06.06.05 | Ana Laura González Poittevin

O Supremo Tribunal Federal como órgão supremo sui generis do estado

Ana Laura González :Poittevin [1]

 

A proposta II, de :Friedrich :Muller :[2] , faz parte de um total de 10 (dez), :visando a uma reforma substancial do Poder Judiciário, emancipando-o do Poder Executivo. Está vinculada à primeira, qual seja, a de transformação do STF em corte constitucional.

O autor defende a autonomia do Poder Judiciário, mais especificamente, do Supremo Tribunal Federal. :Afirma que o STF deve ser criado e mantido como órgão supremo :sui generis do Estado.Aplaude o artigo 99 da Constituição Federal, por ter previsto autonomia administrativa e financeira à Corte Suprema. Centra-se no controle externo da administração financeira do Judiciário, sustentando que ele não deveria ser introduzido em relação ao STF. Preconiza o afastamento da preponderância do Poder Executivo na escolha dos juízes.

Cabe discorrer brevemente acerca do que se entende por Corte Constitucional.

O Tribunal Constitucional é :um órgão constitucional, institucional e funcionalmente autônomo. :[3]

Não tem apenas função jurisdicional, mas política também, na verdade uma função de conformação política. Suas decisões são dotadas de grande força política, uma vez que decidem questões constitucionais de especial sensibilidade e têm influência determinante junto a outros tribunais. :[4]

Diz :Canotilho: Os problemas :contitucionais, num Estado de direito democrático, são irredutíveis a “questões jurídicas puras” ou a “questões políticas juridicamente disfarçadas”. A dimensão política e a dimensão jurídica são as duas dimensões necessárias e incindíveis das questões constitucionais. [5]

O controle abstrato de constitucionalidade das normas tampouco é função jurisdicional propriamente dita, tendo a natureza de legislação negativa.

O Tribunal Constitucional não é um outro tribunal qualquer. Tem função :sui generis, em razão das decisões políticas que profere e de sua função “legislativa” :[6] , tendo também :status e competência diversa dos outros tribunais.

Faz parte do Poder Judiciário, mas com um papel diferenciado, por isso a expressão :sui generis.

Ao defender a transformação do Supremo Tribunal Federal em órgão :sui generis do Estado, :Müllerpreconiza a criação de uma Corte Constitucional, nos moldes de sua proposta de número I.

Ao falar da autonomia administrativa e financeira do STF, o autor refere o artigo 99, da Constituição Federal. Mas ele sofreu alterações importantes com a emenda constitucional nº 45, de 08/12/2004, limitando a referida autonomia. :Foram acrescentados os parágrafos 3º, 4º e 5º ao artigo.

Art. 99. Ao Poder Judiciário é assegurada autonomia administrativa e financeira.

§ 1º - Os tribunais elaborarão suas propostas orçamentárias dentro dos limites estipulados conjuntamente com os demais Poderes na lei de diretrizes orçamentárias.

§ 2º - O encaminhamento da proposta, ouvidos os outros tribunais interessados, compete:

I - no âmbito da União, aos Presidentes do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores, com a aprovação dos respectivos tribunais:

II - no âmbito dos Estados e no do Distrito Federal e Territórios, aos Presidentes dos Tribunais de Justiça, com a aprovação dos respectivos tribunais.

§ 3º Se os órgãos referidos no § 2º não encaminharem as respectivas propostas orçamentárias dentro do prazo estabelecido na lei de diretrizes orçamentárias, o Poder Executivo considerará, para fins de consolidação da proposta orçamentária anual, os valores aprovados na lei orçamentária vigente, ajustados de acordo com os limites estipulados na forma do § 1º deste artigo. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

§ 4º Se as propostas orçamentárias de que trata este artigo forem encaminhadas em desacordo com os limites estipulados na forma do § 1º, o Poder Executivo procederá aos ajustes necessários para fins de consolidação da proposta orçamentária anual. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

§ 5º Durante a execução orçamentária do exercício, não poderá haver a realização de despesas ou a assunção de obrigações que extrapolem os limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias, exceto se previamente autorizadas, mediante a abertura de créditos suplementares ou especiais. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

Nota-se um controle claro do Poder Executivo sobre o orçamento do Poder Judiciário, contrariamente ao que preconiza o Autor.

Ademais, a EC 45 introduziu o artigo 103-B à Constituição Federal, criando um claro controle externo do Poder Judiciário, ao menos nas matérias administrativa e financeira, através do Conselho Nacional de Justiça, composto de 15 membros escolhidos entre o próprio STF, STJ, TST, TJ, TRF, TRT, juízes estaduais, federais e do trabalho, Ministério público da União, Ministério público estadual, advogados e cidadãos de notável saber jurídico e reputação ilibada. Compete ao referido conselho, o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário, entre outras atribuições.

