Superendividamento do consumidor e Teoria do Patrimônio mínimo
Resumo
Desde a Revolução Industrial, ocorrida na Inglaterra, no Século XVIII, o consumidor se encontra vulnerável, frente ao fornecedor, na relação de consumo. Isto porque o fornecedor possui, em regra, maior capacidade financeira, econômica, possui as informações que envolvem a fabricação e distribuição dos produtos. Além, naturalmente, de possuir maior aparato jurídico. Frente a este quadro, uma das grandes preocupações, na esfera mundial, foi a de se garantir a proteção do consumidor.
Palavras-chave: vulnerabilidade do consumidor: relação de consumo.
Abstract
Since the Industrial Revolution occurred in England in the Eighteenth Century, the consumer is vulnerable, against the supplier, in relation to consumption. It happens because the supplier has, in general, greater financial, economic, has the information involving the manufacture and distribution of products.In addition, of course, they have a better legal support.
Facing this situation, a major concern at the global level, was to ensure consumer protection.
Keywords: consumer: consumer : protection
1. Introdução: 2. Da proteção ao consumidor (antes e depois do advento da Lei nº. 8.078/90 – o Código de Defesa do Consumidor): 3. Vulnerabilidade versus hipossuficiência do consumidor: 4. Superendividamento do consumidor e Teoria do Patrimônio Mínimo: 5. Conclusão: 6. Referências bibliográficas.
1. Introdução
O tema – superendividamento e teoria do patrimônio mínimo - pode ser analisado sob diversos enfoques, tendo em vista a sua complexidade. Desta forma, esclarecemos que o presente artigo não esgotará o tema, e sim apresentará importantes aspectos sobre a evolução histórica da proteção do consumidor no ordenamento jurídico brasileiro, bem como esclarecerá que o superendividamento do consumidor não está restrito ao cenário nacional. Para tanto, será resgatado o momento histórico da grande crise de 2008, que atingiu principalmente os Estados Unidos da América, quando as pessoas não conseguiram mais pagar os valores de hipotecas de suas casas.
Para tanto, serão apresentados aspectos dos impactos da Revolução Industrial na relação de consumo, bem como a evolução da proteção do consumidor à luz da realidade brasileira (antes e depois da Lei nº. 8.078/90, o Código de Defesa do Consumidor).
Ainda, será esclarecida a diferença entre a vulnerabilidade e a hipossuficiência do consumidor. Por fim, será elucidada a importância do planejamento para que seja evitado o superendividamento do consumidor.
2. Da proteção ao consumidor (antes e depois do advento da Lei nº. 8.078/90 – o Código de Defesa do Consumidor)
A Revolução Industrial alterou a capacidade do ser humano de produzir, bem como alterou profundamente as relações de consumo da sociedade. Este novo contexto apresentou reflexo direto, também, no mercado de consumo. Toda a produção, que era manual e artesanal, foi substituída pela produção realizada em enorme quantidade, com o auxílio das máquinas, e distribuição dos produtos em massa. A produção e elaboração dos produtos e mercadorias passou a ser feita em grande escala, para que o maior número de pessoas pudesse consumir.
Sérgio Cavalieri Filho explica que[1]:
“Se antes a produção era manual, artesanal, mecânica, circunscrita ao núcleo familiar ou a um pequeno número de pessoas, a partir dessa revolução, a produção passou a ser em massa, em grande quantidade, até para fazer frente ao aumento da demanda decorrente da explosão demográfica.Houve também modificação no processo de distribuição, causando cisão entre a produção e a comercialização.Se antes era o próprio fabricante quem se encarregava da distribuição dos seus produtos, pelo qual tinha total domínio do processo produtivo – sabia o que fabricava, o que vendia e a quem vendia - , a partir de determinado momento, essa distribuição passou também a ser feita em massa, em cadeia, em grande quantidade pelos megaatacadistas, de sorte que o comerciante e o consumidor passaram a receber os produtos fechados, lacrados e embalados, sem nenhuma condição de conhecer o seu real conteúdo”.
Esse contexto alterou profundamente as relações de consumo da sociedade, e gerou um sério desequilíbrio entre os fornecedores e os consumidores. Isto porque os danos em um produto possuem impacto em série, tendo em vista a amplitude de vendas dos bens.
