29.09.14 | Ana Cecília Elvas Bohn, Maria Leonildes Boavista Gomes Castelo Branco Marques, Thiago Henrique Costa Marques

O PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA E A EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

RESUMO

O presente trabalho parte inicialmente de uma distinção entre os termos “direitos humanos” e “direitos fundamentais” para, posteriormente, verificar que o pagamento dos tributos constitui-se num dever fundamental dos cidadãos necessário à concretização destes. Dentre as classificações existentes para as diversas espécies de impostos, enfatiza-se a que os classifica em impostos diretos e indiretos, tendo em vista que o objetivo deste trabalho é verificar que o princípio da capacidade contributiva decorre do princípio da igualdade contribuindo, assim, para a efetivação dos direitos fundamentais e que tal princípio aplica-se diretamente aos impostos diretos, sendo que em relação aos impostos indiretos, o princípio da igualdade é efetivado através do princípio da seletividade.

Palavras-chave: Direitos fundamentais: Princípio da capacidade contributiva: Princípio da Igualdade: Impostos diretos e indiretos: Princípio da seletividade.

1 – INTRODUÇÃO

 : : : : : : O presente trabalho tem por objetivo fazer uma abordagem acerca da aplicação do princípio da capacidade contributiva aos impostos indiretos, bem como verificar se o mesmo decorre do princípio da igualdade, contribuindo para a efetivação dos direitos fundamentais.

 : : : : : : Assim, num primeiro momento, parte-se da distinção dos termos “direitos humanos” e “direitos fundamentais” para, em seguida, verificar-se a evolução histórica destes.

 : : : : : : Feitas essas considerações, passa-se a abordar a questão do pagamento dos tributos como dever do cidadão necessário à concretização dos direitos fundamentais, tendo em vista a escassez de recursos do Estado.

 : : : : : : Em seguida, far-se-á referência à classificação dos impostos em diretos e indiretos, conforme a possibilidade de transferência do ônus da carga tributária do contribuinte de direito para o contribuinte de fato.

 : : : : : : A partir disso, passar-se-á ao estudo do princípio da capacidade contributiva, buscando-se verificar sua aplicabilidade aos impostos indiretos (ICMS e IPI), vez que estes não levam em consideração, na sua plenitude, a condição pessoal dos que de fato contribuem.

 : : : : : : Por fim, abordar-se-á a seletividade, que é considerada para alguns autores como técnica de aplicação do princípio da capacidade contributiva e, para outros, afigura-se como sub-princípio do princípio da igualdade, da mesma forma que o princípio da capacidade contributiva.

2 – DIREITOS HUMANOS E DIREITOS FUNDAMENTAIS

 : : : : : : Antes de adentrar especificamente no tema do princípio da capacidade contributiva e a efetivação dos direitos fundamentais, é importante fazer uma distinção terminológica entre o significado dos termos “direitos humanos” e “direitos fundamentais”.

Os direitos humanos são os direitos que se reconhecem ao ser humano, enquanto tal e que se encontram previstos em documentos de direito internacional. Já os direitos fundamentais são aqueles direitos que se encontram positivados no direito constitucional positivo de determinado país. Nesse sentido, a lição de Ingo Wolfgang Sarlet:

“Em face dessas constatações, verifica-se, desde já, que as expressões “direitos fundamentais” e “direitos humanos”(ou similares), em que pese sua habitual utilização como sinônimas, se reportam, por várias possíveis razões, a significados distintos. No mínimo, para os que preferem o termo “direitos humanos”, há que referir – sob pena de correr-se o risco de gerar uma série de equívocos – se eles estão analisados pelo prisma do direito internacional ou na sua dimensão constitucional positiva”. (SARLET, 2012,P.35)

 : : : : : : Assim, infere-se que é possível haver direitos humanos que não estejam consagrados em determinado ordenamento constitucional como direitos fundamentais, bem como pode haver direito previsto como fundamental na ordem jurídica interna de um Estado que não tenha previsão em documento internacional.

