15.05.14 | Gustavo Morgental Soares Série História do Processo Judicial

Episódio 16 - A história do processo eleitoral

Texto e Narração: Gustavo Morgental Soares
Apresentação:

Maurício Krieger

Publicação: 15/05/2014
Música: Julians Auftritt, de :Christoph Pronegg, :Klassik - Album 2008
Edição de áudio: André Luís de Aguiar Tesheiner

Ouça o :podcast :pelo próprio site, clicando no ícone acima. :

Para baixar o arquivo em seu computador, clique com o botão direito em cima do :link :e escolha [salvar link como] ou [salvar destino como].

A primeira lei eleitoral brasileira foi publicada em 1822, por ordem de D. Pedro I :

A primeira lei eleitoral brasileira, isto é, a primeira lei elaborada com o fim específico de regulamentar as eleições no país foi publicada em 1822, por ordem de D. Pedro I.Por ser uma novidade na época, os dispositivos legais norteadores do direito eleitoral eram chamados de Instruções. As ditas Instruções nada mais eram do que o que chamamos hoje de lei eleitoral.Ocorre que as Instruções tratavam apenas de nortear o processo eleitoral propriamente dito, sem qualquer caráter jurisdicional.E apenas com o reconhecimento da existência de uma 'jurisdição eleitoral' é que o processo judicial eleitoral surge e se desenvolve no Brasil.É importante destacar que o “processo eleitoral” não se confunde com o “processo judicial eleitoral”. O processo eleitoral remete à ideia do direito de sufrágio, iniciando com o alistamento dos eleitores e, via de regra, terminando com a diplomação dos eleitos. Já o processo judicial eleitoral refere-se à prestação jurisdicional pela Justiça Eleitoral em relação aos atos e fatos jurídicos do processo eleitoral.A história do processo judicial eleitoral brasileiro tem início com a criação da Justiça Eleitoral, em 1932. Até aquele momento, que pôs fim à chamada 'república velha', os conflitos e os defeitos decorrentes da eleição eram imunes à apreciação jurisdicional. Apenas o poder legislativo era reconhecido como competente para deliberar sobre a investidura de seus próprios membros, tanto pelo argumento da separação de poderes quanto pela crença de que o parlamento encarnava a soberania popular, que não reconhecia nenhuma outra autoridade estatal apta a desfazer seus atos.Sob a ideia de que o parlamento era soberano as eleições do período pré-revolução de 1930 eram marcadas por todo tipo de manipulação e fraude, a ponto de ser usual no Brasil de então o chamado sistema de verificação de poderes, vulgarmente conhecido como degola, mecanismo pelo qual o parlamento podia recusar um determinado parlamentar eleito por entender que sua eleição contrariava os interesses do povo soberano.Para corrigir tal situação o poder judiciário foi recrutado a 'mediar' as eleições, com plenas competências executivas e jurisdicionais.Joaquim Francisco de Assis Brasil foi o grande idealizador do Código Eleitoral de 1932, que criou a Justiça Eleitoral.Aqui uma curiosidade: neste código consta a primeira menção à urna eletrônica, quando o texto legal levanta a hipótese da utilização de uma “máquina de votar”.Competia à Justiça Eleitoral, além da organização geral das eleições - desde o alistamento dos eleitores até a proclamação dos resultados -, o exercício da jurisdição sobre as eleições, mediante o manejo de uma processualística própria.Inspirada no controle jurisdicional de constitucionalidade proposto por Rui Barbosa, pelo qual a “soberania do parlamento” foi substituída pela “soberania popular” a Justiça Eleitoral foi dotada de mecanismos processuais para atuar no controle das eleições, a fim de garantir que o seu resultado fosse a mais legítima expressão da vontade do povo.O Código de 1932 foi bastante genérico na disciplina processual: criou a possibilidade de impugnação da votação por vícios como fraude, quebra do sigilo e ausência de fiscalização, o que autorizava a Justiça Eleitoral a declarar a sua nulidade, e a possibilidade de recursos para combater essas decisões.Ainda, foi estabelecida uma disciplina penal e processual penal própria da matéria eleitoral, com vistas a punir os desvios mais graves.Tal código, refletindo o espírito e as necessidades da época, preocupava-se essencialmente com o combate às fraudes na votação e na contagem. Portanto, a atuação judicial era direcionada à fiscalização e à proteção dos eleitores, para os quais o código estabeleceu uma série de garantias.O Código Eleitoral de 1965, aprovado durante a ditadura militar e ainda vigente, manteve os fundamentos de 1932 e avançou em relação a alguns pontos: detalhou os ritos processuais eleitorais, prevendo prazos e etapas para o andamento das ações: estabeleceu, de forma inédita, a possibilidade de cassação do diploma de candidato já eleito através do Recurso Contra a Expedição de Diploma, primeira ação cabível para a retirada de mandato e ainda existente no ordenamento: e concebeu a hipótese de renovação das eleições em caso de defeitos vultosos, como a anulação por fraude de mais de 50% dos votos dados na circunscrição.A Constituição de 1988, ao incorporar em seu texto a disciplina da jurisdição eleitoral herdada dos Códigos anteriores, estabeleceu as hipóteses de cabimento de recurso especial ao Tribunal Superior Eleitoral, e delegou à lei complementar a tarefa de definir a organização e competência dos Tribunais Regionais Eleitorais e dos juízes eleitorais