensejador de um tombamento. Perde-se o valor de uma medida sócio-educativa. Não há motivo para se tombar um monumento histórico, se no dia seguinte já se sabe que ele será pichado e desfigurado (a exemplo da estátua de Bento Gonçalves, localizada na Avenida João Pessoa, que já foi restaurada por diversas vezes, tendo até câmeras de segurança instaladas, e mesmo assim jamais se conseguiu pôr um fim nesta questão). Não há motivo em tentar coibir estas mazelas, que tanto denigrem nossa sociedade, por meio do processo, se as punições são deficientes e incapazes de acabar com este tipo de criminalidade. Em face deste quadro lamentável, faz-se necessária a revisão da legislação que propala estes crimes de menor porte, impondo penas mais estruturadas (não necessariamente mais severas) aos agentes ativos destes ilícitos penais. É preciso que haja conscientização da população sobre a riqueza cultural que representa nossos bens históricos, recanto do nosso patrimônio público, e só quem pode fazer isso tudo mudar são nossos governantes, elaborando fortes campanhas de moralização junto ao povo (principalmente analfabetos e pessoas carentes, até porque são as pessoas mais seduzidas pelo delito penal), bem como intensificando as já existentes, contando com o apoio de entidades privadas e de cidadãos exemplares. Para modificar esta situação entristecedora, a união em prol da cultura deve ser o fator propulsor, havendo o devido incentivo à educação e à valorização do patrimônio publico e histórico. Não basta o Governo querer, é fundamental que o povo (como um todo) também queira.
4. Referências Bibliográficas
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1 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. 11. ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 280.
2 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 12. ed. rev. ampl. atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 709.
3 LANZIANO, Washington. Estudios de derecho administrativo. Montevidéu: Universidad de La
República, 1993. p. 399.
4 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Servidão administrativa. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 1978. p. 29.
5 BIELSA, Rafael. Restricciones y servidumbres administrativas. Buenos Aires: J. Lajouane, 1923.
p. 53.
6 O art. 37, § 6º, da Constituição Federal prevê a responsabilidade estatal em caso de haver dano à
propriedade privada, que tenha sido gerado por uma atitude administrativa.
7 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. op. cit., p.30.
8 DROMI, Roberto. Derecho administrativo, 10. ed. Buenos Aires-Madrid: Ciudad Argentina, 2004.
p. 977.
9 FERREIRA, Sérgio D’Andréa. Direito administrativo. Rio de Janeiro: Borsoi, 1979. p. 210.
10 FAGUNDES, M. Seabra. Da desapropriação no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Freitas Bastos,
1949. p. 214.
11 Idem, p. 474.
12 SALLES, José Carlos de Moraes. A desapropriação à luz da doutrina e da jurisprudência. 4.ed.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. p. 763.
13 “Art. 36. É permitida a ocupação temporária, que será indenizada, afinal, por ação própria, de
terrenos não edificados, vizinhos às obras e necessários à sua realização.”
14 Todavia, para o administrativista castelhano Roberto Dromi, em sua obra intitulada Derecho
administrativo, na pág. 978, ele aduz que: “La normativa prevé dos tipos de ocupación temporánea:
anormal y normal”.
15 CARVALHO FILHO, Manual de direito administrativo. 12. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p.
707.
16 SALLES, José Carlos de Moraes. op. cit., p. 766.
17 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito administrativo. São Paulo: Celso Bastos, 2002. p. 354.
18 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 680.
19 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 30. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p.
604.
20 Idem, ibidem.
21 CARVALHO FILHO. op. cit., p. 702.
22 “Art. 22, II. Compete privativamente à União legislar sobre:
II- requisições civis e militares, em caso de iminente perigo e em tempo de guerra”.
23 “Art. 1228, §3º. O proprietário pode ser privado da coisa, nos casos de desapropriação, por
necessidade ou utilidade pública ou interesse social, bem como no de requisição, em caso de
perigo público iminente”.