Art. 103-B. O Conselho Nacional de Justiça compõe-se de quinze membros com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e seis anos de idade, com mandato de dois anos, admitida uma recondução, sendo: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

I um Ministro do Supremo Tribunal Federal, indicado pelo respectivo tribunal:

II um Ministro do Superior Tribunal de Justiça, indicado pelo respectivo :tribunal:

III um Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, indicado pelo respectivo :tribunal:

IV um desembargador de Tribunal de Justiça, indicado pelo Supremo Tribunal :Federal:

V um juiz estadual, indicado pelo Supremo Tribunal :Federal:

VI um juiz de Tribunal Regional Federal, indicado pelo Superior Tribunal de :Justiça:

VII um juiz federal, indicado pelo Superior Tribunal de :Justiça:

VIII um juiz de Tribunal Regional do Trabalho, indicado pelo Tribunal Superior do :Trabalho:

IX um juiz do trabalho, indicado pelo Tribunal Superior do Trabalho:

X um membro do Ministério Público da União, indicado pelo Procurador-Geral da :República:

XI um membro do Ministério Público estadual, escolhido pelo Procurador-Geral da República dentre os nomes indicados pelo órgão competente de cada instituição estadual:

XII dois advogados, indicados :pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil:

XIII dois cidadãos, de notável saber jurídico e reputação ilibada, indicados um pela Câmara dos Deputados e outro pelo Senado Federal.

§ 1º O Conselho será presidido pelo Ministro do :Supremo Tribunal Federal, que votará em caso de empate, :ficando excluído da distribuição de processos naquele tribunal.

§ 2º Os membros do Conselho serão nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal.

§ 3º Não efetuadas, no prazo legal, as indicações previstas neste artigo, caberá a escolha ao Supremo Tribunal Federal.

§ 4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da :Magistratura:

I - zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências:

II - zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário, podendo :desconstituílos, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da competência do Tribunal de Contas da União:

III receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do poder :público ou oficializados, sem prejuízo da competência disciplinar e :correicional :dos tribunais, podendo avocar processos disciplinares em curso e determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa:

IV representar ao Ministério Público, no caso de crime contra a administração pública ou de abuso de :autoridade:

V rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano:

VI elaborar semestralmente relatório estatístico sobre processos e sentenças prolatadas, por unidade da Federação, nos diferentes órgãos do Poder Judiciário:

VII elaborar :relatório anual, propondo as providências que julgar necessárias, sobre a situação do Poder Judiciário no País e as atividades do Conselho, o qual deve integrar mensagem do Presidente do Supremo Tribunal Federal a ser remetida ao Congresso Nacional, por ocasião da abertura da sessão legislativa.

§ 5º O Ministro do Superior Tribunal de Justiça exercerá a função de Ministro-Corregedor e :ficará excluído da distribuição de processos no Tribunal, competindo-lhe, além das atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura, as seguintes:

I receber as reclamações e denúncias, de :qualquer interessado, relativas aos magistrados e aos serviços judiciários:

II exercer funções executivas do Conselho, de inspeção e de correição geral:

III requisitar e designar magistrados, delegando-lhes atribuições, e requisitar servidores de juízos ou tribunais, inclusive nos Estados, Distrito Federal e Territórios.

§ 6º Junto ao Conselho oficiarão o Procurador-Geral da República e o Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.

§ 7º A União, inclusive no Distrito Federal e nos Territórios, criará :ouvidorias :de justiça, competentes para receber reclamações e denúncias de qualquer interessado contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, ou contra seus serviços auxiliares, representando diretamente ao Conselho Nacional de Justiça.

A proposta do Autor de um STF com autonomia plena, sem qualquer controle por parte do Poder Executivo, já foi superada :pela :EC/45.

Penso que o controle externo administrativo e financeiro é necessário e não retira a autonomia do STF. Não há porque defender a idéia de um Supremo Tribunal Federal inatingível e inalcançável por qualquer controle.

A autonomia de que padece o STF é a política, ou seja, a forte preponderância do Executivo na escolha dos Ministros e, conseqüentemente, nas decisões, o que poderia ser solucionado pela parte final da proposta do autor, no sentido do afastamento da preponderância do Poder Executivo na escolha dos ministros. Deveria haver uma nova forma de escolha dos ministros, mais democrática e autônoma. Poderia, por exemplo, partir de :inciação :dos diversos órgãos que compõem o recém criado Conselho Nacional de Justiça.

[1] Advogada, Especialista em Processo Civil pela UNISINOS e Mestranda em Direito pela :PUC/RS.

[2] MULLER, :Friedrich. Dez propostas para a reforma do judiciário na República Federativa do Brasil, Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica, Porto Alegre, n. :3, 2005.

[3] CANOTILHO, J.J. Gomes. :Direito Constitucional e Teoria da Constituição, p. 591.

[4] CANOTILHO, J.J. Gomes. :Direito Constitucional e Teoria da Constituição, p. 594.

[5] CANOTILHO, J.J. Gomes. :Direito Constitucional e Teoria da Constituição, p. 592.

[6] CANOTILHO, J.J. Gomes. :Direito Constitucional e Teoria da Constituição, p. 592.

 

 

 


POITTEVIN, Ana Laura González Poittevin. O Supremo Tribunal Federal como órgão supremo sui generis do estado. Revista Páginas de Direito, Porto Alegre, ano 5, nº 266, 06 de Junho de 2005. Disponível em: https://paginasdedireito.com.br/artigos/todos-os-artigos/o-supremo-tribunal-federal-como-orgao-supremo-sui-generis-do-estado.html
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Editores: 
José Maria Tesheiner
(Prof. Dir. Proc. Civil PUC-RS Aposentado)

Mariângela Guerreiro Milhoranza da Rocha

Advogada e Professora Universitária

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