Episódio 30 - A administração da justiça no Principado

Texto:

José Tesheiner

Narração:

Alexsandra Fantinel, Pedro Verdi e Marcelo Hugo da Rocha

Apresentação:

Lessandra Gauer

Publicação: 28/07/2014
Música: Julians Auftritt, de :Christoph Pronegg, :Klassik - Album 2008
Edição de áudio: André Luís de Aguiar Tesheiner

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Uma entrevista (fictícia) com George Mousourakis

Temos a satisfação de receber, hoje, em nosso estúdio, o professor George Mousourakis, professor de História do Direito e de Direito Comparado na Universidade de Niigata, no Japão, e na Universidade de Auckland, na Nova Zelândia. Ele perfez seu doutorado no Reino Unido e tem lecionado Direito em universidades ao redor do mundo. Ele é autor de A legal history of Rome, uma história do Direito de Roma. Bem vindo Prof. George.

Obrigado, ALEXSANDRA. É um prazer estar aqui para falar com vocês.

Professor, qual tema o Sr. escolheu para o nosso encontro de hoje?

Vou discorrer sobre a Administração da Justiça durante o Principado, tema que abordei do capítulo nono de minha História do Direito de Roma.

Hum – O principado –Roma. É hora de eu me valer do PEDRO, que está aqui conosco. Oi, PEDRO, podes explicar o que se entende por “Principado em Roma”?

O Principado corresponde ao período que vai de 27 antes de Cristo, ano em que o Senado romano investiu Otaviano – o futuro Augusto – no poder supremo da República, outorgando-lhe o titulo de Princeps, isto é, o Primeiro da República, até 285, quando, com Diocleciano, inicia-se o período chamado de “dominato”. Durante esse período manteve-se a aparência de um governo republicano, mas na realidade o regime já era imperial.

Obrigado, PEDRO. Vamos ouvir o Prof. George

Pois é. No início desse período, algumas áreas da jurisdição civil e criminal continuaram com os magistrados republicanos tradicionais, mas outras foram desde logo transferidas para as autoridades imperiais. Com o correr do tempo, as autoridades imperiais suplantaram por completo as antigas magistraturas republicanas.

Quer dizer que, durante certo tempo, conviveram o procedimento formulário, a extraordinária cognitio e as questiones perpetuae?

Exatamente.

Prossigo.

O Senado passou a ter competência originária para processar e julgar certos crimes de natureza política e casos de abuso de poder praticados por governadores provinciais. Mais tarde, passou a julgar também crimes comuns praticados por senadores. Tornou-se, assim, um foro privilegiado para os crimes por eles praticados.

E qual era o procedimento observado no Senado?

O processo continha um misto de regras dos debates senatoriais e de um procedimento judicial.

Iniciava-se pela acusação formulada por um dos senadores (postulatio), seguida do anuncio formal da acusação (nominis delatio) e do registro do nome do acusado (nominis receptio). No dia designado, eram produzidas as provas e debatida a causa. A decisão era por maioria de votos. Em muitos casos, o imperador apresentava-se no julgamento e, como, príncipe do senado, proferia o primeiro voto, que, bem se pode imaginar, era um voto decisivo.

E no cível, o que mudou?

No cível, ao lado do processo formulário, que se manteve durante algum tempo, surgiu um novo modelo de processo, chamado de extraordinaria cognitio, que se desenvolvia num estágio único, perante um funcionário estatal, dotado de muitos poderes discricionários, tanto no que diz respeito ao processo como no que diz respeito ao direito material. Era uma forma mais simples e conveniente de administração da justiça, que, ademais, atendia aos desígnios imperiais de centralização do poder. Por isso mesmo, desenvolveu-se um elaborado sistema de recursos, cabíveis dos juízes inferiores para os superiores.

Vejo que a apelação é própria de um sistema centralizado, um meio de concentração do poder.

Essas mudanças ocorreram primeiro em Roma?

Pelo contrario.

Esse modelo de processo já vinha sendo praticado nas províncias, nos últimos anos do período republicano, especialmente em casos criminais. O governador, ele próprio ou um delegado seu (juiz pedâneo), processava e julgava as causas sem observância do procedimento ordinário romano. Nas províncias imperiais, esse modelo passou a ser o único desde a época de Augusto, sob a direção de representantes do imperador (legati augusti pro praetore). No final do século terceiro, era o modelo único na própria Roma e no império inteiro.

