21.07.14 | Sophia Salerno Peres Série História do Processo Judicial

Episódio 28 - A execução pessoal no período das Legis Actiones

Texto e narração:

Sophia Salerno Peres

Apresentação:

Marcelo Bopp Tesheiner

Publicação: 21/07/2014
Duração do episódio: 07 minutos e 35 segundos
Música:

Julians Auftritt, de :Christoph Pronegg, :Klassik - Album 2008. :

Hide and Seek, de :SimonBowman.

Edição de áudio: André Luís de Aguiar Tesheiner

Ouça o :podcast :pelo próprio site, clicando no ícone acima. :

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Se não muitos os credores, será permitido, depois do terceiro dia de feira, dividir o corpo do devedor em tantos pedaços quantos sejam os credores.

A execução no período das legis actiones era pessoal, não recaindo sobre o patrimônio do devedor, mas sim, sobre o seu próprio corpo. A utilização da força física do autor em relação ao condenado representa os resquícios que haviam remanescido do período da vingança privada.

Pela manus iniectionem buscava-se a satisfação do direito de crédito nos casos em que o devedor permanecia inadimplente após confissão ou após sentença proferida em outra ação da lei de cunho cognitivo, como a legis actio sacramento, per iudicis postulationem ou per condictionem. Esta ação estava prevista na tábua terceira da Lei das XII Tábuas, que regulava os direitos de crédito, e assim dispunha:

“4. Aquele que confessar dívida perante o magistrado, ou for condenado, terá 30 dias para pagar.”

“5. Esgotados os 30 dias e não tendo pago, que seja agarrado e levado à presença do magistrado”

Sendo assim, em juízo, perante o pretor, procedia-se da seguinte forma. O autor agarrava uma parte qualquer do corpo do devedor e dizia a seguinte fórmula oral: “Por não me haveres pago dez mil sestércios, a que foste condenado a pagar-me, eu lanço mão sobre ti, por causa dos dez mil sestércios”.

Ao devedor não era concedido o direito de defesa, e, portanto, restavam duas opções: pagar a quantia devida ou apresentar um vindex. O vindex era um terceiro – parente ou amigo do devedor – que, por solidariedade, afastava a mão do credor do corpo do devedor, alegando a ilegitimidade da cobrança e tornando-se responsável pelo pagamento do débito, desobrigando o devedor de pagar a quantia. Neste caso, iniciava-se um novo processo de cognição, no qual se discutia o dever de pagar a dívida executada. Finda a ação, quando o iudex era a parte vencedora, o devedor estava livre, mas, quando o iudex era a parte vencida, ele era obrigado a pagar o dobro da quantia em discussão, em razão de seu comportamento temerário.

Caso o devedor não conseguisse adimplir a obrigação e nem apresentar um vindex, o pretor determinava a manus iniectio (de onde decorre o nome desta ação da lei), ou seja, concedia ao credor o direito de se apoderar do devedor. Inicialmente, o devedor era levado à força e mantido sob guarda do credor, como uma espécie de escravo. No espaço de tempo de 60 dias, o devedor era levado ao tribunal para proclamar o valor da dívida e tentar conseguir um vindex que garantisse a execução. Todo este procedimento era regulado pela tábua terceira da Lei das XII Tábuas, da seguinte forma:

“6. Se não pagar e ninguém se apresentar como fiador, que o devedor seja levado pelo seu credor e amarrado pelo pescoço e pés com cadeias com peso máximo de 15 libras: ou menos, se assim o quiser o credor”.

“8. Se não houver conciliação, que o devedor fique preso por 60 dias, durante os quais será conduzido em três dias de feira ao tribunal do pretor, onde se proclamará, em altas vozes, o valor da dívida.”

Se, passados estes três dias, o devedor não conseguisse obter sua liberdade por transação e se ninguém aparecesse para quitar a dívida, o credor, ou, os credores, tinham o direito de vender o devedor como escravo ou até mesmo matá-lo, conforme expressa previsão da Lei da XII Tábuas:

“9. Se não muitos os credores, será permitido, depois do terceiro dia de feira, dividir o corpo do devedor em tantos pedaços quantos sejam os credores, não importando cortar mais ou menos: se os credores preferirem poderão vender o devedor a um estrangeiro, além do Tibre.”

Com o passar dos anos, por novas leis surgidas após a Lei da XII Tábuas, o próprio réu passou a ter direito de defesa nas legis actio per manus iniectionem, sem a necessidade de auxílio do iudex. Acredita-se que com a Lex poetalia papiria (326 a.C) o método de execução pessoal tenha sido abolido do direito romano, admitindo-se que a execução recaísse apenas sobre o patrimônio do devedor.

Apenas a título de curiosidade, cabe referir que, na atualidade, alguns ordenamentos jurídicos vêm adotando o sistema da execução pessoal, com técnicas de prisão civil por descumprimento de obrigações derivadas das ações executivas, em prol da celeridade processual. Sendo assim, conclui-se com o questionamento: Será que a eficiência processual justificaria, em pleno Estado Democrático de Direito, a volta da cruel e retrógrada execução pessoal praticada no século V a.C?

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KASER, Max. Direito Privado Romano. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1999.

GAIUS. Institutas do jurisconsulto Gaio. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

CRUZ E TUCCI, José Rogério. Lições de História do Processo Civil Romano. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

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Editores: 
José Maria Tesheiner
(Prof. Dir. Proc. Civil PUC-RS Aposentado)

Mariângela Guerreiro Milhoranza da Rocha

Advogada e Professora Universitária

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