As sociedades precisavam de um novo conjunto de normas capaz de tutelar a relação entre o fornecedor e o consumidor. A defesa do consumidor foi constitucionalmente prevista pela primeira vez, no Brasil, na Lei Magna de 1988, tanto em seu art. 5º, inciso XXXII, quanto em seu art. 170, inciso V, bem como no art. 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Promover a defesa do consumidor, prevista no Texto Constitucional de 1988 significa restabelecer o equilíbrio e a igualdade entre as partes – consumidor e fornecedor - nas relações de consumo. O inciso I, do art. 4º da Lei Federal n. 8078, de 11 de setembro de 1990, o Código de Defesa do Consumidor, reconhece expressamente que o consumidor é vulnerável. Antes da edição do Código de Defesa do Consumidor, estas relações eram regidas pelo Código Civil, e causavam diversos transtornos para o consumidor.
Rizzatto Nunes explica que[2]:
“A partir de 1989, com a queda dos regimes não-capitalistas, o modelo de globalização, que já se havia iniciado, praticamente completou seu ciclo, atingindo quase todo o globo terrestre. O direito não podia ficar à margem desse processo, e em alguma medida seguiu a tendência da produção em série, mormente de especialização (outra característica desta nossa sociedade). Mas, de início, a alteração observada foi a do lado do fornecedor,que passou a criar contratos-padrão e formulários (que depois vieram a ganhar o nome de contratos de adesão) de forma unilateral e a impingi-los aos consumidores.A Lei n. 8.078/90 tinha de vir, pois já estava atrasada. O Código Civil de 1916, bem como as demais normas do regime privatista, já não dava conta de lidar com as situações tipicamente de massa.”
Verifica-se, desta forma, que as normas contidas na Lei n°. 3.071, de 1 de janeiro de 1916 não eram mais eficientes, para as relações de consumo, pois não conseguiam proteger o consumidor.Tal ineficácia jurídica proporcionou muitas práticas abusivas, por parte dos fornecedores, e aumentou as desigualdades jurídicas e econômicas, arcadas pelo consumidor.
Nas lições de Silvio de Salvo Venosa[3]:
“Segundo a nova ordem constitucional, a defesa do consumidor é um dos ditames básicos da ordem econômica. Trata-se de codificação moderna, na qual muitos de seus princípios são inovadores, mesmo se comparados com a ordem internacional. Os direitos do consumidor surgem como forma de proteção do indivíduo perante o desenvolvimento que as sociedade de consumo atingiram. A vulnerabilidade do consumidor é sua própria essência.”
O escopo da tutela constitucional é promover a proteção e defesa do consumidor para evitar a ocorrência dos abusos e danos a ele, ou para proporcionar a reparação dos danos, e o ressarcimento, pelo prejuízo sofrido.
O reconhecimento da fragilidade do consumidor nas relações de consumo é um grande passo na busca pela isonomia entre as partes, constitucionalmente prevista. O desequilíbrio e a fragilidade entre as partes são tamanhos, que é necessária a interferência do Estado, tanto repressiva quanto preventivamente, nas relações de consumo. É importante registrar que a fragilidade do consumidor manifesta-se principalmente em duas esferas, a econômica e a técnica.
Há, porém, divergências doutrinárias a respeito da classificação da vulnerabilidade do consumidor. Renomados juristas apontam, também, a vulnerabilidade fática e vulnerabilidade jurídica do consumidor frente ao fornecedor, na relação consumerista. Insta salientar que, em decorrência da fragilidade técnica do consumidor, sua escolha para a aquisição dos bens já surge de maneira restrita, visto que o conhecimento de todo o procedimento que envolve a fabricação do produto é exclusivo do fornecedor, e é ele quem determina o que será fabricado e quem vai produzir a mercadoria, bem como de que modo o processo de elaboração, de confecção do produto será realizado, qual será o material utilizado na produção. Portanto, quem estabelece as diretrizes de fabricação e de produção das mercadorias é o fornecedor. A vulnerabilidade econômica ocorre, visto que, em muitos casos, o fornecedor possui estrutura financeira e condição econômica bem superior à situação do consumidor, e esta diferença monetária gera desequilíbrio entre as partes. A vulnerabilidade jurídica se encontra caracterizada pela estrutura do corpo dos departamentos jurídicos que trabalham para as empresas, para os fornecedores.
O consumidor, por vezes, nem tem informações sobre como recorrer ao Poder Judiciário, ou à esfera administrativa, para obter a tutela adequada para a solução do seu problema na relação de consumo.
Portanto, verifica-se que em diversos casos, o consumidor não tem conhecimento de que tem a garantia constitucionalmente prevista, no art. 5°, inciso XXXV (CF/88) do acesso ao Poder Judiciário, para a análise de seu caso concreto, visto que o art. supracitado determina que a lei não excluirá da apreciação, da análise do Poder Judiciário a lesão ou ameaça de lesão aos direitos.