de primeiro grau. Tal lei complementar nunca foi aprovada, e por isso o Código Eleitoral de 1965 foi recepcionado nesta condição. Mas a maior inovação da Constituição de 1988 foi a criação da chamada Ação de Impugnação de Mandato Eletivo, destinada a retirar o mandato do candidato eleito por abuso de poder econômico, corrupção ou fraude. Foi a primeira e até hoje é a única ação constitucional em matéria eleitoral.Se até 1988 o foco do processo judicial eleitoral era velar pela regularidade da votação e da contagem, o surgimento da Ação de Impugnação de Mandato Eletivo chamou a atenção para desvios até então desprezados, e que cada vez mais interferiam na formação da vontade do eleitor: compra de votos, manipulação da verdade durante a propaganda eleitoral e exercício tendencioso do poder político passaram a ser observados pela Justiça Eleitoral.A tendência se manteve em 1997, ano em que foi aprovada a Lei das Eleições hoje vigente, a qual já sofreu sucessivas alterações. Hoje a disciplina processual eleitoral está essencialmente detalhada nesta lei, e as ações previstas, chamadas de representações, servem justamente para preservar a formação da vontade do eleitor contra o abuso de poder econômico ou político.Com a superação das fraudes típicas da votação e contagem manuais no ano 2000, quando as eleições passaram a ser 100% informatizadas, o processo judicial eleitoral praticamente se descolou da sua origem. Ele hoje não serve mais para garantir a lisura 'técnica', procedimental das eleições, afinal, o ato de votar é estritamente respeitado, havendo sigilo e contagem fidedigna. Superadas as fraudes da república velha, o processo judicial eleitoral do século XXI se ocupa agora de promover a maior igualdade possível entre os candidatos e de defender o eleitor contra as 'fraudes' praticadas antes de votar, ou seja, no momento em que está formando a sua convicção: por isso, as ações eleitorais atuais se voltam para a propaganda eleitoral, para a contabilidade das campanhas e dos partidos políticos, e para as vedações impostas aos agentes públicos, especialmente os que concorrem à reeleição.Hoje a infração pode custar a perda do mandato conquistado de forma impura, e inclusive conduzir a inelegibilidade do infrator para as próximas eleições por até oito anos, conforme a nova disciplina da Lei das Inelegibilidades, que em 2010 foi alterada pela chamada “Lei da Ficha Limpa”.Desse apanhado, então, pode-se notar três fases distintas de amadurecimento do processo judicial eleitoral: a primeira, de 1932, embrionária, representou a criação de um órgão com poderes administrativos e alguns poderes jurisdicionais para conduzir de forma imparcial as eleições, na tentativa de evitar as fraudes mais grosseiras e de acabar com a supremacia do poder legislativo sobre a sua própria formação: a segunda, de 1965, significou a aceitação de que em determinadas hipóteses a Justiça Eleitoral poderia retirar o diploma do candidato vencedor, por ela mesmo outorgado, quando verificada alguma irregularidade gravíssima na campanha ou na condução técnica das eleições: e a terceira, contemporânea, que andou em paralelo com o período de redemocratização do país e a informatização das eleições, significou a afirmação da Justiça Eleitoral como o órgão do Estado responsável por aferir a legitimidade das eleições, inclusive mediante a retirada de mandatos obtidos com afronta à igualdade de oportunidade entre os candidatos ou à liberdade de convicção do eleitor.Se por um lado o desenvolvimento histórico do processo judicial eleitoral nessas oito décadas demonstra significativas alterações, por outro lado alguns itens fundamentais de sua estrutura permanecem intocados, fieis às concepções do ideólogo maior da Justiça Eleitoral, o gaúcho Joaquim Francisco de Assis Brasil.Um deles é a composição híbrida e 'temporária' da Justiça Eleitoral: não há magistratura eleitoral de carreira, sendo jurisdição eleitoral conferida a juízes oriundos de ramos distintos, inclusive da advocacia, pelo período de dois anos, sistema que ao mesmo tempo evita a partidarização daquela justiça especializada e promove a oxigenação permanente da jurisprudência, desejável numa matéria palpitante com as eleições.Outro aspecto igualmente importante é a celeridade: dado que o processo eleitoral é curto e dinâmico, os processos judiciais eleitorais não podem durar anos, devendo ser resolvidos o mais breve possível, afinal a missão da Justiça Eleitoral é estabilizar o exercício do poder, e não o contrário.Finalmente, há o caráter administrativo de algumas decisões, o que por vezes entra em choque com a dogmática clássica do processo judicial e suas reflexões sobre o conceito de jurisdição, mas que se justifica pela própria posição da justiça eleitoral no curso das eleições, à qual cabe não apenas uma postura passiva, mas eventualmente a tomada de medidas ativas e enérgicas, como a retirada sem demanda prévia de propaganda eleitoral afixada de forma ilegal.Situações como essa fazem do processo judicial eleitoral um ramo exótico no seio dos estudos de processo e, se não lhe garantem autonomia científica, pois o próprio Direito Eleitoral se vale da estrutura processual civil e penal para atuar, ao menos chamam a atenção para a necessidade de melhor desenvolvimento teórico das ferramentas processuais disponíveis à disputa eleitoral.

