12.10.07 | Cláudio Sinoé Ardenghy dos Santos

Liquidação e execução provisória – algumas ponderações

Didaticamente iremos classificar as execuções em dois tipos:

1) Definitivas:

2) Provisórias

Ao estudo em apreço nos interessa a execução provisória, a qual é definida em lei:

“Art.587. É definitiva a execução fundada em título extrajudicial: é provisória enquanto pendente apelação da sentença de improcedência dos embargos do executado, quando recebidos com efeito suspensivo (art.739).”

E o artigo 475-O:

“Art. 475-O. A sentença provisória da sentença far-se-á, no que couber, do mesmo modo que a definitiva (...)”

A problemática reside em qual lugar enceta a liquidação do título, se no processo executivo provisório ou antes deste. Eis os motivos das recentes alterações processuais advindas da PLC 52/2004, verbis:

“As posições fundamentais defendidas são as seguintes:

a) na esteira das precedentes reformas, os artigos do CPC em princípio mantém sua numeração: mas os acrescidos são identificados por letras, e assim também os modificados se necessário incluí-lo em diverso Título ou Capítulo:

b) a ´efetivação` forçada da sentença condenatória será feita como etapa final do processo de conhecimento, após um ´tempus iudicati´, sem necessidade de um ´processo autônomo` de execução (afastam-se princípios teóricos em homenagem à eficiência e brevidade): processo ´sincrético`, no dizer de autorizado processualista. Assim, no plano doutrinário, são alteradas as ´cargas de eficácia` da sentença condenatória, cuja ´executividade` passa a um primeiro plano: em decorrência, ´sentença` passa a ser o ato “de julgamento da causa, com ou sem apreciação do mérito”:

c) a liquidação de sentença é posta em seu devido lugar, como Título do Livro I, e se caracteriza como ´procedimento` incidental, deixando de ser uma ´ação` incidental: destarte, a decisão que fixa o ´quantum debeatur` passa a ser impugnável por agravo de instrumento, não mais por apelação: é permitida, outrossim, a liquidação ´provisória`, procedida em autos apartados enquanto pendente recurso dotado de efeito suspensivo:

d) não haverá “embargos do executado” na etapa de cumprimento da sentença, devendo qualquer objeção do réu ser veiculada mediante mero incidente de ´impugnação`, à cuja decisão será oponível agravo de instrumento:

e) o Livro II passa a regrar somente as execuções por título extrajudicial, cujas normas, todavia, se aplicam subsidiariamente ao procedimento de ´cumprimento` da sentença:

f) a alteração sistemática impõe a alteração dos artigos 162, 269 e 463, uma vez que a sentença não mais ´põe fim` ao processo.”.

Ressente os fundamentos da reforma que a execução não seria mais um processo autônomo:

“Lembremos que Alcalá-Zamora combate o tecnicismo da dualidade, artificialmente criada no direito processual, entre processo de conhecimento e processo de execução, Sustenta ser mais exato falar apenas de fase processual de conhecimento e de fase processual de execução, que de processo de uma e outra classe. Isso porque 'a unidade da relação jurídica e da função processual se estende ao longo de todo o procedimento, em vez de romper-se em dado momento' (Proceso, autocomposicióny autodefensa, UNAM, 2a ed., 1970, n. 81, p. 149).

Lopes da Costa afirmava que a intervenção do juiz era não só para restabelecer o império da lei, mas para satisfazer o direito subjetivo material. E concluía: 'o que o autor mediante o processo pretende é que seja declarado titular de um direito subjetivo e, sendo o caso, que esse direito se realize pela execução forçada' (Direito Processual Civil Brasileiro, 2aed., v.I,n. 72).

As teorias são importantes, mas não podem transformar-se em embaraço a que se atenda às exigência naturais dos objetivos visados pelo processo, só por apego a tecnicismo formal. A velha tendência de restringir a jurisdição ao processo de conhecimento é hoje idéia do passado, de sorte que a verdade por todos aceita é a da completa e indispensável integração das atividades cognitivas e executivas. Conhecimento e declaração sem execução – proclamou COUTURE, é academia e não processo (apud Humberto Thedoro Júnior, A execução de sentença e a garantia do devido processo legal, Ed. Aide, 1987, p.74).

A dicotomia atualmente existente adverte a doutrina, importa a paralisação da prestação jurisdicional logo após a sentença e a complicada instauração de um novo procedimento, para que o vencedor possa finalmente tentar impor ao vencido o comando soberano contido no decisório judicial. Há, destarte, um longo intervalo entre a definição do direito subjetivo lesado e sua necessária restauração, isso por pura imposição do sistema procedimental, sem nenhuma justificativa, quer que de ordem lógica, quer teórica, quer de ordem prática (ob. cit., p. 149 e passim).”