24 O Dec-lei nº. 2/1966 e a Lei Delegada nº. 4.812/1942 são dispositivos atrelados ao abastecimento
da população via bens e serviços necessários e à intervenção estatal no domínio econômico.
25 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direitos reais. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 294.
26 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 18. ed. São Paulo : Malheiros,
2005. p. 832-3.
27 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Servidão administrativa. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 1978, p. 44.
28 CAETANO, Marcello. Manual de direito administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 1970. Tomo II. p.
973.
29 CASSEB, Robinson. A desapropriação e a intervenção na propriedade. São Paulo: Saraiva, 1983.
p. 37.
30 O art. 1.378, do Código Civil de 2002 expõe os elementos essenciais de toda a servidão: “A
servidão proporciona utilidade para o prédio dominante, e grava o prédio serviente, que pertence a
diverso dono, e constitui-se mediante declaração expressa dos proprietários, ou por testamento, e
subseqüentemente registro no Cartório de Registro de Imóveis”.
31 ”Art. 40. O expropriante poderá constituir servidões, mediante indenização na forma desta lei”.
32 CARVALHO FILHO, José dos Santos (Manual de direito administrativo. 12. ed. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2005. p. 696): DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella (op. cit., p. 116): BIELSA, Rafael
(Restricciones y servidumbres administrativas. Buenos Aires: J. Lajouane, 1923. p. 108): ARAÚJO,
Edmir Netto de (Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 1.002): MOREIRA
NETO, Diogo de Figueiredo (Curso de direito administrativo. 11.ed.rev. atual. Rio de Janeiro:
Forense, 1997. p. 282): MEDAUAR, Odete (Direito administrativo moderno. 9. ed.rev.atual. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 407): CASSEB, Robinson(op. cit., p. 38).
33 SALLES, José Carlos de Moraes (A desapropriação à luz da doutrina e da jurisprudência. 4.ed.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. p. 796): TELLES, Antônio A. Queiroz
(Tombamento e seu regime jurídico. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1992. p. 40):
FIGUEIREDO, Lucia Valle (Curso de direito administrativo. 3 ed. rev. e atual. São Paulo:
Malheiros, 1998. p. 265).
34 DALLARI, Adilson Abreu in “Servidões administrativas” (RDP 59-60/88) apud Lucia Valle
Figueiredo (op. cit., p. 265).
35 Esta idéia não goza de unanimidade perante a doutrina. Edmir Netto de Araújo (op. cit., p. 1002) e
Maria Sylvia Zanella Di Pietro (op. cit, p. 64) entendem que a servidão administrativa também
pode ser instituída por lei. Di Pietro cita os exemplos da servidão sobre margens de rios públicos,
da servidão de trânsito sobre as margens dos rios navegáveis e da servidão ao redor de
aeroportos. Existem, nestes casos, pelo simples fato de os imóveis se encontrarem às margens de
rios ou nas proximidades de aeroportos, independentemente de qualquer outro ato jurídico, de
caráter unilateral ou bilateral. Posteriormente à promulgação da lei, a servidão estará constituída,
quando determinado bem imóvel estiver inserido na situação descrita pelo Legislador.
36 José Carlos de Moraes Salles (op. cit., p. 795) entende não ser necessária a declaração de
utilidade pública do bem, via de regra, eis que a declaração de utilidade pública só é indispensável
nos casos de desapropriação, ex vi do disposto no art. 2º, do Dec-lei 3.365/41. Nos demais casos,
basta à entidade pública ou delegada compor-se amistosamente com o proprietário, com o intuito
de concretizar a medida por meio de escritura pública.
37 Tendo em vista a imposição à propriedade gravada de um ônus real, faz-se necessária a inscrição
no Registro Imobiliário competente, com arrimo na Lei de Registros Públicos, mesmo que esse
não seja o procedimento adotado em relação às mais comuns (servidão administrativa decorrente
da colocação de placas de denominação de avenidas, ruas e travessas, v.g.).
