19.05.14 | Otávio Augusto Cruz Ribeiro Série História do Processo Judicial

Episódio 17 - O agravo nas Ordenações do Reino

Texto e Narração: Otávio Augusto Cruz Ribeiro
Apresentação:

Marcelo Bopp Tesheiner

Publicação: 19/05/2014
Música: Julians Auftritt, de :Christoph Pronegg, :Klassik - Album 2008
Edição de áudio: André Luís de Aguiar Tesheiner

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Para frenar a multiplicação de recursos de apelação, D. Afonso IV passou a distinguir decisões interlocutórias simples e decisões interlocutórias definitivas ou mistas.

O recurso de Agravo tem sua origem vinculada à irrecorribilidade de decisões interlocutórias de natureza simples. Veja-se.

Tanto o Direito Romano quanto o Direito Canônico influenciaram o Direito Português.

Segundo o Autor, no Direito Romano, o procedimento formulário não permitia decisões anteriores à sentença, ou seja, não permitia decisões interlocutórias. O processo atingia o fim com o pronunciamento único do Pretor. As decisões interlocutórias somente surgiram no período Pós-Clássico, época da República e do Principado, sendo que Severo admitia que fossem apeláveis e Justiniano não.

Já no Direito Canônico, as decisões interlocutórias eram apeláveis – as decisões dos Bispos eram recorríveis para os Concílios Diocesanos e Provinciais. Mais tarde, ao próprio Papa seus Delegados.

Em Portugal, o Código Visigótico se manteve até o final do séc. XII. Com D. Afonso III, começou a se legislar efetivamente sobre processo civil. Ao ser coroado, D. Afonso III jurou colocar juízes justos e temerosos a Deus, os quais seriam eleitos pelo povo ou nomeados, buscando estender a jurisdição real sobre a “autoridade” e “poder” dos membros mais ricos da população e fortalecer a participação popular nas cortes.

Conforme refere o Autor, no séc. XII, 02 (duas) eram as sentenças:

(i) Sentenças Definitivas: resolviam a principal demanda, encerrando o pleito e declarando vencedor e vencido. (ii) Sentenças Interlocutórias: resolviam dúvidas que recaiam sobre o pleito, que não a demanda principal.

Segundo a Lei de D. Afonso III (1254), ambas eram recorríveis mediante o recurso de apelação ou o recurso de sopricação (suplicação). A influência do Direito Romano e do Direito Canônico trazia o recurso de apelação com essa amplitude, admitindo-se sua interposição contra decisões (sentenças) interlocutórias, definitivas e até mesmo contra atos extrajudiciais. O procedimento da apelação previa 09 (nove) dias para cópia da decisão (chamada de agravo – no sentido de prejuízo, lesão, etc.) por Escrivão ou Tabelião e 30 (trinta) dias para remessa à Corte, com efeito suspensivo, o qual se mantém, como regra, até os dias de hoje!

Porém, segundo o Autor, era comum a negativa de remessa da apelação para o Rei ou Sobre-Juiz pelos nobres, mosteiros, mestres de ordem ou senhores feudais. Diante dessa situação, D. Diniz, filho de D. Afonso III, impõe que a apelação lhe seja diretamente submetida, mediante a criação da Lei da Pontaria – que previa até pena capital ao Juiz inidôneo ou injusto.

Ocorre que, como referido, a apelação era um recurso amplo, gerando ação danosa à administração da Justiça – buscando controlar a atuação dos juízes com ampliação do objeto recursal, multiplicou-se o número de recursos e de expedientes protelatórios.

Conforme o Autor, para frenar a multiplicação de recursos de apelação, D. Afonso IV (1325 a 1357) passou a distinguir decisões interlocutórias simples e decisões interlocutórias definitivas ou mistas:

(i) decisões interlocutórias simples, como aquelas que decidiam expedientes que recaiam sobre o pleito sem ser a demanda principal: (ii) decisões interlocutórias definitivas ou mistas, como aquelas que, ao decidir expedientes periféricos, terminavam o processo ou geravam danos irreparáveis ao litigante. E somente em relação a essas admitia-se o recurso de apelação, restringindo sua amplitude. Tal situação manteve-se tanto nas Ordenações Afonsinas quanto nas Ordenações Manoelinas.

A irrecorribilidade das decisões interlocutórias simples era amenizada por retratação, que podia ser requerida em 10 (dez) dias pela Parte ou deferida de ofício pelo Juiz até a sentença, ou por estormento ou carta testemunhável submetidos ao Rei. Porém, ainda assim, se mantinham com recorribilidade restrita.

