23.06.06 | Guilherme Rizzo Amaral

Sobre a desnecessidade de intimação pessoal do réu para o cumprimento da sentença, no caso do art. 475-J do CPC

Guilherme Rizzo AmaralDoutorando em Processo Civil pela UFRGSMestre em Direito pela PUCRSAdvogado

 

Recentemente, tivemos a oportunidade de ler, neste :site, artigo subscrito pelos brilhantes processualistas Luiz Rodrigues Wambier, Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina, intitulado “Sobre a necessidade de intimação pessoal do réu para o cumprimento da sentença, no caso do art. 475-J do CPC (inserido pela Lei 11.232/2005)”. Como nós, que lidamos com o processo, amamos mais do que outros o debate e o contraditório (o processo é, em verdade, procedimento :em contraditório, na feliz acepção de Fazzalari), e como a posição defendida no citado artigo contraria o que escrevemos em recente obra coletiva sobre o assunto[1], decidimos reproduzir, aqui, nossa opinião já manifestada sobre o tema, de forma a estimular o debate de idéias, tão importante neste momento em que entra em vigor da Lei 11.232/05. Não se trata de uma resposta ao artigo citado, mas de reprodução, com alguns acréscimos, de nosso posicionamento anteriormente assumido.

A condenação do réu (ou do autor, como se dá, por exemplo, em relação à verba sucumbencial na sentença de improcedência, ou ainda na hipótese do art. 899, §2° do CPC), que passa assim a ser retratado como :devedor, pode se dar já na sentença de primeiro grau, assim como nas decisões subseqüentes (em grau de apelação, embargos infringentes, recurso especial ou extraordinário, etc.). O artigo 475-J não faz expressa referência ao trânsito em julgado de tais decisões, colocando-se primeiramente a questão acerca de se o mesmo é necessário para que se inicie o prazo de 15 (quinze) dias para o cumprimento da sentença (ou acórdão). Enquanto não transitar em julgado a sentença ou acórdão, o cumprimento voluntário só se dará por provocação do credor e intimação específica do devedor, caso em que constituirá cumprimento provisório da sentença[2].

O dispositivo também não indica a necessidade de intimação específica para cumprimento voluntário da sentença, fazendo referência apenas à :“condenação” do devedor e seu eventual descumprimento. Este é o ponto fundamental a ser, aqui, tratado.

Transitada em julgado a sentença (ou acórdão), cremos ser desnecessária a intimação do devedor para cumpri-la, bastando a simples ocorrência do trânsito em julgado para que se inicie o prazo de 15 (quinze) dias para o cumprimento voluntário.[3] Embora haja fundamentos plausíveis para se sustentar a necessidade de intimação do devedor[4], bem como corrente doutrinária formando-se nesse sentido[5], acedemos às ponderações de José Maria Rosa Tesheiner, quando este afirma que é dever do réu, que já estava em mora antes mesmo da sentença de procedência, tomar as precauções necessárias para cumprir a determinação judicial. :[6]

Note-se que as conseqüências do descumprimento voluntário da sentença que condena o devedor a pagar quantia são bastante mais amenas do que aquelas previstas para aquele que descumpreordem judicial, desaconselhando a adoção do rigorismo da orientação doutrinária e jurisprudencial para os casos de sentenças :mandamentais, na hipótese de sentença :condenatória.

O devedor de quantia certa submete-se apenas à multa de 10% sobre o valor da condenação, e à execução, :caso esta venha a ser requerida pelo credor. Não há que se falar em incidência dasastreintes, aplicação da multa por :contempt of court, tampouco na possibilidade de o devedor incorrer em crime de desobediência. Tudo isto porque não há, contra ele, :ordem da autoridade judicial. Descumprida a sentença, a iniciativa é devolvida ao credor, que deverá :requerer a tomada de atos de execução. Já o devedor de obrigação de fazer, não fazer ou entrega de coisa, quando tem contra si :ordem para cumprimento da decisão judicial, deve ser intimado pessoalmente, justamente pelas múltiplas e graves conseqüências de seu eventual desatendimento ao mandamento jurisdicional (como as :astreintes, contempt of court ou a configuração decrime de desobediência).