3 – DIMENSÕES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

 : : : : : : Para uma melhor compreensão dos direitos fundamentais, faz-se necessário primeiramente abordar sua evolução histórica.

 : : : : : : Fala-se muito em gerações dos direitos fundamentais, sendo consensual a existência de três gerações. No entanto, existem autores que chegam a mencionar quarta e quinta gerações, mas que não serão objeto de estudo neste trabalho.

 : : : : : : Cada geração representa um conjunto de direitos que foram institucionalizados em um determinado momento histórico. Cabe registrar que o termo geração vem sendo substituído pelo termo dimensão, tendo em vista que o uso da palavra geração passa uma noção inadequada de que os direitos de uma geração teriam sido substituídos pelo da geração posterior, o que não corresponde à realidade, uma vez que o reconhecimento de novos direitos não ocasiona a substituição dos direitos já reconhecidos. Ao contrário, o que ocorre é que os novos direitos aumentam o número de direitos reconhecidos, de forma que é preferível o uso do termo dimensão, tendo em vista que a palavra geração transmite a ideia de substituição de algo antigo por algo novo, o que não ocorre no processo evolutivo dos direitos fundamentais.

Os direitos fundamentais de primeira dimensão surgiram após as revoluções francesa e americana, com a finalidade de limitar a atuação do Estado em relação ao indivíduo, sendo o indivíduo o paradigma para ocupar sua titularidade. São os direitos de liberdade: direitos civis e políticos, que surgiram com a transição do Estado Absolutista para o Estado Liberal de Direito.

Com o acelerado processo de industrialização, começou-se a reivindicar do Estado que atuasse de forma positiva. Surgem, assim, os direitos fundamentais de segunda dimensão, os quais compreendem os direitos de igualdade, que são os direitos sociais, econômicos e culturais, frutos da transição do Estado Liberal para o Estado Social. A característica principal desses direitos consiste no fato de terem natureza prestacional, ou seja, obrigam o Estado a intervir positivamente no domínio econômico, implementando políticas públicas, com a finalidade de proporcionar um bem estar social.

Os direitos de terceira dimensão são fruto do pós-segunda guerra mundial, compreendendo os direitos da fraternidade ou solidariedade, caracterizando-se por serem direitos difusos, os quais têm por característica o fato de sua titularidade ser ocupada por um grupo ou coletividade, de modo que não é possível determinar seu titular.

Verifica-se, assim, que os direitos das três primeiras dimensões correspondem, respectivamente, aos ideais da Revolução Francesa: liberdade, igualdade e fraternidade.

4– O DEVER FUNDAMENTAL DE PAGAR TRIBUTOS

Feitas as devidas considerações acerca dos direitos fundamentais, vale salientar que existe o problema da escassez de recursos do Estado para a implementação das políticas públicas necessárias à concretização desses direitos.

Assim, com a crescente constitucionalização dos direitos que passaram a usufruir do status de direitos fundamentais, especialmente em relação aos direitos econômicos, sociais e culturais (direitos de segunda dimensão que exigem uma atitude positiva do Estado), impõe-se a questão de verificar a importância dos deveres fundamentais.

Dessa forma, o Estado passou a estabelecer deveres a serem cumpridos pelos indivíduos como contrapartida à prestação dos direitos fundamentais. Nessa perspectiva, o pagamento de tributos corresponde a um dever fundamental dos cidadãos, de modo que os Estados se utilizam das receitas derivadas do pagamento dos tributos para o custeio dos direitos fundamentais. Como explica Marciano Buffon:

“Enfim, o dever fundamental de pagar tributos, no âmbito de um Estado Democrático de Direito, corresponde a uma condição de possibilidade de existência desse próprio modelo de Estado. Isso se dá porque a realização dos direitos fundamentais de cunho social, econômico e cultural é requisito para o reconhecimento, num plano concreto, do denominado Estado, sendo que este não prescinde do cumprimento do referido dever fundamental”. (BUFFON, 2009, p.94)