O Código Civil de 1.916 mostrou-se ineficiente na proteção do consumidor, nas relações de consumo. O Código de Defesa do Consumidor, Lei n° 8.078, de 11 de setembro de 1990, : foi elaborado por expressa determinação constitucional, embasado nos arts. 5°, XXXII, 170, V,da Constituição Federal de 1988, bem como no art. 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
A Lei n°8.078/90 : estabelece normas de proteção e defesa do consumidor. Trata-se de uma lei regida por princípios adequados à proteção do consumidor, uma norma de ordem pública, em harmonia com as normas constitucionais. O CDC é composto por 119 arts., distribuídos em seis títulos. O primeiro título trata dos direitos do consumidor. A seguir, estão expressas as infrações penais. O terceiro título dispõe normas para a defesa do consumidor em juízo. O quarto título estampa o sistema nacional de defesa do consumidor, o quinto título trata da convenção coletiva de consumo. Por fim, o sexto título descreve : as disposições finais.
As normas são de interesse social, por terem a função social de equilibrarem a relação de consumo, e são de ordem pública, pois são indisponíveis. Isso significa que elas não podem ser alteradas, nem pela vontade das partes, nem por determinação contratual. Cumpre destacar que o CDC opta por definir os conceitos de consumidor e fornecedor, que são os sujeitos envolvidos na relação de consumo.
O art. 2° da referida lei estabelece que:
“Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Parágrafo único: equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo”.
Já o art. 3° da lei supracitada define o conceito de fornecedor:
“Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. § 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial. : § 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.”
Os direitos básicos do consumidor estão elencados no CDC.
São eles: a proteção da vida, saúde e segurança: a educação e divulgação sobre o consumo: informação dos produtos e serviços: a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva: proteção contratual: transparência e boa-fé nas relações consumeristas: prevenção e reparação dos danos patrimoniais e morais: a facilitação de sua defesa, garantia de seu acesso à justiça e inversão de ônus da prova: bem como a existência de serviços públicos adequados e eficazes.
É importante destacar que alguns consumidores estão em situação de maior vulnerabilidade: a hipossuficiência do consumidor. É o que se passa a analisar.
3. Vulnerabilidade versus hipossuficiência do consumidor
O consumo está presente no dia-a-dia das pessoas. As explosões demográficas, o aumento da população, demonstram que há bilhões de consumidores no planeta.
João Almeida Batista afirma que[4]:
“O consumo é parte indissociável do cotidiano do ser humano. É verdadeira a afirmação de que todos nós somos consumidores. Independentemente da classe social, e da faixa de renda, consumimos desde o nascimento e em todos os períodos de nossa existência. Por motivos variados, que vão desde a necessidade da sobrevivência até o consumo por simples desejo, o consumo pelo consumo.”
Todos somos consumidores. Os grandes avanços tecnológicos, a produção e a distribuição em massa, os preços cada vez mais acessíveis proporcionam a possibilidade de, cada vez mais, as pessoas consumirem diversos produtos e serviços. : Ocorre que o consumidor não domina as técnicas utilizadas pelo produtor, e pelo fornecedor, empregadas para a elaboração e o desenvolvimento da mercadoria. : Por esse motivo, o consumidor necessita de uma tutela específica, para se proteger, tanto preventivamente como repressivamente. : O Código de Defesa do Consumidor, o CDC reconhece expressamente que o consumidor é vulnerável. Cumpre, antes de destacar o reconhecimento judicial da vulnerabilidade, uma explanação sobre esta. Logicamente, a tutela de proteção ao consumidor, bem como o reconhecimento da sua vulnerabilidade surgiu como resposta à nova estrutura e dinâmica da sociedade. Afinal, o dinamismo social apresenta impactos em toda a estrutura da sociedade.
Cláudia Lima Marques analisa o fenômeno da massificação da produção e seu impacto na sociedade, bem como seus reflexos na situação de vulnerabilidade do consumidor[5]:
“A atual função social do direito privado é a proteção da pessoa em face dos desafios da sociedade massificada, globalizada e informatizada atual. Se as relações de consumo têm funções econômicas, têm funções particulares de circulação das riquezas, a função social deve necessariamente envolver o reconhecimento da vulnerabilidade da pessoa humana, nos seus vários papéis ou status, inclusive de consumidor na sociedade de consumo atual.”