Segundo o Autor, tal fato gerou as queixas ou querimas – contra as decisões interlocutórias simples, levava-se uma queixa, oralmente, ao Soberano, enquanto esse percorria o reino. Se procedente, ganhava-se uma “carta de justiça”, gravada pela cláusula “se assim é como querelou”. Isso porque o provimento era dado com base exclusivamente no que a Parte alegou ao Soberano. Diante da inexistência de prova ou contraditório, tais cartas geravam problemas em sua execução, pois se passava a discutir se a situação era ou não como a Parte havia querelado em sua queixa.

A partir de D. Duarte, proibiram-se as cartas de justiça, exigindo-se a intervenção de Oficial Público, o qual organizava as peças e páginas, indo a queixa, com a resposta do Juiz, ao Superior. O Oficial Público podia ser:

(i) Escrivão – os documentos eram organizados em carta testemunhável: (ii) Tabelião – os documentos eram organizados em estormento (instrumento):

A competência para exame desses recursos, inicialmente conferida ao Rei, passou a ser delegada a 02 (dois) Desembargadores membros da Casa de Justiça.

Com isso, parte da doutrina refere estar aí a origem do Agravo de Instrumento.

Veja-se que, inicialmente, o termo “agravo” significava o prejuízo causado pela decisão judicial. Apenas com as Ordenações de D. Manoel, o mal passa a denominar o remédio. Nas Ordenações Manoelinas, o Agravo, enquanto recurso contra decisões interlocutórias simples, dividia-se em:

(i) Agravo por Instrumento: (ii) Agravo por Petição: (iii) Agravo nos Próprios Autos:

O que determinava o Agravo por Instrumento ou o Agravo por Petição era o critério geográfico – estar ou não o juízo ad quo distante até 05 (cinco) léguas do juízo ad quem. Isso porque não sendo superada a distância, o recurso era feito por mera petição, encaminhando-se os próprios autos ao Julgador-Revisor e, por essa razão, tendo a decisão efeito suspensivo. Por outro lado, superada a distância, formava-se o instrumento do recurso em apartado, encaminhando-se apenas este ao grau recursal e, por conta disso, não havendo suspensividade da decisão. Assim, ambos destinavam-se a atacar decisões interlocutórias simples, diferenciando-se pela formação ou não do instrumento.

Vale referir que, no Sistema Filipino, o recurso de apelação gradativamente passou a dar lugar ao agravo, o qual passou a ser manejado também contra decisões interlocutórias definitivas ou mistas.

Já o Agravo nos Próprios Autos era o recurso veiculado contra a decisão interlocutória de recebimento do recurso de agravo ou de apelação. Surgiu na Carta Régia de 1526. Apesar de a admissibilidade do recurso, já naquela época, ser de livre exame por seu julgador, o Agravo nos Próprios Autos formalizava a irresignação da Parte recorrida. Tinha prazo de 10 (dez) dias por cota nos autos e não possuía efeito suspensivo. Segundo a doutrina, tem-se aí a origem do Agravo Retido.

Conclusão:

Diante do problema causado à administração da Justiça pela amplitude do recurso de apelação, inicialmente utilizada para atacar decisões finais e interlocutórias e até mesmo atos extrajudiciais, D. Afonso IV, distinguindo decisões interlocutórias simples e decisões interlocutórias mistas ou definitivas, resguardou apenas às últimas a recorribilidade via apelação.

A restrição à recorribilidade das decisões interlocutórias simples gerou as queixas ou querimas ou querimonias – reclamações orais submetidas ao Soberano quando este cruzava o reino. Se procedentes, conferiam ao reclamante “carta de justiça” gravada pela cláusula “se assim é como querelou”. Todavia, tal cláusula gerava uma discussão sobre se os fatos eram ou não como havia querelado o recorrente.

A partir de D. Duarte, exigiu-se a formalização de instrumento por Oficial Público, o qual organizaria documentos e páginas para que a queixa fosse levada ao grau superior. E nessas queixas formalizadas, tem-se a origem do Agravo de Instrumento.

Contra as decisões que recebiam os recursos de apelação e agravo, era possível manejar Agravo nos Próprios Autos, os quais formalizavam a irresignação do recorrido com a admissibilidade do recurso. Neste, tem-se a origem do Agravo Retido.

Amaral, Osternack Paulo. O Agravo nas Ordenações do Reino. Revista de Processo. Ed. RT, v. 36, n.191.

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Editores: 
José Maria Tesheiner
(Prof. Dir. Proc. Civil PUC-RS Aposentado)

Mariângela Guerreiro Milhoranza da Rocha

Advogada e Professora Universitária

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