Assim, conforme afirmado acima, o pagamento de tributos se constitui num dever fundamental, servindo para a concretização dos direitos fundamentais, de forma que, diante da escassez dos recursos, pode-se afirmar que a tributação permite, inclusive, o alargamento da reserva do possível. Nesse sentido, Paulo Caliendo afirma:

“(...)a tributação como forma de alargamento da reserva do possível. Neste caso a tributação fornece os elementos para que os direitos fundamentais sejam realizados, expandindo a esfera de possibilidades de cumprimento desses direitos”. (CALIENDO, 2009, p.213)

5 - IMPOSTOS DIRETOS E INDIRETOS

O Estado se encontra investido do poder de soberania para obter das pessoas que lhe são subordinadas as contribuições pecuniárias necessárias à realização de suas atividades, às quais devem ser prestadas pelos cidadãos de forma compulsória. É o chamado poder de tributar do Estado.

Dentre as espécies tributárias, destaca-se o imposto, cujo conceito encontra-se previsto no Código Tributário Nacional, que dispõe em seu art. 16:

“Art. 16. Imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte”.

 : : : : : : Verifica-se, portanto, que o fato gerador do imposto não se encontra vinculado a nenhuma atividade estatal específica do Poder Público, consistindo numa prestação em dinheiro, exigida coativamente pelo Estado, de todos que estiverem sujeitos à sua soberania e que tenham capacidade contributiva, sem que seja assegurada qualquer vantagem ou serviço público específico.

 : : : : : : São várias as classificações existentes em relação aos impostos. No entanto, a abordagem aqui feita se restringirá à que divide os impostos em diretos e indiretos, tendo em vista que será objeto de verificações a aplicação do princípio da capacidade contributiva a tais impostos.

 : : : : : : Vale destacar o ensinamento de Luiz Emygdio F. da Rosa Júnior relativo à classificação dos impostos em diretos e indiretos:

“Tendo-se presente o fenômeno econômico da translação ou repercussão dos tributos, impostos diretos são aqueles que, por sua natureza, não comportam a transferência da carga tributária do contribuinte obrigado por lei ao seu pagamento (contribuinte de direito) para o contribuinte de fato (pessoa não obrigada por lei ao pagamento), mas que suporta o ônus tributário. Impostos indiretos são aqueles que, por sua natureza, se prestam à repercussão, podendo o ônus tributário ser transferido pelo contribuinte designado pela lei (contribuinte de direito) para outra pessoa que suportará, em definitivo, e ao final do processo econômico de circulação de riquezas, a carga tributária (contribuinte de fato). Por esse critério são impostos diretos o IR, o IPTU, o ITR, o ITCMD, o IPTU etc, enquanto são impostos indiretos o IPI, o ICMS etc.” (ROSA JUNIOR, 2012, p.69)

6 – O PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA E A EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

O princípio da capacidade contributiva se encontra expresso no § 1 º do art. 145 da Constituição Federal que assim determina:

“Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.”

Apesar de a Constituição Federal ter utilizado a expressão capacidade econômica, verifica-se que os termos capacidade contributiva e capacidade econômica não são sinônimos, embora não raro os autores os tratem como se fossem. Com efeito, somente é possível falar-se em capacidade econômica, onde exista patrimônio. Todavia, muitas vezes, esse patrimônio pode não expressar capacidade contributiva, vez que destinado somente à satisfação das necessidades básicas do contribuinte, de forma que a riqueza será insuficiente para suportar o gravame tributário. Nesse exato sentido, as lições de MOSCHETTI, Francesco apud VALADÃO, Alexsander:

“...capacidad contributiva no es, por tanto, toda manifestación de riqueza, sino sólo aquella potencia económica que debe juzgarse idónea para concurrir a los gastos públicos, a la luz de las fundamentales exigências económicas y sociales acogidas em nuestra Constitución”. (VALADÃO, 2013, p. 58/59)