Questionamentos:

Inclusive advogados?Sim, a Justiça Eleitoral não possui quadro próprio de magistrados. O Tribunal Superior Eleitoral é composto por ministros do STF, STJ e por advogados. Os Tribunais Regionais Eleitorais são compostos por juízes de direito, juízes federais e também por advogados.Existem ainda as juntas eleitorais, que são presididas por um juiz de direito e dois ou quatro cidadãos de notória idoneidade.

A democracia brasileira não carece de um novo Código Eleitoral?Considerando que o cenário atual é bastante distinto daquele de 50 anos atrás, e que os processos eleitoral e judicial eleitoral são hoje regidos por sucessivas reformas legislativas e resoluções do Tribunal Superior Eleitoral, a promulgação de um novo código eleitoral seria um grande passo em favor da segurança jurídica em matéria eleitoral. De concreto, apenas projetos e anteprojetos, alguns dos quais propondo apenas reformas no diploma vigente.

Compartilhe esta notícia:
Episódio 16 - A história do processo eleitoral -    Texto e Narração: Gustavo Morgental Soares ...

Editores: 
José Maria Tesheiner
(Prof. Dir. Proc. Civil PUC-RS Aposentado)

Mariângela Guerreiro Milhoranza da Rocha

Advogada e Professora Universitária

ACESSE NOSSAS REDES

Excelência em conteúdo jurídico desde o ano de 2000 | ISSN 1981-1578