Episódio 24 - Direito dos Visigodos
Texto: | João Marques Brandão Neto | |
Narração: | Lúcio Delfino, Lessandra Gauer, Mauricio Krieger e Rafael Brustoloni | |
Apresentação: | Júlio Tesheiner e Bruno Tesheiner | |
Publicação: | 03/07/2014 | |
Duração do episódio: | 10 minutos e 35 segundos | |
Música: | Julians Auftritt, de :Christoph Pronegg, :Klassik - Album 2008 | |
Edição de áudio: | André Luís de Aguiar Tesheiner |
Ouça o :podcast :pelo próprio site, clicando no ícone acima. :
Para baixar o arquivo em seu computador, clique com o botão direito em cima do :link :e escolha [salvar link como] ou [salvar destino como].
Quem fosse chamado em juízo e não comparecesse, deveria pagar cinco soldos de ouro ao autor da demanda e cinco soldos de ouro ao juiz. E se persistisse na recusa, receberia 50 açoites na frente do juiz.
1. O primeiro código ibérico de que se tem noticio foi o Código Visigótico, derivado, em parte,das leis romanas.
2. Do Século V ao Século VIII o atual território português foi dominado pelos Visigodos, povo germânico originário das regiões meridionais da Escandinávia. (...)
Para conquistar o domínio da península ibérica, os visigodos enfrentaram suevos, alanos e vândalos, povos bárbaros que haviam ocupado o país antes de sua chegada. A unificação quase se concretizou durante o reinado de Leovigildo, mas ficou comprometida pelo problema religioso: os visigodos professavam o arianismo e os hispanoromanos eram católicos. Leovigildo chegou a sublevarse contra o pai depois de converter-se à religião católica. Mas esse obstáculo para a fusão com os hispano-romanos se resolveu em 589, ano em que o rei Recaredo proclamou o catolicismo religião oficial da Espanha visigótica. (...). Fonte: Encyclopaedia Britannica.
3. O Liber Iudiciorum (ou Lex Visigothorum) foi uma compilação de leis visigodas, de carácter territorial, disposta pelo rei Recesvinto (653-672) e publicadas provavelmente em 654. É também referido como Código de Recesvinto, Livro dos Juízos, Liber Iudicum, Liber Gothorum, Fori Iudicum, Forum Iudicum, Forum Iudiciorum ou apenas Código Visigótico.
Foi este código, com algumas modificações, que serviu de base para a elaboração da legislação de aforamento sob o reinado de Fernando II de Castela para ser concedido como foral a certas localidades da zona meridional da Península Ibérica sob o nome Fuero Juzgo.
O Código Visigótico apresentava enorme influência da tradição romana, inclusive na forma: em doze livros como o Código de Justiniano. Foi aprovado pelo VIII Concílio de Toledo, demonstrando a importância da participação da Igreja na legitimação do direito. Este costume dos reis godos, são os gérmens das futuras Cortes ou Estados Gerais. O Fuero Juzgo, ao lado dos costumes municipais, foram as principais fontes do direito por muitos séculos. http://pt.wikipedia.org/wiki/Código_Visigótico
4. No Fuero Juzgo (Código Visigótico) não é clara a distinção entre “justiça pública” e “justiça privada”, pois o Juiz era pago pelas partes e poderia ser juiz quem fosse mandado pelo príncipe ou eleito pelas partes, com o testemunho dos homens bons. O poder de julgar era recebido do príncipe, do senhor da cidade ou de outros juízes (estes podiam transferir o poder de julgar) – Livro 2,Título1, XIII. Havia uma justiça cível e criminal (Os juízes devem ser estabelecidos de tal maneira que tenham poder de terminar os pleitos, tanto das malfeitorias, quanto das outras coisas). E o rei poderia mandar mandatários para colocar a paz entre as partes (L2T1, XV). Quem fosse chamado em juízo e não comparecesse, deveria pagar cinco soldos de ouro ao autor da demanda e cinco soldos de ouro ao juiz. E se persistisse na recusa, receberia 50 açoites na frente do juiz.
