Episódio 35 - Graciano
Adaptação: | José Tesheiner | |
Narração: | Lessandra Gauer e Gustavo Morgental | |
Apresentação: | Marcelo Bopp Tesheiner | |
Publicação: | 14/08/2014 | |
Duração do episódio: | 11 minutos e 08 segundos | |
Música: | Julians Auftritt, de :Christoph Pronegg, :Klassik - Album 2008 | |
Edição de áudio: | André Luís de Aguiar Tesheiner |
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O Decreto de Graciano no contexto da história do Direito canônico
O episódio de hoje divide-se em três partes: na primeira, retirada de um texto de Cláudia Rosane Roesler, apresenta-se o decreto de Graciano no contexto da história do Direito canônico: na segunda, é apresentado um texto do próprio Graciano, em que ele sustenta a superioridade dos sacerdotes e do Direito Eclesiástico sobre os reis e o Direito secular: na terceira, dá-se notícia do que se sabe a respeito vida de Graciano.
Iniciamos com o texto de Cláudia Rosane Roesler.
De uma maneira geral, pode-se ver a histo?ria do Direito Cano?nico como dividida em duas fases ba?sicas: a do ius antiquum e a do ius novum, cujo marco divisor e? precisamente o Decreto de Graciano. O chamado “direito antigo” e? caracterizado pela dispersividade e pela presenc?a de direitos eclesia?sticos locais diversos e por vezes contrastantes em raza?o de sua pro?pria especificidade. Em contrapartida, o “direito novo” e? identificado por sua tende?ncia a? universalidade das normas e a? sistematizac?a?o (embora relativa para os crite?rios modernos). :
O se?culo XII foi um se?culo extremamente fecundo para a histo?ria do Direito. Nele encontramos os movimentos que determinara?o todo o trabalho juri?dico dos se?culos posteriores ate? a sua superac?a?o pelo Jusracionalismo nos se?culos XVI e XVII. :
Neste momento histo?rico atinge-se uma nova configurac?a?o da própria civilizac?a?o europe?ia. Como resume Vinogradoff, o papado conseguira uma decisiva concentrac?a?o de poder durante o peri?odo de Grego?rio VII: o feudalismo consolidara-se como sistema: os estados normandos apareciam como promessa de uma administrac?a?o estatal eficaz e de organizac?a?o poli?tica: as cidades independentes da Lombardia haviam atingido um nota?vel progresso econo?mico. :
Do ponto de vista do Direito Cano?nico, talvez o mais importante fator de desenvolvimento deste peri?odo seja a luta travada entre a Igreja e o Impe?rio Sacro-Germa?nico. Esta luta de afirmac?a?o da independe?ncia do poder papal, bem como da sua supremacia sobre o poder secular, pode ser entendida como agudizac?a?o de um conflito que nasce como consequ?e?ncia do pro?prio desenvolvimento histo?rico da Igreja desde seus primo?rdios, na medida em que, ao ser reconhecida oficialmente pelo Impe?rio Romano em 313, ela se tornou, de certo modo, curadora do pro?prio Direito Romano, ao mesmo tempo em que criava um novo direito sacro, cuja linha de demarcac?a?o com aquele nunca foi muito clara. :
O Decreto, como reposito?rio dos resultados da luta travada durante os se?culos que o precederam, pode ser entendido como tentativa de harmonizac?a?o e conciliac?a?o doutrina?ria entre as diversas forc?as que existiam dentro da Igreja em sua e?poca. :
O me?todo seguido por Graciano na?o difere substancialmente daquele peculiar a sua e?poca, derivado do uso dos instrumentos da diale?tica. Ele procura expor o problema, dando-lhe posteriormente soluc?a?o, a partir do exame das contrarietates que nele podem ser encontradas, com base nas auctoritates, escolhendo e justificando sua conclusa?o neste procedimento. :
de harmonizac?a?o e concorda?ncia, cuja importa?ncia se revela ja? no ti?tulo da compilac?a?o, provavelmente atribui?da pelo pro?prio autor: Concordia Discordantium Canonum.A compilac?a?o assim intitulada ja? na Idade Me?dia ficou conhecida como Decretum. :
Apesar de sua importa?ncia, seja como instrumento utilizado pelos Tribunais, seja como texto que servia ao ensino do Direito Cano?nico, o Decreto na?o teve reconhecimento oficial e permaneceu uma colec?a?o privada,ate? ser posteriormente incorporado ao Corpus Iuris Canonici.