Percebe-se que o estudo da vulnerabilidade do consumidor, bem como a sua classificação é fundamental para a análise dos casos concretos. O reconhecimento de que o consumidor é a parte fraca e vulnerável na relação de consumo é vital. : Desta forma, é possível se buscar o equilíbrio entre as partes – consumidor e fornecedor – na relação de consumo. O estudo doutrinário do reconhecimento da vulnerabilidade aponta divergência entre inúmeros autores, quanto à sua classificação.
Rizzato Nunes classifica a vulnerabilidade do consumidor em dois aspectos, a vulnerabilidade técnica, e a vulnerabilidade econômica[6]:
“O consumidor é a parte fraca da relação jurídica de consumo. Essa fraqueza, essa fragilidade, é real, concreta, e decorre de dois aspectos: um de ordem técnica, e outro de cunho econômico.
O primeiro está ligado aos meios de produção, cujo conhecimento é monopólio do fornecedor.
E quando se fala em meios de produção não se está apenas referindo aos aspectos técnicos e administrativos para a fabricação e distribuição de produtos e prestação de serviços que o fornecedor detém, mas também ao elemento fundamental da decisão: é o fornecedor que escolhe o que, quando e de que maneira produzir, de sorte que o consumidor está à mercê daquilo que é produzido.
É por isso que, quando se fala em “escolha” do consumidor, ela já nasce reduzida.
O consumidor só pode optar por aquilo que existe e foi oferecido no mercado. E essa oferta foi decidida unilateralmente pelo fornecedor, visando seus interesses empresariais, que são, por evidente, os da obtenção de lucro.
O segundo aspecto, o econômico, diz respeito à maior capacidade econômica que, por via de regra, o fornecedor tem em relação ao consumidor.
É fato que haverá consumidores individuais com boa capacidade econômica e às vezes até superior à de pequenos fornecedores. Mas essa é a exceção da regra geral.”
Portanto o que se verifica é a necessidade de se buscar o balanceamento dos direitos e as obrigações entre o consumidor e o fornecedor, inseridos e conectados na relação de consumo. O Código de Defesa do Consumidor, Lei n°. 8.078, de 11 de setembro de 1990 : (o CDC) reconhece expressamente, em seu art. 4°, inciso I, que o consumidor é vulnerável no mercado de consumo. : Este reconhecimento é de extrema importância, visto que consagra a vulnerabilidade do consumidor em seu Capítulo II, que trata da política nacional de relações de consumo. Na realidade a vulnerabilidade do consumidor é um de seus princípios basilares. O CDC estabelece, em seu art. 6°, inciso VIII que um dos direitos básicos do consumidor é:
“A facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, à critério do juiz, for verossímil a alegação, ou quando ele for hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências”
O CDC aponta a situação de hipossuficiência do consumidor como sendo uma das situações de inversão do ônus da prova, de acordo com a análise do magistrado, frente ao caso concreto. Trata-se de um dos direitos mais importantes do consumidor, visto que, neste caso de inversão do ônus da prova, cabe ao fornecedor, à empresa fornecedora fazer prova de seus direitos.
Antonio Herman Benjamim explica que[7]:
“A vulnerabilidade é um traço universal de todos os consumidores, ricos ou pobres, educados ou ignorantes, crédulos ou espertos. Já a hipossuficiência é marca pessoal, limitada a alguns – até mesmo a uma coletividade – mas nunca a todos os consumidores...A vulnerabilidade do consumidor justifica a existência do Código. A hipossuficiência, por seu turno, legitima alguns tratamentos diferenciados no interior do próprio Código, como, por exemplo, a previsão de inversão do ônus da prova – art. 6°, VIII”.
Portanto, todo e qualquer consumidor é vulnerável frente ao fornecedor. A vulnerabilidade, conforme previamente esclarecido, se manifesta em diversas esferas, tais quais a econômica, jurídica, fática e informacional. Esta fragilidade pode se manifestar em uma ou mais esferas. : É importante destacar que este consumidor, que é vulnerável, pode ou não se encontrar na condição de hipossificiência, na relação de consumo.
Apesar da existência do Código de Defesa do Consumidor, muitos direitos ainda não são respeitados. Dentre eles, destacamos, para o próximo tópico, a falta de informações sobre os financiamentos, o que gera como conseqüência, para muitos consumidores, a impossibilidade de pagamento das dívidas. É o que se passa a analisar.