Não vindo a juízo e não tendo onde pagar os cinco soldos, o réu receberia 30 açoites. Se o réu jurasse que não pôde vir a juízo, não receberia as penas da revelia. Se um bispo não respondesse ao chamado do juiz, nem nomeasse procurador, pagaria 50 soldos, dos quais 20 seriam para o juiz e 30 para o autor da demanda (os números, no Fuero Juzgo, são sempre grafados em algarismos romanos). Sacerdotes, diáconos, subdiáconos, clérigos e regulares em geral que não atendessem ao chamado dos juízes, receberiam a mesma pena que os leigos. E se não tiverem onde pagar, o bispo os obrigaria a jejuar por 30 dias, jejum este que consistia em receber um pouco de pão e um pouco de água à tarde. Se o revel fosse fraco ou doente de modo a não poder suportar a pena, esta seria aplicada de modo a não causar grande enfermidade ou morte (L2T1, XVII). Aos juízes já se aplicava o que hoje se conhece por princípio da impessoalidade: não deviam julgar por amor ou por ódio. Os juízes podiam folgar em suas casas dois dias por semana, ou todas as tardes, quando não haveria pleitos. Fora destes horários de folga, os juízes deviam ouvir os pleitos e sentenciá-los, sem maiores dilações (L2T1, XVIII).
Se o juiz julgasse torto e privasse alguém de seus bens, o próprio juiz deveria devolver o que recebeu indevidamente e pagaria o mesmo tanto de seus bens: e se o juiz não tiver bens para entregar, receberia 50 acoites publicamente. Mas se o juiz jurasse que julgou torto por ignorância e não por amor, nem por cobiça, nem para atender a pedidos, não sofreria pena alguma (L2T1, XIX). Os juízes eram exortados a não prolongarem muito as demandas e não criar muitas dificuldades às partes, de modo que um pleito não durasse mais do que oito dias. Se o juiz tivesse que julgar um pleito maior do rei ou do conselho, deveria dizer às partes para voltarem em data certa, para então demandarem (L2T1, XX). Poderia haver apelação para o príncipe (L2T1, XXII). Há um tabelamento dos “serviços judiciais”, com as penas para quem os desrespeitasse:
(Por que já vimos muitos juízes, meirinhos e saiones, que, por cobiça, excediam o mandado da lei, e tomavam a terça parte do requerido no pleito, estabelecemos na presente lei, para afastar esta cobiça dos juízes, que nenhum juiz do pleito que seja julgado ou tratado perante ele, não ouse tomar mais de vinte soldos por seu trabalho, assim como diz a lei. E se algum tomar mais que isto, perca tudo que deveria receber segundo a lei e quanto tomou a mais contrariamente ao direito e pague em dobro àquele a quem tomou. Outrossim, porque entendemos que os saiones que fazem as diligências do pleito, tomam mais do que devem receber por seu trabalho, estabelecemos nesta lei que não tomem mais do que a décima parte da demanda: e se mais tomarem, percam o que deveriam receber segundo a lei e o mais que tomaram paguem o dobro àquele de quem tomou.)
5. Saihon significa aquele que executa a sentença: magistrado judicial subalterno, com funções policiais: verdugo. Merino, por seu turno, originou “meirinho” no português, originando-se ambos os vocábulos do latim “maiorinus”, que significaria “maiorzinho”, pois estaria subordinado ao “majordomo”, termo que originou “mordomo”. O merino era encarregado da administração dos bens da coroa mas também poderia ter funções de juiz. O pagamento ao juiz e ao sayon eram feitos deduzindo-se da coisa objeto da demanda ou de quem deveria entregá-la ou não o fez: mas se o pleito fosse entre herdeiros ou se não fosse apurado de quem era a culpa pelo pleito, ambas as partes pagariam ao juiz e ao sayon. Em caso de revelia, o revel pagaria o trabalho do juiz e do sayon. Se o sayon não quisesse fazer o que o juiz mandou, pagaria um soldo de ouro por cada onça de ouro que valesse o pleito. Se o sayon fosse plebeu, receberia duas cavalgaduras emprestadas para o serviço e, se fosse nobre, receberia não mais do que seis cavalgaduras (L2T1, XXIV). Os juízes podiam julgar por mandado do rei ou por vontade das partes. O duc, o conde e o “vicário” (= lugartenente, substituto, delegado) podiam julgar por mandado do rei ou por vontade das partes.