Entendo ser um equívoco nas mais profundas bases da Teoria Geral do Processo, eis que a execução sofre da inércia, precisa de provocação da parte. Imaginem o réu que venha a falecer antes da propositura da execução e já findado o processo de conhecimento. Haverá, salvo melhor juízo, uma nova relação processual. Ou então mediante a cessão de débito ou crédito como é comum ocorrer em bancos em dissolução, onde aparecem os sucessores.

A dúvida ainda paira, qual o lugar da liquidação em execução provisória?

Primeiro a liquidação “provisória” pode correr independentemente do recurso ter efeito suspensivo ou não, perante o mesmo juízo da “fase” de conhecimento em autos apartados (art..475, § 2º).

Poderá esta estar dentro da execução provisória?

A doutrina mais abalizada afirma que não, por incompatibilidade de ritos e pelas condições do título e a generalidade da sentença, o que macula o título de iliquidez. Bem estando liquidada uma parte nada impede a cisão da liquidação e o ajuizamento da execução nos moldes do artigo 475-O.

Sim, mas sobre “fases”, “incidentes”ou “nova relação processual”?

Questiono: a liquidação também não deve ser provocada para que ocorra? Lembremos da lenta e complexa liquidação por artigos, a qual deve ter amplo contraditório e aparece a antiga questão do fato novo – já tratado por nós em artigo específico neste saite.

Outrossim, vamos relembrar o que seja fato novo:

“Lição completa encontramos em LUIZ GUILHERME MARINONI e SERGIO CRUZ ARENHART: “Entende-se por fato novo o que ficou fora da condenação por não ter sido alegado, em virtude de autorização legal, na fase de conhecimento e que tenha influência direta na apuração do quantum debeatur.

(...)

Portanto, a função da liquidação por artigos é a de permitir o encontro do quantum debeatur da execução a partir de fatos que não puderam e não precisavam se alegados ou provados na fase inicial de conhecimento.” (MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil, volume 3: execução / Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart – São Paulo: Editora RT, 2007, pp.131-132). (grifamos)

Mesmo provados na “fase” de conhecimento os danos e havendo decisão que remeta para liquidação

Na mais pura verdade tratar como fase do processo uno é uma aporia insustentável pela necessidade de citação. “artigo 652 – O executado será citado para, no prazo de três dias, efetuar o pagamento da dívida.”

E o artigo 617:

“Art. 617. A propositura da execução, deferida pelo juiz, interrompe a prescrição, mas a citação do devedor deve ser feita com observância do disposto no art.219.”

Então, retomando o exemplo acima, o banco em liquidação poderá ter um sucessor, que assumiu o passivo e o ativo, o qual é fácil de descobrir consultando o BACEN. A citação será dirigida a quem? Ao sucessor...

Se for dívida que merece simples cálculo aritmético, a liquidação será por cálculo a ser apresentado pelo exeqüente – para agregar nosso pensamento: “art. 475-B. Quando a determinação do valor da condenação depender apenas de cálculo aritmético, o credor requererá o cumprimento da sentença, na forma do artigo 475-J desta lei, instruindo o pedido com memória discriminada e atualizada do cálculo.”

Mas, a liquidação por cálculos em execução provisória não estará dentro desta? Postada na petição feita pelo credor com requerimento de citação em sua carta de sentença (artigo 475-O, §3º)? Mesmo que em execução provisória?

E sobre a liquidação por artigos, não poderá está sofrer cumulação de liquidações diversas. Havendo necessidade de árbitros estará o juiz impedido de nomeá-los? Ora, claro que sim. Sem destoar a base principal que é o rito por artigos.

Vamos mais longe...

Uma vez ajuizada execução por cálculos e fulminada a pretensão por entender a necessidade de outro meio de liquidação, terá coisa julgada perene que impossibilite a realização de cálculos dentro da liquidação por artigos? Com efeitos pan processuais...

Se formos na esteira que sim, haverá um direito sem ação, pois vamos ao seguinte exemplo: João, mestre de obras, caí do andaime e gasta “X” em tratamentos, o empreendedor não lhe forneceu os respectivos EPI´s. Descurado no hospital vai gastando, mas também deixa de ganhar em inúmeras obras a qual tinha sido contratado e outras que poderia ser. Reconhecido o direito, aparece a decisão: “condeno as perdas e danos e lucros cessantes a serem apurados em liquidação.”