Assim infere-se que se trata exatamente de proteção ao mínimo vital, de forma que a capacidade econômica é anterior à capacidade contributiva, a qual somente se configurará, quando aquela ultrapassar um mínimo necessário à subsistência da pessoa. Vale destacar, nessa direção, o ensinamento de TIPKE, Klaus apud VALADÃO, Alexsander Roberto Alves:

“O princípio da capacidade contributiva atinge apenas a renda disponível para o pagamento dos impostos. A base de cálculo deve ser reduzida também por aquilo que o cidadão forçosamente tiver que gastar para fins privados. Nenhum imposto pode entrar no mínimo existencial. A capacidade contributiva termina, de todo o modo, onde começa o confisco que leva à destruição da capacidade contributiva”. (VALADÃO, 2013, p. 64)

Verifica-se, dessa forma, que a capacidade contributiva começa a partir do mínimo necessário para uma existência digna, devendo-se levar em conta que um dos fundamentos da República Federativa do Brasil é o princípio da dignidade humana e tem por limite o confisco da propriedade, vez que a tributação não pode ser destruidora desta.

Nos termos do dispositivo constitucional acima transcrito, os impostos “sempre que possível” terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte. Surgem, então, as seguintes questões: É possível que todos os impostos tenham caráter pessoal e sejam graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte? O princípio da capacidade contributiva se aplica da mesma forma aos impostos diretos e indiretos?

Para responder a esses questionamentos, faz-se necessário estabelecer as distinções entre os conceitos de proporcionalidade, progressividade e seletividade, observando-se que existem divergências entre os autores quanto aos mesmos:

a)Proporcionalidade

De acordo com a técnica da proporcionalidade, aplica-se a mesma alíquota para base de cálculo diferentes. Para Roque Carrazza, a proporcionalidade atrita com o princípio da capacidade contributiva:

“Lembramos, de passagem, que a progressividade não se confunde com a proporcionalidade. Esta atrita com o princípio da capacidade contributiva, porque faz com que pessoas economicamente fracas e pessoas economicamente fortes paguem impostos com a mesma alíquota. É claro que, se a base de cálculo do imposto a ser pago pelo economicamente mais forte for maior do que a base de cálculo do imposto a ser pago pelo economicamente mais fraco, o quantum debeatur do primeiro será maior. Mas isto desatende ao princípio da capacidade contributiva, porque ambos estão pagando, em proporção, o mesmo imposto. Não se está levando em conta a capacidade econômica de cada qual”. (CARRAZZA, 2013,p.65)

 : : : : : : No entanto, a opinião não é unânime, havendo quem defenda que o princípio da capacidade contributiva pode sim ser realizado pela técnica da proporcionalidade porque o valor final que será recolhido é diferente, ou seja, para bases de cálculo diferentes, haverá valores diferentes, o que garante a realização do princípio da igualdade.

b)Progressividade

Ao contrário da técnica da proporcionalidade, a técnica da progressividade significa a aplicação de alíquotas variadas, cujo aumento se dá na medida em que se majora a base de cálculo do gravame.

No livro O Mito da propriedade, Liam Murphy e Thomas Nagel (2005) debatem acerca da ideia da igualdade de sacrifícios, de forma que as pessoas mais endinheiradas podem se dar ao luxo de se desfazer de mais dinheiro, pois mesmo que façam um sacrifício real maior, a quantia que irá sobrar também será maior, de forma que elas ainda serão mais ricas do que os que tinham menos desde o começo.

Sendo assim, de acordo com o princípio da igualdade de sacrifícios, o justo esquema tributário pede que os que têm mais arquem com a mesma perda de bem-estar, de forma que o custo real e não o custo monetário seja o mesmo para todos.