E uma vez recebido o poder de julgar, deviam ter o nome de juiz, suportando os ônus e os bônus de tal condição, segundo manda a lei (L2T1, XXV). Se os juízes julgassem torto, o pleito nada valeria. Note-se que, na ementa do artigo, o juiz é chamado de alcaide. Eram também nulos os julgamentos ocorridos por pressão dos poderosos: quando os juízes julgassem torto (ou seja, nem conforme o direito, nem segundo a lei) a mando dos príncipes ou por medo. E mesmo que nada valesse o julgamento, os juízes não sofreriam penas se jurassem que não julgaram torto por sua vontade, mas por medo do rei (L2T1, XXVII). Na ementa do item XXVIII se declarava que os bispos tinham poder sobre os juízes que julgassem torto: XXVIII. Do poder que têm os bispos sobre os juízes que julgam torto Nós admoestamos aos bispos de Deus, que devem ter guarda sobre os pobres e sobre os coitados, por mando de Deus: que eles admoestem os juízes que julgam torto contra os povos, para que melhorem e que façam boa vida e que desfaçam o que julgaram mal. E se eles não quiserem atender a admoestação dos bispos, e quiserem julgar torto, o bispo em cuja terra está, deve chamar o juiz que dizem que julgou torto, e outros bispos, e outros homens bons, e emendar o pleito com o juiz, segundo o que é de direito. E se o juiz for tão desleal que não queira emendar o julgamento com o bispo, então este pode julgar por si, e faça um escrito de como emendou o julgamento e envie este escrito ao rei, juntamente com a pessoa que estava agravada, para que o rei confirme o que lhe parecer que é direito. E se o juiz impedir que vá ao bispo aquele homem que antes era agravado por ele, juiz, com torto, pague o juiz duas libras de ouro ao rei..
1CONDE, Manuel Sílvio. Os forais tomarenses de 1162 e 1174. in Revista de Guimarães, n.º 106, 1996, pp. 193-249 (obtido no site www.cs.uminho.pt) 2REILLY, Bernard. Cristãos e Muçulmanos – A Luta Pela Península Ibérica. Tradução de Maria José Giesteira. Lisboa, Teorema, 1992, p. 75.
6.
7. Os muçulmanos dominaram a península ibérica de 711 a 1492. Mas por volta do ano 1000 os cristãos já dominavam quase a metade da península. Do que é hoje Portugal, a parte norte – até Coimbra – era já cristã e, o sul, incluindo Lisboa, ainda estava sob domínio muçulmano. Lisboa, então, pertencia à Taifa de Badajós. Pois bem, entre os muçulmanos, a justiça era feita pelo Cádi, um cargo “público”. A palavra Cádi originou Alcaide em português que, em alguns momentos da história, exerceu a magistratura.
8. Já em Portugal (depois que se tornou independente), a separação entre administração e justiça só se fez, com nitidez, em 1832. A palavra juiz, até então, era empregada comumente na acepção de presidente ou autoridade principal, apesar de denotar, prevalentemente, o sentido de administrador de justiça. Mas já no reinado de Afonso II (1211) havia juízes municipais (também chamados juízes da terra) e juízes designados pelo rei. Entretanto a instrução dos processos que era oral, segundo CAETANO -e a definição do direito aplicável era feita por homens bons escolhidos de uma assembléia judicial, composta por vizinhos de um
9. No tocante às leis criminais, Portugal conheceu a justiça pública (aplicada pelo rei, juízes, senhores e concelhos) e a justiça privada (exercida pelos ofendidos: vítima, parentes, vizinhos ou grupo protetor). Dentre as formas de justiça privada, havia a composição: pecuniária, mediante indenização: corporal ou por açoites, em que o agressor entrava às varas, ou seja, era surrado com varas: por missas, em que o ofensor pagava a celebração de missas pelo ofendido: por prisão, ou seja, em cárcere privado. Após a composição, havia um ritual de reconciliação. A vingança privada, porém, passou a ser coibida já em 1211, pelo Rei D. Afonso II. A execução da justiça privada só era permitida fora das povoações: era a paz urbana. Ademais, era exigido maior polimento dos costumes na urbs, donde veio a expressão urbanidade. Esta manutenção da ordem nas povoações chamava-se paz urbana. Mais importante do que a paz urbana era a paz doméstica: a casa era asilo inviolável, servindo inclusive para proteção de criminosos que nelas se refugiassem. A violação de domicílio já era delito grave em legislação portuguesa do ano de 1211. No tocante à justiça pública, de se lembrar que a justiça era um dos primeiros, senão o mais importante, deveres do rei. Mas justiça privada e justiça pública ainda coexistiam, sendo esta última exercida pelo rei (por meio dos juízes régios), pelos senhores (por meio dos juízes senhoriais) e pelas assembléias municipais (que eram presididas por juízes municipais, os quais também, às vezes, julgavam de forma singular) (CAETANO, 1992:248).
Texto montado a partir de um requerimento forense, apresentado pelo Procurador da República João Marques Brandão Neto, em Blumenau, em 1o de dezembro de 2004. Foram acrescentadas informações extraídas da Wikipédia.
http://www.prpe.mpf.gov.br/internet/Revista-Eletronica/2004/Justica-Publica Acesso em 17/02/09
http://pt.wikipedia.org/wiki/Código_Visigótico