Uma vez no processo de conhecimento, trazidos os recibos de despesas e promovida a execução por cálculo, venha esta ser rechaçada e sepultada por entendimento jurisdicional que tudo deva ser por artigos. (Fico inopinado quando há processos onde não há impugnação dos documentos dos danos e remetem para artigo, em total infringência aos artigos 302 e 372 do CPC. Apesar de consolidado que:

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – PREJUÍZOS CAUSADOS AO PROPRIETÁRIO DO VEÍCULO EM REPARO – PAGAMENTO DE FRETE DE ALUGUEL NO PERÍODO – DESPESAS EFETUADAS POR PESSOA JURÍDICA DISTINTA – ACÓRDÃO QUE AFASTOU A ILEGITIMIDADE POR FALTA DE CONTRARIEDADE AOS DOCUMENTOS APRESENTADOS – MATÉRIA CONHECÍVEL DE OFÍCIO. Caso, entretanto, que embora haja sufragado a tese oposta, o acórdão que decidiu os aclaratórios terminou por enfrentar o tema, não se configurando a apontada violação, e, ao assim fazê-lo, baseou-se, para rejeitar a tese da ilegitimidade, no fato de a ré não haver contestado os documentos apresentados como prova, nos termos do art. 302, segunda parte, do CPC. III. Inatacado tal fundamento no recurso especial, hígido restou, nesse tópico o aresto, em face da preclusão. IV. Recurso especial não conhecido. (STJ – RESP 264086 – RJ – 4ª T. – Rel. Min. Aldir Passarinho Junior – DJU 19.11.2001 – p. 00280) JCPC.267 JCPC.267.VI JCPC.267.3 JCPC.302).

FOTOCOPIA NÃO AUTENTICADA EQUIPARA-SE A DOCUMENTO PARTICULAR,

DEVENDO SER SUBMETIDA A CONTRAPARTE, CUJO SILENCIO GERA PRESUNÇÃO DE VERACIDADE (CPC - ART. 372).( REsp 162807 / SP, Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Primeira turma do STJ, DJ 29.06.1998 p. 70)

Ora, só resta dentro da liquidação por artigos cálculo aritmético, pois provados os danos poderá serem apurados por cálculo sem necessidade de novo contraditório – eis que está no espírito das reformas – agora tudo é um processo só, salvo sentenças determinativas ou as que realmente necessitem provar fato novo. Pois, “art.475-G. É defeso, na liquidação, discutir de novo a lide ou modificar a sentença que a julgou.” Artigo cansativamente violado pelo indigitado devedor que está no seu direito de defesa...

Vistos os mesmos documentos que ensejaram a execução provisória, diga-se, a qual poderá ser liquidada por artigos, visto que a lei não proíbe que a liquidação ali esteja, senão teríamos novamente um incidente e não destoa da tão almejada economia de atos, é caso de apreciação novamente se há danos que possam ser liquidados por cálculo e a cisão do processo. Dando à parte vencedora seu bem da vida.

O que tento expor é o que trinômio ação, processo e procedimento não ficaram claros, com todo o respeito, aos luminares do direito processual civil, eis que axiologicamente há um direito maior: a celeridade processual e o princípio pas de nullité sans grief sem arranhar as bases da Teoria Geral do Processo.

Não coaduno com a competência absoluta do juiz que julgou a causa ter em seu poder a execução. Será que seria mais salutar ter varas especializadas para essa “fase”? Com contador próprio no cartório? A meu ver não é um problema de jurisdição e sim de organização.

Enfim, as reformas agregaram vantagens. Mas, caíram novamente no vício do nominalismo e frustrada a tal unidade de um processo sintético, sumário em sua essência. Nada mudou na parte que é o chamado tendão de aquiles do processo: a execução. Ainda mais a provisória.

 

Cláudio Sinoé Ardenghy dos SantosAdvogadoMestre em processo civil pela PUCRS


SANTOS, Cláudio Sinoé Ardenghy dos Santos. Liquidação e execução provisória – algumas ponderações. Revista Páginas de Direito, Porto Alegre, ano 7, nº 655, 12 de Outubro de 2007. Disponível em: https://paginasdedireito.com.br/artigos/todos-os-artigos/liquidacao-e-execucao-provisoria-algumas-ponderacoes.html
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Editores: 
José Maria Tesheiner
(Prof. Dir. Proc. Civil PUC-RS Aposentado)

Mariângela Guerreiro Milhoranza da Rocha

Advogada e Professora Universitária

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