4. Superendividamento do consumidor e Teoria do Patrimônio Mínimo
O que é o superendividamento? Trata-se da análise da situação do consumidor de boa-fé que quer pagar as suas dúvidas, mas não consegue por falta de recursos financeiros.
É necessário apresentar dois momentos muito importantes na relação de consumo: as causas do endividamento podem ocorrer na fase pré-contratual. A cobrança da dívida não paga ocorre na fase pós-contratual.
É importante esclarecer que este problema (do superendividamento) do consumidor não é restrito apenas ao âmbito nacional e, sim, ocorre em âmbito mundial. Afinal, atualmente está vigente o capitalismo financeiro (que abrange as relações financeiras e não apenas as trocas de bens).
Um grande exemplo de superendividamento do consumidor ocorreu em 2008, nos Estados Unidos da América (neste quadro, o consumidor endividado que fez a hipoteca de sua casa, e não conseguiu pagar as suas contas).
É relevante destacar que, no Brasil, o endividamento do consumidor passou a existir com mais freqüência a partir de 1995 (plano real). Em período anterior, não existia tanto acesso ao crédito, o que, naturalmente, diminuía as possibilidades de crédito e de consumo.
Com o aumento do consumo, são gerados mais empregos, bem como o aquecimento da economia. O crédito é importante, assim como o pagamento do crédito, para a estabilidade e a solidez da economia. As causas de superendividamento podem ser analisadas em três momentos:
Causas pré-contratuais: oferta de crédito e práticas abusivas na oferta de crédito.
Causas contratuais: durante a fase contratual – taxa de juros/correção monetária.
Causas pós-contratuais: cobrança abusiva do consumidor (constrangimento do consumidor).
Existem diversas políticas que buscam educar o consumidor para que este possa planejar a saúde financeira de sua residência. Fundamental é o estudo das informações apresentadas no site do PROCON, especialmente na busca pela educação financeira do consumidor.
Sobre as causas pré-contratuais, em especial a oferta de crédito, é importante o destaque do art. 30, CDC:
“Art. 30. Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado.”
A oferta pretende fazer com que o consumidor compre o bem. Esta oferta vincula o fornecedor. A oferta do Código Civil não vincula o fornecedor.
Outro princípio que merece destaque é o princípio da veracidade da oferta do crédito, que significa que toda oferta precisa ser verdadeira, clara, estar escrita em língua portuguesa, informando ao consumidor quanto de juros, de taxa vai pagar para o banco, senão vejamos:
“Art. 31. A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.
Parágrafo único. : As informações de que trata este artigo, nos produtos refrigerados oferecidos ao consumidor, serão gravadas de forma indelével. :(Incluído pela Lei nº 11.989, de 2009)”
Muitas vezes, o consumidor não recebe a oferta com todas estas características. O superendividamento está relacionado com a teoria do patrimônio mínimo. Sobre o assunto, ensina Ana Cristina Teixeira de Araújo[8]:
“Com a Constituição de 1988 e a chegada do Estado Social, Democrático de Direito, novos valores foram agregados ao ordenamento, impondo uma releitura do estatuto patrimonial das relações privadas, priorizando os valores sociais, bem como a dignidade da pessoa humana, a solidariedade social e a igualdade substancial. A idéia de dignidade da pessoa humana encontra no novo texto constitucional total aplicabilidade e o princípio da igualdade (artigo 5º da CF), assegura a todos os cidadãos o direito de tratamento idêntico pela lei. A partir desses novos valores, a idéia do “ser”, ganha maiores relevos do que o “ter”, a pessoa humana passa a ser o fim almejado pela tutela jurídica e não o meio.”
As normas do ordenamento jurídico devem garantir o mínimo existencial. Para reduzir o superendividamento do consumidor, no ordenamento jurídico brasileiro, existe projeto de Lei do Senado, de 2011, que altera diversos artigos do Código de Defesa do Consumidor, que apresenta a seguinte justificativa:
“O projeto de lei objetiva atualizar a Lei nº 8.078, de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), a fim de aperfeiçoar as disposições do capítulo I e dispor sobre o comércio eletrônico. A crescente complexidade das relações de consumo demanda a revisão de princípios que reforcem a proteção do consumidor frente a novos desafios, principalmente os relacionados com o diálogo com outras fontes normativas, a segurança nas transações, bem como a proteção da autodeterminação e privacidade de seus dados. É igualmente imprescindível a introdução de uma seção específica sobre a proteção dos consumidores no âmbito do comércio eletrônico, em razão da sua expressiva utilização. Se, à época da promulgação do Código de Defesa do Consumidor, o comércio eletrônico nem sequer existia, atualmente é o meio de fornecimento a distância mais utilizado, alcançando sucessivos recordes de faturamento. Porém, ao mesmo tempo ocorre o aumento exponencial do número de demandas dos consumidores. As normas projetadas atualizam a lei de proteção do consumidor a esta nova realidade, reforçando, a exemplo do que já foi feito na Europa e nos Estados Unidos, os direitos de informação, transparência, lealdade, autodeterminação, cooperação e segurança nas relações de consumo estabelecidas através do comércio eletrônico. Busca-se ainda a proteção do consumidor em relação a mensagens eletrônicas não solicitadas (spams), além de disciplinar o exercício do direito de arrependimento”.