38 FIGUEIREDO, Lucia Valle. op. cit., p. 266.
39 Na ocorrência de aniquilação do uso da propriedade em razão do ato estatal, tem-se a
perfectibilização da intervenção supressiva (desapropriação), devendo o Estado indenizar
amplamente o proprietário. A intervenção sai de um status restritivo (servidão administrativa) para
tornar-se supressivo (expropriação).
40 José dos Santos Carvalho Filho (op. cit., p. 699) aponta o desaparecimento da coisa gravada
como outra modalidade extintiva da servidão. Com o sumiço do bem gravado, o próprio objeto da
servidão desaparece, resultando na extinção natural do meio de intervenção estatal.
41 Idem, p. 700.
42 CAETANO, Marcello. Manual de direito administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 1970. Tomo II. p.
973-4.
43 TELLES, Leandro Silva. Manual do Patrimônio Histórico. Caxias do Sul: Ed. Universidade de
Caxias do Sul, 1977. p. 9.
44 Idem, ibidem.
45 TELLES, Antônio A. Queiroz. Tombamento e seu regime jurídico. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 1992. p. 13.
46 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo. 11.ed.rev. atual. Rio de
Janeiro: Forense, 1997. p. 282.
47 CARVALHO FILHO. op. cit., p. 713.
48 “Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da
cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.
§1º O Estado protegerá manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das
de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional.
§2º A lei disporá sobre a fixação de datas comemorativas de alta significação para os diferentes
segmentos étnicos nacionais.”
“Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens da natureza material e imaterial,
tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à
memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I – as formas de expressão:
II – os modos de criar, fazer e viver:
III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas:
IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações
artístico-culturais:
V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico,
paleontológico, ecológico e científico.
§1º O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio
cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de
outras formas de acautelamento e preservação.
§2º Cabem à administração pública, na forma de lei, a gestão da documentação governamental e
as providências para franquear sua consulta quantos dela necessitem.
§3º A lei estabelecerá incentivos para a produção e o conhecimento de bens e valores culturais.
§4º Os danos e ameaças ao patrimônio cultural serão punidos, na forma da lei.
§5º Ficam tombados todos os documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos
antigos quilombos”.
49 ”Art. 1º. Constitui o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos bens móveis e imóveis
existentes no País e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos
memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico,
bibliográfico ou artístico”.
50 José dos Santos Carvalho Filho (op. cit., p.717), Sonia Rabello de Castro (O Estado na
preservação de bens culturais - tombamento. Rio de Janeiro: Ed. Renovar, 1991. p. 55-56),
Leandro Silva Telles (op.cit., p. 35), entre outros juristas, apegam-se ao art. 6º, da Lei do Tombo,
classificando o tombamento apenas em compulsório ou voluntário. A contrario sensu, Odete
Medauar (Direito administrativo moderno. 9. ed.rev.atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.
p. 403), Diógenes Gasparini (Direito administrativo. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005.
p. 679), Edmir Netto de Araújo (Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 1049-
1050), entre outros estudiosos da matéria, compactuam da divisão feita por Maria Sylvia Zanella Di
Pietro.
51 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 135.
52 “Art. 5º. O tombamento dos bens pertencentes à União, aos Estados e aos Municípios se fará de
ofício por ordem do Diretor do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, mas deverá ser
notificado à entidade a quem pertencer, ou sob cuja guarda estiver a coisa tombada, a fim de
produzir os necessários efeitos.” [não sublinhado no original]
53 “Art. 6º. O tombamento de coisa pertencente à pessoa natural ou à pessoa jurídica de direito
privado se fará voluntária ou compulsoriamente”.
54 “Art. 8º. Proceder-se-á ao tombamento compulsório quando o proprietário se recusar a anuir à
inscrição da coisa”.
