Episódio 19 - Actio legis per iudicis postulationem e Actio legis per condictionem
Texto e narração: | Sophia Salerno Peres | |
Apresentação: | Maurício Krieger | |
Publicação: | 296/05/2014 | |
Duração do episódio: | 10 minutos e 16 segundos | |
Música: | Julians Auftritt, de :Christoph Pronegg, :Klassik - Album 2008 | |
Edição de áudio: | André Luís de Aguiar Tesheiner |
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Ação para pedir um juiz e para notificar o réu a comparecer ante o juiz
A legis actio postulationem não era ação geral como a legis actio sacramento, mas, pelo contrário, apenas cabia nos casos expressos em lei. É muito provável que ela tenha surgido no contexto do desenvolvimento da economia romana, na qual muitas vezes os negócios eram realizados mediante sponsios. As sponsios eram espécies de promessas, de contratos verbais firmados entre credor e devedor, com força de lei, de modo que o seu descumprimento poderia desencadear a propositura da actio legis per judicis postulationem. Gaio explica que a concretização da obrigação verbal dava-se por meio de pergunta e resposta, como, por exemplo: “Prometes dar? (spondes?) Prometo (spondeo): Darás? – Darei: Prometes sob palavra? – Prometo sob palavra.”Havia duas hipóteses de cabimento da ação previstas na Lei das XII Tábuas. A primeira, para a cobrança de dívidas derivadas de uma sponsi. Dispunha o artigo 1° da Tábua Sexta: “Se alguém empenhar a sua coisa ou vender em presença de testemunhas, o que prometeu terá força de lei.” A segunda hipótese referia-se à partilha de herança, e era regulada pela Tábua Sexta:
5. Que as dívidas ativas e passivas sejam divididas entre os herdeiros, segundo o quinhão de cada um.6. Quanto aos demais bens da sucessão indivisa, os herdeiros poderão partilhá-los, se assim o desejarem: para esse: fim o pretor poderá indicar três árbitros.
A partir da Lei Licínia, em 210 a.C, a legis actio per judicis postulationem passou a ser cabível também nos casos de divisão da coisa comum.A primeira fase do processo ocorria in iure, perante o pretor. O autor inaugurava a ação, dizendo: “Eu digo que tu me deves pagar dez mil sestércios, por causa de uma promessa (sponsio). Peço-te que confirmes ou negues o que digo”. À negação do réu, o demandante continuava: “Já que negas, peço, oh!, pretor, que indiques um juiz ou um árbitro.” O juiz ou árbitro eram escolhidos entre os membros do povo: patrícios, senadores e, mais tarde, plebeus. Após a nomeação, o processo tinha continuação na fase apud iudicem.Portanto, estando em vigor o processo bifásico, o pretor, detentor da iurisdictio, detinha a incumbência de fixar os limites da controvérsia e manifestar-se pela existência de proteção jurídica ao direito alegado, declarando se a pretensão do autor era ou não amparada pela actio per iudicis postulationem. Na segunda fase, cabia ao juiz, ou árbitro, após a produção das provas, proferir a sentença. A sentença dispensava qualquer fundamentação ou motivação, e, inclusive, o juiz poderia declarar sibi nono liquere (“não me parece claro”), hipótese na qual o processo era remetido a outro juiz.Relembra-se que, na legis actio sacramento, as partes faziam suas afirmações através de juramentos às divindades, e, como ambas faziam afirmações contraditórias em juízo, parecia óbvio que uma delas cometia perjúrio, motivo pelo qual era depositado o sacramento, quantia em dinheiro destinada a compensar a divindade em razão do falso juramento. Na actio legis per postulationem inexistia a necessidade de depósito de qualquer, possivelmente porque, pelo menos casos de divisão de herança ou de coisa com, os litigantes não faziam afirmações contraditórias, mas apenas pretendiam uma divisão satisfatória.
Legis Actio per condictionem
A legis actio per condictionem teve origem no século III a.C. Foi introduzida pela Lex Silia, na qual a ação da lei era prevista para a cobrança de créditos de quantia certa (certa pecunia), e pela Lex Calpurnia, para haver coisa certa (certae res).
Aparentemente, os créditos cobrados por esta ação podiam igualmente ser objeto da legis actio sacramento in personam, pela qual o autor age contra aquele que se obrigou, buscando a satisfação da obrigação de dar ou fazer. Então, por quê motivo teria surgido a legis actio per condictionem? Acredita-se que esta teria aparecido em substituição à legis actio sacramento, como uma versão com menos rigor formal. Estando ambas as partes perante o pretor, o autor dirigia-se ao réu: “Digo que tu me deves pagar dez mil sestércios. Peço-te que confirmes ou que negues o que digo.” Em caso de negação, o demandante continuava: “Já que negas, exijo que compareças dentro de trinta dias, a fim de teres diante de ti um juiz.”.Dava-se fim, então, à fase in iure, perante o pretor, com a nomeação do juiz que daria continuidade ao processo dentro de 30 dias. Daí decorre o nome atribuído à legis actio per condictionem, pois o verbo condicere significa “avisar”, remetendo ao aviso dado pelo autor ao réu de que em trinta dias deveria comparecer em juízo para a solução do litígio. Percebe-se que a característica que distingue esta ação das demais repousa no fato de que, na legis actio per condictionem, dispensava-se a apresentação da causa de pedir, a indicação do fundamento fático da obrigação, que era descrito apenas abstratamente. Na fase in iure, o autor apenas afirmava o seu direito em face do réu. Apenas na fase apud iudicem é que expunha o fundamento da demanda.Observa Scialoja que, até que se completasse o texto completo de Gay, com a descoberta de um pergaminho egípcio, era bastante difundida a opinião de que, perante o pretor, apenas se citava o réu para comparecer ante o juiz no prazo de trinta dias, sem que se pronunciassem palavras solenes. Sabemos agora um pequeno drama se desenrolava também na actio per condictionem. A diferença entre as três ações empregadas para a cobrança de créditos encontrava-se no final da fase in jure, da qual se extraía, aliás, o nome da ação: se era feita uma aposta, tinha-se a legis actio sacramento: se era requerida a nomeação de um juiz, tinha-se a legis actio per iudicis postulationem: se continha uma citação para comparecimento ante o juiz trinta dias depois, tinha-se a legis actio per condictionem.Essas três ações eram formas do juízo de cognição propriamente dito. Nos próximos podcasts trataremos das ações de execução: a legis actio per manus injectionem e a legis actio per pignoris capionem.
CRUZ E TUCCI, José Rogério. Lições de História do Processo Civil Romano. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.GAIUS. Institutas do jurisconsulto Gaio. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.KASER, Max. Direito Privado Romano. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1999.SCIALOJA, Vittorio. Procedimiento civil romano. Trad. Santiago Sentis Melendo. Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-America, 1954.