Trata-se de grande evolução para reduzir este quadro de endividamento do consumidor.
5. Conclusão.
A Revolução Industrial trouxe inúmeras alterações para os métodos de produção, o que gerou impacto nas relações de consumo. No ordenamento jurídico brasileiro, antes da vigência do Código de Defesa do Consumidor, Lei nº. 8078/90, as relações entre os consumidores e os fornecedores eram regidas pelo Código Civil, o que trazia grandes prejuízos para o consumidor. Com o advento do CDC, as resoluções de conflitos entre as partes foram facilitadas. Mesmo assim, o consumidor ainda não tem todos os direitos respeitados, como, por exemplo, os direitos sobre as informações nas relações bancárias.
O fenômeno do superendividamento não existe apenas no ordenamento jurídico brasileiro. Em 2008, os Estados Unidos da América sofreram uma grave crise, tendo em vista que as pessoas que hipotecaram as suas casas não conseguiram pagar este valor.
No Brasil, existe projeto de lei que busca alterar o Código de Defesa do Consumidor, para reduzir esta situação de superendividamento, em que o consumidor de boa-fé não consegue arcar com as suas dívidas.
6. Referências bibliográficas.
ALMEIDA, João Batista de. Manual de Direito do Consumidor: 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
ARAÚJO, Ana Cristina Teixeira. Da penhorabilidade do bem de família do morador. Escola da Magistratura do Rio de Janeiro, 2010.
BENJAMIN, Antonio Herman. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004.
CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Direito do Consumidor. 9.ed. São Paulo: Atlas, 2009.
MARQUES, Cláudia Lima, BESSA, Leonardo Roscoe, BENJAMIN, Antonio Herman V. Manual de Direito do Consumidor. 2 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2009
NUNES, Luiz Antonio Rizzato. Curso de Direito do Consumidor. 4. ed. São Paulo:Saraiva, 2009
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil : Responsabilidade Civil. 9 ed. São Paulo: Atlas, 2010. v.4.
[1] CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Direito do Consumidor. 9.ed. São Paulo: Atlas, 2009.p.02.
[2] NUNES, Luiz Antonio Rizzato. Curso de Direito do Consumidor. 4. ed. São Paulo:Saraiva, 2009.p.68.
[3] VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil : Responsabilidade Civil. 9 ed. São Paulo: Atlas, 2010. v.4. p. 256.
[4] ALMEIDA, João Batista de. Manual de Direito do Consumidor: 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 19.
[5] MARQUES, Cláudia Lima, BESSA, Leonardo Roscoe, BENJAMIN, Antonio Herman V. Manual de Direito do Consumidor. 2 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2009.p.38.
[6] NUNES, Luiz Antonio Rizzato. Curso de Direito do Consumidor. 4. ed. São Paulo:Saraiva, 2009.p.129.
[7] BENJAMIN, Antonio Herman. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004.p. 371.
[8] ARAÚJO, Ana Cristina Teixeira. Da penhorabilidade do bem de família do morador. Escola da Magistratura do Rio de Janeiro, 2010.p. 05-06.
Maria Fernanda Soares Macedo - Advogada. Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Professora Universitária. Professora Convidada dos Cursos de Pós Graduação em Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie e das Faculdades Metropolitanas Unidas. Professora orientadora de monografias dos cursos de Pós Graduação do Complexo Educacional Damásio de Jesus. Professora de Direito em cursos de ensino à distância.
MACEDO, Maria Fernanda Soares Macedo. Superendividamento do consumidor e Teoria do Patrimônio mínimo. Revista Páginas de Direito, Porto Alegre, ano 15, nº 1220, 31 de Março de 2015. Disponível em: https://paginasdedireito.com.br/artigos/todos-os-artigos/superendividamento-do-consumidor-e-teoria-do-patrimonio-minimo.html