Paulo Caliendo (2009) fala, ainda, numa concepção mais radical, na qual deva existir uma tributação progressiva em níveis crescentes de redistribuição de renda, sendo essa teoria denominada de “princípio do sacrifício cada vez maior”, de acordo com a qual deve ser estabelecida uma política de distribuição de renda, retirando cada vez mais dos mais ricos e transferindo para os mais pobres.

c)Seletividade

A progressividade não deve ser confundida com a seletividade. O imposto é seletivo quando as alíquotas são diferentes para objetos diferentes como acontece com o ICMS e o IPI que deverão ter alíquotas diferenciadas de acordo com a essencialidade do produto, de forma que na seletividade não importa o sujeito e sim o objeto da tributação, sendo adequada para os impostos indiretos.

As alíquotas variam na razão inversa da essencialidade do bem, de forma que quanto menos essencial for o bem, maior será a alíquota.

A questão que se apresenta aqui é se a seletividade é uma forma de concretização do princípio da capacidade contributiva nos impostos indiretos, ou se juntamente com referido princípio, é uma forma de concretização do princípio da igualdade.

Conforme dito acima, não há unanimidade entre os autores acerca dessa questão. Uns entendem que o princípio da capacidade contributiva e o princípio da seletividade são subprincípios do princípio da igualdade. Nesse sentido (FERREIRA, Abel Henrique apud PAULSEN, Leandro:

“(...)o princípio da capacidade contributiva e o princípio da seletividade são subprincípios do princípio da igualdade, e serão aplicados um ou outro de acordo com o tipo de imposto. Nos impostos sobre a renda e rendimentos, deve ser aplicado o princípio da capacidade contributiva: nos impostos sobre a produção e consumo, o princípio da seletividade, de acordo com a essencialidade de cada bem produzido ou comercializado”. ( PAULSEN, 2012, p.51)

 : : : : : : Já outros autores entendem que a seletividade constitui-se, juntamente com a progressividade e a proporcionalidade, como técnica de aplicação do princípio da capacidade contributiva, tratando-se de um mecanismo onde as alíquotas do tributo são selecionadas de acordo com o objeto tributado, sendo que o parâmetro utilizado é a essencialidade do produto. É o caso de Vinícius Casalino:

“Assim, como regra, a seletividade das alíquotas de acordo com a essencialidade do produto ou mercadoria realiza o princípio da capacidade contributiva. Alíquotas maiores para mercadorias supérfluas tendem a atingir os consumidores com elevada capacidade contributiva. Alíquotas menores para produtos essenciais tendem a atingir consumidores com menor capacidade contributiva”. (CASALINO, 2012, p. 123)

 : : : : : : Em relação ao ICMS (de competência privativa dos Estados), a Constituição Federal determina no art. 155, § 2º, III que “poderá ser seletivo, em função das mercadorias e dos serviços”. E, em relação ao IPI (de competência privativa da União), a Constituição estabelece no art. 153, § 3º, I que “será seletivo, em função da essencialidade do produto”.

 : : : : : : Conforme explicitado acima, esta categoria de tributos comporta a transferência do respectivo encargo financeiro, nos moldes definidos no art. 166 do Código Tributário Nacional, sendo, portanto, chamados de impostos indiretos.

 : : : : : : No caso desses impostos que oneram o consumo, o que se percebe é que não existe uma forma de mensurar a capacidade econômica do contribuinte, tendo em vista que não há como saber quem será o destinatário final do produto ou do serviço. É evidente que existem certos produtos e serviços, cujo consumo demonstra elevada capacidade contributiva, como é o caso de automóveis de luxo, iates, joias, etc.

 : : : : : : Sendo assim, para minimizar os efeitos dessa transferência do ônus tributário, a Constituição determina que seja observado o princípio da seletividade em relação a esses impostos indiretos (ICMS e IPI), determinando que a tributação seja feita de forma inversamente proporcional à essencialidade do produto onerado.

 : : : : : : Verifica-se, dessa forma, que apesar de não ser possível aferir ao certo a capacidade contributiva do verdadeiro contribuinte, na medida em que se impõe uma alíquota menor para os produtos que compõem a cesta básica e uma alíquota maior para os produtos supérfluos, presume-se que o consumidor de produtos supérfluos seja detentor de maior riqueza.

