22.09.14 | José Tesheiner Série História do Processo Judicial

Episódio 44 - Primeiras Linhas de Processo Civil 1 – Do processo em geral

Texto:José Caetano Pereira e Sousa e José Tesheiner

Apresentação:Bruno Jardim Tesheiner e Júlio Jardim Tesheiner

Narração:José Tesheiner e Sophia Salerno Peres

Duração do episódio: 13 minutos e 09 segundos

Música:Julians Auftritt, de Christoph Pronegg, Klassik - Album 2008:Siciliana, de Schumann, por :Marco Tezza

Edição de áudio:André Luís de Aguiar Tesheiner

Ouça o podcast pelo próprio site, clicando no ícone acima. :

Para baixar o arquivo em seu computador, clique com o botão direito em cima do link e escolha [salvar link como] ou [salvar destino como].

Comentários às Primeiras Linhas de José Joaquim Caetano Pereira e Sousa :

Iniciamos a leitura das Primeiras Linhas de José Joaquim Pereira e Sousa, como que numa conversa entre interlocutores separados por 200 anos.

Comentando as Primeiras Linhas sobre o processo civil, começamos, hoje, como que um dialogo de processualistas separados por 200 anos de História. (A primeira edição das Primeiras Linhas parece ser de 1818. Ver:https://archive.org/search.php?query=creator%3A%22Souza%2C+Joaquim+José+Caetano+Pereira+e%2C+d.+1818%22).

Nosso tema de hoje é “Do processo em geral”.

Diz o Autor:

Processo é a forma estabelecida pelas Leis para se tratarem as causas em juízo.

Aqui, não há que divergir. A Lei estabelece o modo pelo qual se devem tratar as causas em juízo e isto é o processo, embora algum talvez prefira dizer que isto é o procedimento, preferindo conceituar processo como relação jurídica entre o o autor, o juiz e o réu.

Juízo é a legítima discussão entre as partes litigantes acerca dos seus direitos, feita por autoridade pública.

Aqui, o Autor faz clara alusão à relação jurídica processual e ao princípio do contraditório. Menciona a autoridade pública, o juiz, e as partes litigantes e menciona a discussão entre as partes litigantes que, diz o Autor, é feita pelo juiz, a deixar claro que o juiz participa do contraditório que, pois, não se resume a uma discussão entre as partes. Trata-se de uma discussão “legítima”, porque regulada por lei.

O fim do juízo é a indagação da verdade, e a administração da Justiça.

Aqui uma primeira divergência. Não creio que se possa afirmar que o juízo ou processo tenha por finalidade a indagação da verdade: tampouco, que tenha por fim a administração da Justiça. A verdade é procurada, quando muito, como instrumento ou meio para o exercício da jurisdição. E nem isso ocorre sempre. Não raro, o processo é a arte de ignorar, como ocorre, por exemplo, quando se deixa de considerar prova verdadeira, mas obtida ilicitamente. Nem se pode dizer que o processo vise à administração da justiça. Creio mais exato dizer-se que busca pôr fim aos conflitos.

Não creio, porém, que haja aqui uma divergência real. Jose Joaquim Caetano Pereira de Sousa foi advogado, e advogado da Casa da Suplicação e, como todo advogado, deve ter visto muitas vezes o triunfo da mentira e da injustiça. Sua afirmação de que o fim do juízo é a indagação da verdade, e a administração da justiça, não deve ser ouvida senão como manifestação de um desejo e não como constatação de uma realidade.

Foro é o lugar onde se tratam as causas, e se exerce o juízo.

Sim, foro é o lugar, a sede do juízo. Mas, como observa Eduardo Arruda Alvim, foro indica também “o território dentro do qual se exerce a jurisdição”. (ALVIM, Eduardo Arruda. Direito Processual Civil. 3. Ed. São Paulo, Revista dos Tribuanis, 2010. p. 87)..

Causa se diz a questão agitada entre as partes perante o juiz.

Sim, nesse sentido o artigo 285 do Código de Processo Civil estabelece que se observará o procedimento sumaríssimo nas causas cujo valor não exceda a 60 vezes o salário mínimo, bem como nas causas indicadas em seu inciso segundo.

As pessoas que constituem o juízo são principais, ou secundárias. Aquelas são o juiz, o autor, o réu, estas são o assessor, o advogado, o procurador, o defensor, o escusador, o assistente, o opoente, o escrivão.

No que diz respeito às pessoas principais, continua-se a considerar que são o juiz, o autor e o réu.

Entre as pessoas secundárias, o Autor aponta o escusador, figura desconhecida no Direito atual e que exige uma explicação.

Escusador se diz o que vem defender o réu em juízo por não comparecer. O escusador difere do defensor em que este vem a juízo sem procuração: mas o Escusador deve trazer procuração do Réu.

Sobrevém então outra pergunta: tendo o escusador procuração do réu para defendê-lo, em que se distinguia do procurador?