 :Nesta segunda parte, apresentamos um texto do próprio Graciano, em que ele sustenta a superioridade dos sacerdotes e do Direito Eclesiástico sobre os reis e o Direito secular. :
As leis do príncipes não se encontram acima das Eclesiásticas, mas a elas se subordinam. Escreveu o Papa Nicolau aos bispos reunidos no Concílio de Convicinum:
C. I - A lei dos imperadores não dissolvem as Eclesiásticas. Não se aplica a lei dos imperadores nas controvérsias eclesiásticas, principalmente se contrariam as normas evangélicas e canônicas. :
Mais:
A lei dos imperadores não é superior à lei de Deus, mas lhe é subordinada. :
§ 1. Para demonstrar isso, bastam os testemunhos de Inocêncio e de Gregório. :
Santo Inocente, em sua epístola ao episcopado de Antioquia, diz:
Quereis saber se duas sedes eclesiásticas devem ser estabelecidas e dois bispos nomeados, quando uma província é dividida em duas por um decreto imperial. Não vedes que a Igreja de Deus não deve conformar-se com as instáveis necessidades mundanas e ajustar-se às divisões que o imperador estabeleceu em razão de suas próprias necessidades? :
E o beato Gregório, escrevendo para a nobre senhora Theotista, disse entre outras coisas:
Se alguém afirma que casamentos podem ser dissolvidos por causa de religião, observa que a lei humana não pode permitir o que a lei divina proíbe. :
§ 2. Não afirmamos que as leis dos imperadores devam ser rejeitadas (das quais a igreja muitas vezes se vale contra heréticos e contra tiranos e que a defendem contra os maus) mas afirmamos que elas não podem ser aplicadas em detrimento dos decretos evangélicos, apostólicos e canônicos, aos quais se devem subordinar. :
C. II – Não é licito ao imperador objetar às regras evangélicas. Disse o Papa Símaco no Sexto Sínodo, ao tempo do imperador Teodorico:
Não é licito ao imperador, nem a qualquer que tenha o dever de custodiar a piedade, atentar contra os mandados divinos, ou fazer qualquer coisa contra as regras do evangelho, dos profetas e dos apóstolos. :
C. III – Nas causas eclesiásticas, a vontade do rei não deve ser preferida à dos sacerdotes. :
Disse o Papa Felix:
 :É certo que, nos vossos afazeres, a salvação exige que, quando tratando dos afazeres de Deus, deveis tomar o cuidado de que a vontade dos reis seja subordinada e não superior à dos sacerdotes de Cristo: as coisas sacrossantas devem eles aprender dos bispos e não ensinar-lhes: é necessário que sigais a forma eclesiástica, não a colocando abaixo das leis humanas. Deus quer que abaixeis a cabeça em pia devolução. De outro modo, ultrapassando as fronteiras das disposições celestiais, insultar-se-á quem as estabeleceu.
 :C. IV – As leis não podem contrariar os costumes e decretos dos pontífices romanos. :
São nulas as leis contrarias aos cânones e aos bons costumes. :
Disse o Papa Nicolau, em epístola ao imperador Miguel, que se inicia com a palavra “Estabelecemos”. :
Vosso império deve estar restringir-se à administração das coisas públicas e quotidianas, sem usurpar aquilo que somente aos sacerdotes compete. :
C. VI – Os tribunais dos reis submetem-se à potestade sacerdotal. :
Disse Gregório Nazianzeno aos imperadores de Constantinopla ( ) :
Não aceitais a liberdade da palavra? Não admitis livremente que a lei de Cristo vos coloca sob o poder sacerdotal e seus tribunais? A nós foi dado um poder muito mais perfeito que o de vossos principados. :
Não vos parece justo que a carne deva ceder ao espírito e as coisas terrenas às divinas? :
Nesta terceira e última parte, uma notícia sobre o que se sabe da vida de Graciano :
No 14º Congresso Internacional de Direito Canônico Medieval, Anders Winroth, da Universidade de Yale, revelou que Graciano, famoso jurista do século XII, reconhecido por sua compilação da Lei Canônica – o Decretum Gratiani -, tornou-se bispo de Chiusi e morreu em 10 de agosto de 1144 ou 1145. Ele expôs tais descobertas em um artigo intitulado “Onde Graciano Dormiu: A Vida e a Morte do Pai do Direito Canônico', aprovado por historiadores e colegas da Universidade de Toronto, sede do Congresso. :
Winroth reuniu dezenas de fontes para descobrir novos detalhes sobre o homem que lecionou Direito na Universidade de Bolonha.
Uma dessas fontes é um relatório necrológico do século XII, escrito em Siena. O trabalho contém referências a um “Graciano, bispo de Chiusi, morto em 10 de agosto”. :
Winroth acredita que Graciano tenha sido professor em Bolonha por apenas dois anos – tempo em escreveu o seu Decretum – e que logo deixou a posição por um trabalho mais gratificante – o bispado, por volta de 1143. Para a época, uma mudança de carreira consideravelmente comum. No entanto, tudo indica que foi uma carreira de curta duração, já que Chiusi anunciou um novo bispo em 1146. Com base nessa informação, Winroth estabeleceu os anos de 1144 ou 1145 como possíveis datas para o falecimento de Graciano e, de acordo com a tradição italiana, é provável que o jurista tenha sido enterrado na própria catedral de Chiusi.
Fontes
A ESTABILIZAC?A?O DO DIREITO CANO?NICO E O DECRETO DE GRACIANO
Claudia Rosane Roesler
Professora do Curso de Po?s-Graduac?a?o Stricto Sensu em Cie?ncia Juri?dica, da Universidade do Vale do Itajai? – UNIVALI. Doutora em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Sa?o Paulo – USP. Autora do livro Theodor Viehweg e a Cie?ncia do Direito: To?pica, Discurso, Racionalidade. Floriano?polis: Momento Atual, 2003.
Revista Sequ?e?ncia, no 49, p. 9-32, dez. 2004
GRATIAN The treatise on Laws translated by Augustine Thompson, O.P. vith the Ordinary Gloss translated by James Gordley. Washington: The Catholic University of America Press, 1993.
Corpus Júris Canonici, Decretum Gratiani. http://www.documentacatholicaomnia.eu/03d/1139-1150,_Gratianus_de_Clusio,_Concordantiam_Discordantium_Canonum_seu_Decretum_Gratiani_(Friedberg_1879),_LT.pdf. Acesso em 18/04/2014.
http://www.dhi.uem.br/leam/index.php/noticias/103-graciano-qpaiq-do-direito-canonico-medieval-teria-sido-um-bispo- Acesso em 19/04/2014