 : : : : : : No entanto, a capacidade contributiva do contribuinte de fato não poderá ser aferida, porque no momento da aquisição do produto, todos suportam o mesmo imposto, uma vez que o preço é o mesmo.

 : : : : : : Observa-se, assim, que nos impostos indiretos, o princípio da igualdade é perseguido através do princípio da seletividade tendo em vista a impossibilidade de aplicação direta do princípio da capacidade contributiva.

 : : : : : : Vale destacar a interpretação de J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira ao comentarem a Constituição da República Portuguesa:

“Os impostos indirectos, e entre eles os impostos sobre o consumo (nº 4, são de natureza irredutivelmente real (incidem sobre coisas independentemente das pessoas). No entanto, é possível (e exigido pela Constituição) personalizar indirectamente a incidência dos impostos de consumo (impostos sobre o rendimento consumido), estatuindo isenções e diversificando as taxas (ou colectas) por tipos de bens. Note-se que os impostos de consumo, sendo pagos por todos independentemente da condição económica e social de cada um, agravam mais fortemente os titulares de menores rendimentos do que os mais ricos, pois é maior o peso relativo do consumo no rendimento dos primeiros.

Estabelecendo como parâmetro da tributação do consumo a adaptação deste à <:evolução das necessidades de desenvolvimento econômico>:, a Constituição menciona por uma única vez as determinantes económicas da política fiscal (crf. Supra, nota IV ao art. 103º). Além disso, a tributação do consumo deve contribuir para a <:justiça fiscal>:, devendo onerar os consumos de luxo>:. De facto, para ter em conta a justiça social, a tributação de consumo tanto pode desonerar o consumo dos bens supérfluos ou de luxo, sendo esta um imposição constitucional”. (CANOTILHO E MOREIRA, 2007, p. 1101)

 : : : : : : Destaca-se que o princípio da capacidade contributiva tem por alicerce o princípio da igualdade, de forma que sua aplicação constitui efetivação desse direito fundamental, na medida em que possibilita aos cidadãos pagarem os tributos apenas na proporção de suas riquezas, a fim de atingir a tão almejada justiça fiscal.

 : : : : : : É importante registrar, inclusive, o estudo doutrinário de Carlos Palao Taboada, professor catedrático da Universidade Autônoma de Madri, citado por VALADÃO (2013) ao fazer a análise da evolução doutrinária da relação existente entre a igualdade e a capacidade contributiva, no qual ele afirma que este princípio poderia perfeitamente desaparecer do texto constitucional, sem que isso chegasse a diminuir as garantias dos contribuintes, vez que o respeito ao princípio da igualdade já seria suficiente para garantir a distribuição da carga tributária entre as pessoas.

7 - CONCLUSÃO

Verifica-se que o princípio da capacidade contributiva decorre da capacidade econômica dos cidadãos em pagar tributos, mas com ela não se confunde, vez que tem como limites o mínimo existencial e o não-confisco. Significa que cada cidadão deve contribuir para os gastos públicos, na medida de suas possibilidades.

O pagamento dos tributos constitui-se em dever fundamental do cidadão necessário à concretização dos direitos fundamentais, em especial dos direitos fundamentais de segunda dimensão, que exigem uma atitude prestacional do Estado.

Observa-se que a capacidade contributiva deveria ser analisada a partir da totalidade da riqueza de cada contribuinte em face da totalidade dos tributos que são suportados por ele. No entanto, em matéria tributária, ela é avaliada objetivamente em relação a cada um dos tributos.

Assim, para a efetivação do princípio da igualdade, o legislador, ao normatizar cada tributo deverá eleger fatos que objetivamente façam presumir a riqueza do contribuinte exteriorizando sua capacidade contributiva.

A aplicação do princípio da capacidade contributiva é uma das formas de possibilitar a efetivação dos direitos fundamentais e tal aplicação decorre diretamente do princípio da igualdade, juntamente com o princípio da seletividade.

No entanto, o princípio da capacidade contributiva nos impostos diretos se efetiva através da progressividade, a qual consiste na aplicação de alíquotas maiores para pessoas detentoras de maior riqueza.