“Art. 9º. O tombamento compulsório se fará de acordo com o seguinte processo:
1º) O Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, por seu órgão competente, notificará o
proprietário para anuir ao tombamento, dentro do prazo de quinze dias, a contar do recebimento
da notificação, ou para, se o quiser impugnar, oferecer dentro do mesmo prazo as razões de sua
impugnação:2º) no caso de não haver impugnação dentro do prazo assinado, que é fatal, o diretor do Serviço
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional mandará por simples despacho que proceda à
inscrição da coisa no competente Livro do Tombo:3º) se a impugnação for oferecida dentro do prazo assinado, far-se-á vista da mesma, dentro de
outros quinze dias fatais, ao órgão de que houver emanado a iniciativa do tombamento, a fim de
sustentá-la. Em seguida, independentemente de custas, será o processo remetido ao Conselho
Consultivo do Serviço do Patrimônio Histórico Nacional, que proferirá decisão a respeito, dentro
do prazo de sessenta dias, a contar do seu recebimento. Dessa decisão não caberá recurso”.
55 “Art. 7º. Proceder-se-á ao tombamento voluntário sempre que o proprietário o pedir e a coisa se
revestir dos requisitos necessários para constituir parte integrante do patrimônio histórico e
artístico nacional a juízo do Conselho Consultivo do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional, ou sempre que o mesmo proprietário anuir, por escrito, à notificação, que se lhe fizer,
para inscrição da coisa em qualquer dos Livros do Tombo”.
56 “Art. 10. O tombamento dos bens, a que se refere o art. 6º desta lei, será considerado provisório ou
definitivo, conforme esteja o respectivo processo iniciado pela notificação ou concluído pela
inscrição dos referidos bens no competente Livro do Tombo.Parágrafo único - Para todos os efeitos, salvo a disposição do art. 13 desta lei, o tombamento
provisório se equipará ao definitivo”.
57 A competência para tombar pode ser exercida concorrentemente por todas as pessoas políticas
da Federação Brasileira, segundo o previsto no art. 24, da Lei Fundamental c/c art. 30, I e II, do
mesmo diploma.
58 Em razão de o tombamento se restringir apenas aqueles bens que verdadeiramente apresentam
valoração cultural, artística, histórica, arqueológica, etc.
59 A análise técnica dos bens é prerrogativa cabível ao Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural
(IBPC), entidade de caráter federal que sucedeu o antigo Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (IPHAN). A estrutura do IBPC está prevista no Decreto-lei nº. 99.602, de 13 de
outubro de 1990.
60 O particular tem o direito de recorrer contra este ato administrativo imposto à sua propriedade,
tendo de direcionar seu pedido ao Presidente da República. Assim, o tombamento poderá ser
revogado, caso comprovadas as alegações do proprietário do bem. É o chamado “recurso
impróprio”, o qual encontra fulcro no Decreto-lei nº. 3.866, de 29 de novembro de 1941.
61 Sonia Rabello de Castro (op. cit., p. 99) leciona que a simples inscrição do tombamento na Lei do
Tombo mostra-se insuficiente, eis que, embora goze de autenticidade, tem uma publicidade
restrita à Administração Pública. Nestes termos, ela aduz que: “Entretanto, com relação a
terceiros, a inscrição não substitui a publicação para os efeitos da publicidade, pois para tanto
seria necessário expressa menção legal, já que se trata de excepcionar a forma genérica de
publicidade dos atos administrativos. Deste modo o tombamento inscrito só é oponível a terceiros
e, portanto, eficaz, erga omnes, após publicidade, feita através de publicação no órgão oficial de
divulgação”.
62 MEDAUAR, Odete. op. cit., p. 404.
ZERBES, Marcelo Zerbes. Formas de Intervenção Restritiva na Propriedade Privada. Revista Páginas de Direito, Porto Alegre, ano 7, nº 612, 23 de Junho de 2007. Disponível em: https://paginasdedireito.com.br/artigos/todos-os-artigos/formas-de-intervencao-restritiva-na-propriedade-privada.html