02.08.15 | Novo CPC

Novo CPC [34]: CPC 2015, artigos 133 a 137

Texto: Paulo Pegoraro Júnior
Narração: José Tesheiner
Duração: 12 minutos e 09 segundos
Música: 'Andenken an einen Kameraden', de :Christoph Pronegg
Apresentação: Marcelo Bopp Tesheiner
Edição de áudio: André Luís de Aguiar Tesheiner

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Do incidente de desconsideração da personalidade jurídica

Paulo Pegoraro Junior

Vários diplomas estabelecem os requisitos materiais para desconsideração da personalidade jurídica: O Código Civil em seu art. 50: o Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 28: a CLT, em seu art. 2o, § 2o): o Código Tributário Nacional,  :em seu artigo 135).

A vivência forense tem ensinado que a apreciação da desconsideração acaba adotando a chamada “teoria menor” para os executivos fiscais e as execuções trabalhistas e a “teoria maior” para as execuções cíveis: “de um lado, a teoria maior, em que a autonomia patrimonial é desconsiderada quando caracterizada a fraude ou a confusão patrimonial. De outro lado, a teoria menor, para a qual é suficiente a simples inexistência de ativos” (COELHO, 2014), embora o STJ venha insistindo na tese de que a aplicação da “teoria maior” é aquela que foi adotada pelo ordenamento brasileiro. (EREsp 1306553/SC, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 10/12/2014, DJe 12/12/2014)

O procedimento até aqui adotado, talvez fruto da ausência de regramento, talvez decorrente da ânsia de efetividade, vinha sendo pelo deferimento da desconsideração sem o prévio e amplo contraditório, em posição reiteradas vezes acolhida pelo Superior Tribunal de Justiça.

A tônica de assegurar a plenitude do contraditório do novo diploma processual, expresso, por exemplo, na proibição das decisões sem que uma das partes seja previamente ouvida (art. 9º, NCPC), conduz à compreensão da nova exigência de que a instauração incidental do pedido implique a “citação” do sócio ou da pessoa jurídica para que se manifeste e requeira as provas cabíveis no prazo de 15 dias (art. 135, NCPC).

Caso o pedido já tenha sido formulado na própria inicial pelo autor, evidente que não haverá nova necessidade de manifestação, porque a parte poderá se insurgir já a partir da citação, exercendo a plenitude do contraditório desde logo, muito embora a desconsideração se admita “em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial” (art. 134), o que exigirá, no mais das vezes, que a defesa por parte do sócio se dê não apenas em sede de contestação, mas também em impugnação ao cumprimento de sentença, com limitação de cognição no âmbito horizontal, e em embargos à execução. Daí que tenha o Fórum Permanente de Processualistas Civis editado o Enunciado 248, por ocasião da Carta de Vitória: “Quando a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, incumbe ao sócio ou a pessoa jurídica, na contestação, impugnar não somente a própria desconsideração, mas também os demais pontos da causa”.

Ressalta a ideia de que não seja o sócio ou a empresa (no caso da desconsideração da personalidade jurídica inversa, também admitida pelo novo CPC, art. 133, p. 2º) tomado de surpresa com o bloqueio ou a penhora de bens, apesar de que não se impede que a providência venha a ser adotada cautelarmente, na presença de elementos que apontem para a dissipação do patrimônio ou no risco de que a citação possa acarretar na insolvência tanto da empresa quanto do sócio.

O novo CPC tratou de admitir expressamente a desconsideração inversa, que se dá quando os bens da pessoa física são desviados para pessoa jurídica, tal como sucede em casos envolvendo divórcio. O STJ já vinha admitindo a possibilidade, para atingir o ente coletivo e seu patrimônio social, de modo a responsabilizar a pessoa jurídica por obrigações do sócio controlador. “ (REsp 1236916/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/10/2013, DJe 28/10/2013).

A redação do artigo 133 dá a entender que o pedido de desconsideração deve sempre decorrer de requerimento da parte ou do Ministério Público, nas causas em que intervir, não podendo ser instaurado de ofício pelo magistrado. Para MARINONI et al (2015), contudo, “nada impede, porém, que o juiz dê início ao incidente também de ofício, sempre que o direito material não exigir a iniciativa da parte para essa desconsideração. O fundamental é a observância do contraditório prévio para a concretização da desconsideração, já que essa é a finalidade essencial do incidente”.