Deixamos em aberto essa questão e prosseguimos observando que entre as pessoas secundárias do juízo há muita disparidade: o assessor e o escrivão são auxiliares do juiz: o advogado, o procurador e o defensor são auxiliares da parte: já o assistente e o opoente atuam por direito próprio. Podem, não obstante, ser havidos como sujeitos secundários porque intervêm no processo quando este já se encontra pendente.

O processo em razão de seu fim é civil, ou criminal, em razão de sua causa eficiente é Eclesiástico, ou secular, em razão da sua forma é ordinária, ou sumario.

Aqui encontramos a primeira diferença marcante: a referência ao processo eclesiástico, relativo às causas eclesiásticas. A Igreja Católica havia exercido grande influência em Portugal e no Brasil. De então para cá, o Estado laicizou-se e, hoje, a Igreja Católica não é, dentro do Estado, senão uma religião dentre outras.

Escrevia o cardeal Consalvi em 1815 que Noé, ao sair da arca depois do dilúvio, não havia encontrado o mundo mais transformado do que um homem do século XVIII lançado para o novo século que se inaugurava em 1800. Acabara uma fase da história, uma civilização, que durante séculos tinha servido de suporte ao edifício religioso da Igreja. Surgia agora uma sociedade nova das ruínas deixadas pelo passado. E perguntava qual o lugar que a Igreja de Cristo passaria a ocupar nesse novo espaço. ( RODRIGUES, Manuel Augusto. Problemática religiosa em Portugal no século XIX, no contexto europeu. Análise Social, v. XVI (61-62), 1980-1. 1o e 2o, 407-428)

A Revolução na Europa tinha assumido uma dimensão anticatólica. Assistira-se também a uma revolução econômica e social. Com a Revolução Francesa acabara a antiga sociedade aristocrática, que defendia a origem divina do poder. Surgia agora uma sociedade de cariz utiitarista, que assentava na importância do lucro. As próprias bases do pensamento eram afetadas. Rejeitada a filosofia aristotélica e até os sistemas de Descarte e de Spinoza, começam agora a dominar os de Kant, Hegel, Feuerbach e Comte, com tudo o que de profundo e revolucionário havia para a filosofia tomista tradicional. (RODRIGUES, Manuel Augusto. Problemática religiosa em Portugal no século XIX, no contexto europeu. Análise Social, v. XVI (61-62), 1980-1. 1o e 2o, 407-428.

De toda essa transformação, a doutrina processual não nos apresenta senão alguns poucos indícios.

A forma dos juízos é de direito público, e não pode alterar-se pela vontade das partes.

Tanto ontem quanto hoje, o processo é público, ainda quando versando sobre questões privadas.

O processo ordinário compõe-se de seus atos preparativos, médios, e posteriores. Os preparativos são a citação, o libelo, a exceção, a reconvenção, a contrariedade, a réplica, a tréplica, a oposição, a autoria, as cauções: os médios são a litiscontestação, a dilação, as provas, a publicação, as alegações, a conclusão: os posteriores são a sentença, os embargos, a apelação, o agravo, a revista, a execução.

Não diríamos que o libelo ou a petição inicial, assim como os demais atos indicados pelo Autor são preparatórios do processo. Eles integram o processo. São atos dos processo. Pode-se concordar com o Autor entendendo-se como preparativos os atos iniciais do processo.

Entre os atos médios o Autor aponta a litiscontestação, definida como a legítima contradição feita entre as partes litigantes, pela qual o Juiz começa a conhecer da questão perante ele proposta. Em outras palavras, a litiscontestação era constituída pelas questões real ou presumidamente controvertidas que o juiz haveria de resolver na sentença.

Entre os atos posteriores, o Autor aponta a sentença. Para o Autor, dividia-se, pois o processo em três fases: a postulatória, a da instrução e a decisória, nesta incluída a execução.

Vê-se, aí, o vai e vem da doutrina processual: a execução era considerada parte do processo: passou depois a constituir um novo processo: volta-se agora a considerá-la como uma nova fase do processo.

Pois é. Há duzentos anos, em 1814, enquanto, no Brasil, um escusador apresentava-se em juízo para defender um réu que não pudera comparecer, realiza-se na capital da Áustria o “Congresso de Viena”, com o objetivo de redesenhar o mapa político da Europa, após as guerras napoleônicas.

Compartilhe esta notícia:
Episódio 44 - Primeiras Linhas de Processo Civil 1 – Do processo em geral -   Texto:José Caetano Pereira e Sousa e José Tesheiner Apresentação:Bruno Jardim Tesheiner e...

Editores: 
José Maria Tesheiner
(Prof. Dir. Proc. Civil PUC-RS Aposentado)

Mariângela Guerreiro Milhoranza da Rocha

Advogada e Professora Universitária

ACESSE NOSSAS REDES

Excelência em conteúdo jurídico desde o ano de 2000 | ISSN 1981-1578