Sustentar, no tocante à necessidade de intimação pessoal do devedor, que o mesmo tratamento concedido às hipóteses em que a sentença emprega tutela mandamental e executiva deva ser dado àquelas em que a técnica é a condenatória, equivale a ignorar que os valores em jogo são outros. Se lá a agressão à esfera jurídica do devedor era direta (seja em sua esfera psicológica – técnica de tutela mandamental - seja em sua esfera patrimonial – técnica de tutela executiva), aqui a agressão é tão-somente mediata, dependente de iniciativa do credor, da qual será oportunamente intimado o procurador do devedor. Se lá era necessário preservar a segurança jurídica diante da poderosa efetividade das técnicas empregadas, aqui esta mesma efetividade não se apresenta, razão pela qual não se justifica semelhante preocupação com a segurança. De mais a mais, é preciso lembrar que, até pouco tempo, se o réu não adimplisse espontaneamente a sentença que o condenasse a pagar quantia, :independentemente de intimação para cumprimento voluntário poderia o credor requerer a execução, na qual seriam arbitrados honorários para pronto pagamento, geralmente no patamar mínimo de 10% sobre o valor a ser executado. E veja-se que, em tal sistemática, o devedor sequer dispunha de um lapso temporal garantido por lei para adimplir a sentença. Poderia o credor, em tese, requerer a execução e a fixação de honorários no mesmo dia do trânsito em julgado. Tudo ocorreria :antes da citação, ou mesmo de qualquer intimação do réu ou de seu advogado. Hoje, o devedor dispõe de 15 dias a contar do trânsito em julgado para pagar, e somente após o decurso deste prazo é que incidirá a multa de 10%. Ou seja: sustentar a necessidade de intimação pessoal do réu para cumprir voluntariamente a sentença transitada em julgado não só constituiria má resolução do conflito entre efetividade e segurança[7], como também retrocesso em comparação à sistemática anterior.

Por fim, consideramos premente a necessidade de serem eliminadas as etapas “mortas” do processo, tal qual a que se instauraria entre o trânsito em julgado e a baixa dos autos à origem, e entre esta e a intimação, :ex officio, do devedor para cumprimento da sentença transitada em julgado.[8]

Assim, não obstante respeitáveis vozes em sentido contrário, transitando em julgado a sentença ou acórdão, e independentemente de intimação, passa-se a contar o prazo de 15 (quinze) dias para o cumprimento voluntário da condenação, após o que incidirá, :ex vi legis, a multa de 10%, retornando a iniciativa do processo ao credor, para requerer ou não a instauração do :procedimento executivo.

São essas as breves considerações e nossa humilde contribuição para o debate, sempre muito bem recebido e estimulado no espaço pioneiro e original desenvolvido pelo Prof. Tesheiner.

[1] ALVARO, Carlos Alberto. A nova execução: comentários à Lei n° 11.232, de 22 de dezembro de 2005 / Carlos Alberto Alvaro de Oliveira (Coordenador)...[et al.]. RJ: Forense, 2006.

[2] Sobre o assunto, veja-se o que escrevemos em AMARAL, Guilherme Rizzo. :In A nova execução: comentários à Lei n° 11.232, de 22 de dezembro de 2005 / Carlos Alberto Alvaro de Oliveira (Coordenador)...[et al.]. RJ: Forense, 2006. p. 92 e segs.

[3] É também a opinião de Ernane Fidélis dos Santos, em SANTOS, Ernane Fidélis dos. :Código de Processo Civil: execução dos títulos judiciais e agravo de instrumento. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 54.