Não há como se concordar com a afirmação, mesmo para aqueles casos em que se esteja diante de direitos indisponíveis, tais como verbas alimentares, por exemplo. É que o incidente foi incluído no capítulo da intervenção de terceiro, e não se cogita admitir que a inclusão dos sócios se dê em caráter de litisconsórcio passivo necessário, senão facultativo (o enunciado 125 do Fórum Permanente de Processualistas Civis já havia assim expressado: “Há litisconsórcio passivo facultativo quando requerida a desconsideração da personalidade jurídica, juntamente com outro pedido formulado na petição inicial ou incidentemente no processo em curso”).

O autor não pode ser ver obrigado a litigar em face do sócio, contra sua vontade, ainda mais quando se leva em conta a responsabilidade objetiva decorrente de eventuais danos causados no caso de que a desconsideração seja depois improcedente. Se fosse o caso de litisconsórcio necessário – mas não é -, então a inclusão seria forçada, e a sentença não produziria efeitos senão enquanto todos (os sócios) tivessem sido citados. A redação parece clara neste sentido, apontado para a necessidade de requerimento da parte, de modo que deve ser afastada a possibilidade de desconsideração de ofício pelo magistrado, como afirma TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER (2015): “não é possível a atuação do juiz sem provocação da parte (...) os pressupostos para a incidência deste mecanismo são diferentes em diversos ramos do direito material, mas a disciplina processual é uma só: em caso algum pode haver a instauração de ofício deste incidente”.

Embora se admita a instauração do incidente em qualquer tempo, fase ou grau de jurisdição (art. 134), é de se excepcionar a instauração na fase do recurso especial ou extraordinário, porque que não se outorgou competência constitucional ao STJ ou STF para apreciação da matéria, sem contar a natureza devolutiva destes recursos (WAMBIER, 2015).

Da instauração do incidente, ou seja, do acolhimento do pedido de processamento do pedido de desconsideração, deve ser o distribuidor comunicado (art. 134, p. 1º), a fim de que se possa assegurar a terceiros o conhecimento acerca do assunto, evitando a prática de atos fraudulentos. Não basta o mero requerimento de instauração do incidente, mas sim o exercício de juízo não exauriente da plausibilidade das alegações, ainda que limitado à decisão que admite o incidente e manda citar o terceiro. Caso o pedido tenha sido formulado, mas não tenha sido sequer recepcionado pelo juiz (indeferimento de plano), não há razão para se comunicar o distribuidor.

Admitido o incidente, ou seja, determinada pelo juiz a citação do sócio ou da empresa, o processo seguirá suspenso até a decisão interlocutória (art. 134, p. 3º), sendo que eventual recurso não contará com efeito suspensivo, como regra. O incidente não exigirá propriamente a instauração de processo dependente, podendo ser decidido nos mesmo autos, a não ser que tal implique tumulto processual ou que a respectiva produção probatória seja extensa e complexa. Caso o pedido de desconsideração tenha sido formulado na própria inicial, não haverá necessidade de suspensão do feito.

Com a instauração do incidente, o terceiro será citado para que se manifeste e requeira as provas cabíveis, no prazo de 15 dias. MARINONI (2015) entende que o prazo é comum se houver mais de um sócio incluídos no pedido, e que não se aplicaria a causa de aumento de prazo (art. 229, NCPC) para litisconsortes com procuradores distintos, por se tratar de prazo próprio. Caso o réu não se manifeste a respeito, parece bem possível a aplicação da pena de revelia, com a presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor.

O próprio CPC qualifica de decisão interlocutória a decisão que resolve o incidente (art. 136), extirpando qualquer dúvida quanto ao recurso cabível, que é o agravo de instrumento (art. 1.015, NCPC). É outra das exceções à regra de irrecorribilidade das interlocutórias apregoada pelo novo CPC. Por outro lado, caso o pedido incidental tenha sido formulado diretamente no tribunal, o recurso cabível será o agravo interno.

Destaca-se como principal efeito da procedência da desconsideração o de tornar possível que os atos executivos atinjam o patrimônio dos sócios, estendendo a responsabilidade patrimonial a um terceiro, que passa a ser réu (art. 137). Daí também decorre a ineficácia da alienação dos bens realizada por aquele a quem a responsabilidade foi estendida, se ocorrida em fraude à execução, caso preenchidos os requisitos legais, pois assim como ineficaz a alienação de um réu qualquer.