Já, com relação aos impostos indiretos, como já foi explicado, não há possibilidade de aplicação direta do princípio da capacidade contributiva, de forma que o princípio da igualdade se efetiva através do princípio da seletividade.

8 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BUFFON, Marciano. Tributação e dignidade humana: entre os direitos e deveres fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009.

BRANCO, Paulo Gonet. Tributação e direitos fundamentais/ coords. Paulo Gonet Branco,Liziane Angelotti Meira e Celso de Barros Correia Neto. – São Paulo: Saraiva, 2012 – (Série IDP).

CALIENDO, Paulo. Direito Tributário e análise econômica do Direito: uma visão crítica. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.

CANOTILHO, J.J. Gomes. Constituição da República Portuguesa anotada, volume 1 – JJ. Gomes Canotilho, Vital Moreira. 1.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais: Coimbra, PT: Coimbra Editora, 2007.

CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29. ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2013.

CASALINO, Vinícius. Teoria geral e direito constitucional tributário: Curso de direito tributário e processo tributário, volume I. São Paulo: Editora dos Tribunais, 2012.

MURPHY, Liam. O mito da propriedade: os impostos e a justiça/Liam Murphy e Thomas Nagel: tradução Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

PAULSEN, Leandro. Direito tributário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. 14.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora: ESMAFE, 2012.

ROSA JUNIOR, Luiz Emygdio F. da. Manual de direito tributário. 2.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2012.

SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário. São Paulo: Saraiva, 2009.

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 11. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012.

VALADÃO, Alexsander Roberto Alves. Espécies tributárias e o mínimo existencial: contributo para o desenvolvimento de um estado fiscal sustentável. Curitiba: Juruá, 2013.

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Ana Cecília Elvas Bohn[1]

Maria Leonildes Boavista Gomes Castelo Branco Marques[2]

Thiago Henrique Costa Marques[3]

[1] Graduada pela Universidade Federal de Pernambuco-UFPE. Especialista em Direito Processual pela Universidade Federal de Santa Catarina- UFSC, Especialista em Direito Fiscal e Tributário pela Universidade Cândido Mendes – UCAM, Mestranda na Pontificia Universidade Católica do Rio Grande do Sul em Direito. Procuradora do Estado do Piauí. Email:anacbohn@yahoo.com.br

[2] Graduada em direito pelo Centro Universitário UNINOVAFAPI. Especialista em Direito Público pela Escola Superior da Magistratura do Piauí-ESMEPI. Especialista em Direito Privado pela Escola Superior da Magistratura do Piauí-ESMEPI. Mestranda na Pontificia Universidade Católica do Rio Grande do Sul em Direito. Professora de Direito na Faculdade Tecnológica do Piauí – FATEPI. nildescb@hotmail.com

[3] Doutor em Biotecnologia pela Universidade Federal do Piauí – UFPI. Mestre em Farmacologia pela Universidade Federal do Piauí – UFPI. Especialista em Psiquiatria pela Universidade Federal do Piauí – UFPI. Especialista em Atenção Psicossocial pela Universidade Federal do Piauí – UFPI. Médico do Instituto Federal do Piauí –IFPI. thiagohenriquemarques@gmal.com


BOHN, Ana Cecília Elvas Bohn; MARQUES, Maria Leonildes Boavista Gomes Castelo Branco Marques; MARQUES, Thiago Henrique Costa Marques. O PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA E A EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS. Revista Páginas de Direito, Porto Alegre, ano 14, nº 1178, 29 de Setembro de 2014. Disponível em: https://paginasdedireito.com.br/artigos/todos-os-artigos/o-principio-da-capacidade-contributiva-e-a-efetivacao-dos-direitos-fundamentais.html
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Editores: 
José Maria Tesheiner
(Prof. Dir. Proc. Civil PUC-RS Aposentado)

Mariângela Guerreiro Milhoranza da Rocha

Advogada e Professora Universitária

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