[4] A lei não exige, :expressamente, a intimação do devedor para cumprir voluntariamente a sentença, mas é também verdade que a mesma não faz referência ao trânsito em julgado - ao referir-se apenas ao devedor “condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação” - embora seja o mesmo necessário. Para as obrigações de fazer, não-fazer e entrega de coisa, a lei processual também não prevê a necessidade de intimação do réu para que cumpra a sentença. Os dispositivos aplicáveis a tais hipóteses fazem referência apenas à fixação de prazo para cumprir a obrigação, e às conseqüências do descumprimento, mas não mencionam, nem sequer dão a entender, haver necessidade de intimação. Atente-se, neste particular, para os artigos 644, 461, §4º e 461-A, §2º, todos do CPC:“Art. 644. A sentença relativa a obrigação de fazer ou não fazer cumpre-se de acordo com o art. 461, observando-se, subsidiariamente, o disposto neste Capítulo.” “Art. 461. (...) §4º O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do preceito.” “Art. 461-A. Na ação que tenha por objeto a entrega de coisa, o juiz, ao conceder a tutela específica, fixará o prazo para o cumprimento da obrigação. (...) §2º Não cumprida a obrigação no prazo estabelecido, expedir-se-á em favor do credor mandado de busca e apreensão ou de imissão na posse, conforme se tratar de coisa móvel ou imóvel.” Nem por isso a intimação é dispensada. Muito pelo contrário, doutrina e jurisprudência têm exigido a intimação pessoal do devedor, não bastando sequer a comunicação por meio de seu procurador. Como visto, a ausência de previsão legal para a intimação do devedor, :por si só, não poderia ser levantada como argumento para o afastamento de tal necessidade.

[5] Como denota-se do artigo de Luiz Rodrigues Wambier, Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina.

[6] “O trânsito em julgado ocorrerá, na maioria dos casos, em outra instância, motivo por que se poderia sustentar que o termo inicial do prazo fixado para pagamento seria o da intimação do despacho de “cumpra-se”, quando do retorno dos autos. Mas isso implicaria a concessão de um prazo, que pode estender-se por vários meses, a um devedor já condenado porque deve e porque em mora. Note-se que não se trata de depósito, que deva ser autorizado pelo juiz, mas de pagamento, que independe de autos. Nos casos em que a falta deles torne difícil, para o devedor, a elaboração de um cálculo mais exato, resta-lhe a solução de efetuar pagamento parcial, caso em que a multa de dez por cento incidirá sobre o saldo (art. 475-J, §4°). Essa dificuldade, acaso existente, será, na maioria dos casos, imputável à desídia do próprio devedor, que não se muniu de cópias necessárias de atos do processo. Excepcionalmente, a multa poderá ser relevada, em caso de provimento parcial do recurso, em termos tais que o cálculo se torne impossível sem consulta aos autos.” (TESHEINER, José Maria Rosa. :Execução de sentença – Regime introduzido pela Lei 11.232/05. Artigo inédito).

[7] Sobre o conflito entre tais valores, veja-se ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. :O processo civil na perspectiva dos direitos fundamentais. In ALVARO DE OLIVEIRA (org)...[et al.]. :Processo e Constituição. RJ: Forense, 2004. p. 15.

[8] Ainda assim, cremos que não faltarão alegações no sentido da não observância do prazo de 15 (quinze) dias pela indisponibilidade momentânea dos autos do processo, e tememos que a exigência de um despacho de “cumpra-se” possa tornar-se regra na prática processual, não obstante o posicionamento aqui defendido. Esperamos, neste ponto, estar redondamente enganados.


AMARAL, Guilherme Rizzo Amaral. Sobre a desnecessidade de intimação pessoal do réu para o cumprimento da sentença, no caso do art. 475-J do CPC. Revista Páginas de Direito, Porto Alegre, ano 6, nº 438, 23 de Junho de 2006. Disponível em: https://paginasdedireito.com.br/artigos/todos-os-artigos/sobre-a-desnecessidade-de-intimacao-pessoal-do-reu-para-o-cumprimento-da-sentenca-no-caso-do-art-475-j-do-cpc.html
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Editores: 
José Maria Tesheiner
(Prof. Dir. Proc. Civil PUC-RS Aposentado)

Mariângela Guerreiro Milhoranza da Rocha

Advogada e Professora Universitária

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