Questão a merecer também ponderação jurisprudencial diz respeito à condenação sucumbencial no incidente de desconsideração. Caso o incidente seja procedente, a condenação em favor do advogado do autor se dará na própria sentença, ou, caso se trate de processo executivo ou já em execução, haverá apenas a extensão dos efeitos patrimoniais ao sócio, de forma que aqui não se antevê qualquer dificuldade. Mesmo quanto ao pedido de desconsideração formulado na inicial, que venha a ser afastado, também parece claro o cabimento da condenação em honorários. O questionamento que se coloca é em relação ao pedido incidental de desconsideração. É preciso lembrar que o instituto trata de modalidade de intervenção de terceiro, e já há um entendimento claro de que ante o princípio da causalidade deve ser (atualmente) imposta a condenação ao litisdenunciante perdedor, por exemplo: “Em atenção ao princípio da causalidade, o litisdenunciante que não se desincumbir de seu ônus probatório também arca com as despesas processuais e honorários advocatícios decorrentes da improcedência da denunciação da lide” (REsp 879.567/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/05/2009, DJe 29/05/2009).

Tendo o terceiro (o sócio ou a empresa) sido citado, constituído advogado, se manifestado em relação ao incidente e demonstrado que não era o caso da desconsideração da personalidade jurídica, há uma decorrência lógica de que o autor, que provocou o incidente, responda pelas custas e honorários do advogado, tanto pelo princípio da causalidade quanto pela proibição do enriquecimento ilícito. Não há como se isentar o autor dos ônus respectivos pela instauração de incidente infundado, a não ser que se crie figura imune aos ônus processuais. Esta é mais uma importante razão para que se afaste a possibilidade de inclusão de ofício, pelo juiz, do sócio ou da empresa, embora mesmo assim o autor siga responsável pelos ônus sucumbenciais.

Por fim, há um outro significativo aspecto envolvendo a desconsideração no tocante à responsabilidade pelos danos causados em decorrência de incidente infundado (art. 81, NCPC), tanto quanto às penas pela litigância de má-fé, quanto pelos demais prejuízos sofridos pela parte. É que a provocação do incidente infundado, além de lograr a caracterização do litigante ímprobo, pode efetivamente causar dano patrimonial ao terceiro, em especial na hipótese de que tenha sido adotada, cautelarmente alguma medida constritiva. Neste caso, ficará o autor obviamente responsável pela reparação dos danos.

Referências bibliográficas

COELHO, Fabio Ulhoa. A teoria maior e a teoria menor da desconsideração. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais – RDB, vol. 65/2014, p. 21/30, jul/set 2014.

FERNANDES, Juliano Gianechini. Um ensaio sobre a teoria da desconsideração da personalidade jurídica inserida no projeto do novo código de processo civil brasileiro. Revista Páginas de Direito, Porto Alegre, ano 13, nº 1074, 23 de agosto de 2013. Disponível em: http://www.tex.pro.br/home/artigos/174-artigos-ago-2013/4745-um-ensaio-sobre-a-teoria-da-desconsideracao-da-personalidade-juridica-inserida-no-projeto-do-novo-codigo-de-processo-civil-brasileiro. Acesso em 24/06/2015.

MARINONI, Luiz Guilherme. Novo código de processo civil comentado [livro eletrônico]. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2015.

MEDINA, José Miguel Garcia. Novo Código de Processo Civil comentado. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2015.

PALHARES, Felipe. A aplicação da teoria da desconsideração inversa da personalidade jurídica à luz do ordenamento jurídico brasileiro. Revista de Direito Civil Contemporâneo, vol. 3/2015, p. 55/80, abr/jun 2015.

REICHELT, Luis Alberto. A desconsideração da personalidade jurídica no projeto de novo código de processo civil e a efetividade da tutela jurisdicional do consumidor. Revista de Direito do Consumidor, vol. 98/2015, p. 245-259, mar/abr 2015.

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Primeiros comentários ao novo código de processo civil [livro eletrônico]. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2015.

Enunciados do Fórum Permanente de Processualistas Civis. Disponível em <:http://portalprocessual.com/wp-content/uploads/2015/06/Carta-de-Vit%C3%B3ria.pdf>:. Acesso em 25/06/2015.

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Editores: 
José Maria Tesheiner
(Prof. Dir. Proc. Civil PUC-RS Aposentado)

Mariângela Guerreiro Milhoranza da Rocha

Advogada e Professora Universitária

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