Em Roma, o novo modelo começou a ser praticado quando o Imperador, mediante provocação ou por iniciativa própria (evocatio) determinava a transferência de uma causa da jurisdição ordinária para a sua própria, extraordinária.

Era o próprio imperador quem julgava?

O processo tanto podia ser presidido pelo próprio imperador, assessorado por juristas, quanto por alguma outra autoridade designada, como o praetor de liberalibus causis, o praetor tutelarius, o praetor fideicomissarius, o praefectus pretório, o praefectus urbis, o praefectus annonae, o praefectus vigilum e os procuradores do fisco.

Das apelações, o Imperador conhecia, querendo.

E qual era o procedimento da extraordinária cognitio?

Iniciava-se o processo pela demanda (libellus conventionis). O réu era citado por ordem do juiz (denuntiatio ex auctoritate). Era fixada uma data, não inferior a 20 dias da data da citação, para o comparecimento das partes, que se podiam fazer representar por advogado. Eram em seguida apresentados os documentos e ouvidas as testemunhas. Seguia-se o debate oral da causa e a sentença.

Ao passo que, no modelo anterior do processo formulário, a decisão do juiz era final e definitiva, no novo sistema, quando se tratava de jurisdição delegada, as decisões tornaram-se apeláveis, em virtude do próprio fato da delegação.

Não havendo apelação, a sentença devia ser cumprida no período fixado, não inferior a 4 meses. Na falta de cumprimento, procedia-se à execução, que tanto podia recair nos bens do devedor quanto em sua própria pessoa, caso em que ele era recolhido a uma prisão pública.

E no crime?

No crime, o novo modelo de processo substituiu o das questiones perpetuae. No exercício da jurisdição penal, o juiz imperador podia livremente escolher os seus assessores (consilium). Tinha o poder de declarar o caráter criminoso do fato, bem como o de escolher o modo de punição e seu grau de severidade.

Nas províncias senatoriais, o governador tanto podia julgar em primeiro grau quanto em grau de apelação. O processo era inquisitorial. Da pena de morte podiam apelar apenas os cidadãos romanos.

Nas províncias imperiais, a administração da justiça cabia a representantes do imperador (legati augusti). A esses legados, quando no comando de tropas, os imperadores acabaram por conceder o poder de aplicar e executar a pena de morte, inclusive a soldados que eram cidadãos romanos. Este poder (jus gladii) foi também outorgado aos governadores provinciais, que podiam condenar à morte também os civis.

E quais eram as penas aplicadas?

A pena era aplicada levando-se em consideração a classe social do condenados.

Os honestiores, quando condenados à morte, eram decapitados e, não sendo de morte a pena, sujeitavam-se a deportação, usualmente para uma ilha, ou à proibição de residir em determinado território. Podiam também ser proibidos de exercer função pública ou de pleitear em juízo.

Os humiliores, isto é, os pertencentes às camadas mais baixas da população, quando condenados à morte, eram submetidos a penas cruéis, como a crucificação, o empalamento e a fogueira. Não sendo de morte a pena, submetiam-se a trabalhos forçados em obras públicas, à flagelação, à imposição de marcas com ferro em brasa e à prisão perpétua nas minas (ad mettalla). Empalamento ou empalação era um método de tortura e execução consistente na inserção de uma estaca pelo ânus ou pela vagina.

Quanta barbaridade! A história do processo penal parece uma história da maldade humana!

Bem, minha gente! É hora de terminar! Nosso muito obrigado, Professor George Mousourakis. Esperamos ter ainda outra oportunidade para ouvi-lo.

Foi um prazer conversar com vocês. Até breve!

Fonte

MOUSOURAKIS, George. A legal history of Rome. New York, Routledge, 2007.

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Episódio 30 - A administração da justiça no Principado -      Texto:  José Tesheiner   ...

Editores: 
José Maria Tesheiner
(Prof. Dir. Proc. Civil PUC-RS Aposentado)

Mariângela Guerreiro Milhoranza da Rocha

Advogada e Professora Universitária

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