Episódio 45: Primeiras Linhas de Processo Civil. 2 – Do juiz, do assessor e do escrivão

Texto:José Caetano Pereira e Sousa e José Tesheiner

Apresentação:Bruno Jardim Tesheiner e Júlio Jardim Tesheiner

Narração:José Tesheiner e Sophia Salerno Peres

Duração do episódio:13 minutos e 08 segundos

Música:Julians Auftritt, de Christoph Pronegg, Klassik - Album 2008:Siciliana, de Schumann, por Marco Tezza

Edição de áudio:André Luís de Aguiar Tesheiner

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Comentários às Primeiras Linhas de José Joaquim Caetano Pereira e Sousa :

Continuamos a leitura das Primeiras Linhas de José Joaquim Pereira e Sousa, como que numa conversa entre interlocutores separados por 200 anos.

Do juiz

Juiz se diz a pessoa constituída por autoridade pública para administrar justiça.

Justiça, aqui, designa o poder de fazer direito a cada um, ou a administração deste poder. Uma das mais importantes, e honrosas funções de que o homem pode ser encarregado é sem dúvida a de fazer justiça aos seus semelhantes. Não basta porém que o juiz tenha as qualidades requeridas pelas leis para julgar, e fazer justiça: é também necessário que obtenha do Soberano a jurisdição.

No que se refere ao sistema colonial brasileiro, afirma Delton Meirelles que se previa, então uma organização judicial com divisão em instancias. Povoações com população entre vinte e cinqüenta habitantes, que não constituíam um município, dispunham de um juiz de vintena, escolhido entre os moradores do lugar pela Câmara Municipal mais próxima. Municípios maiores possuíam juízes ordinários, eleitos pela sua própria Câmara. Até mesmo pelo escasso numero de bacharéis, pois não havia ensino superior na colônia brasileira, esses juízos não eram letrados. Em oposição aos juízes honorários eleitos pela comunidade colonial, as Ordenações previam juízes de fora, letrados e de nomeação régia. Nos séculos XVII e VIII, os juízes da esmagadora maioria dos Conselhos eram honorários. (http://anpuh.org/anais/wp-content/uploads/mp/pdf/ANPUH.S25.0982.pdf. Acesso em 16/06/2014).

Entre nós o Juiz: I, deve ser natural deste Reino: II, exceder a idade de vinte e cinco anos: III: ser graduado pela Universidade: IV, ter exercido o foro.

O Autor refere-se aí aos juízes de fora, porque os juízes de vintena e os ordinários não eram letrados.

Não pode ser juiz: I, o mudo, e o surdo: II, o furioso: III, a mulher: IV, o cego: V, o infame.

Do juiz cego, surdo ou mudo, pouco há que se dizer.

Tampouco da mulher que, na época, era dependente ou do pai ou do marido.

Furioso era o louco.

Infame o que havia praticado crime infamante.

Em “Do Delito e das Penas”, dizia Cesare Beccaria (1764) que a infâmia é um sinal de reprovação pública, privando o culpado da consideração, da confiança que a sociedade tinha nele e dessa espécie de fraternidade que une os cidadãos de um mesmo pais.

É proibido ao Juiz: I, injuriar os litigantes: II, advogar por algum deles: III, ou responder às suas cartas: IV, descobrir o segredo da Justiça: V, dar a sentença por peitas: VI, e julgar na própria causa.

Entendemos facilmente que ao juiz era vedado injuriar os litigantes, advogar por um deles, revelar as informações que obteve em segredo de justiça, receber suborno e julgar na própria causa. Tenho alguma dificuldade em entender por que lhe era vedado responder às cartas de algum litigante. Imagino que seja porque o juiz deve responder às questões postas pelas partes, mas nos autos.

É dever do juiz: I, julgar as causas pelas leis e costumes recebidos, e segundo o alegado, e provado: II, suprir o que é de direito: III, ordenar o processo para o fim da indagação da verdade, e da administração da justiça: IV, decidir pela verdade sabida, não obstante o erro do processo.

A regra de que o juiz devia decidir o processo pela verdade sabida, não obstante o erro do processo, implicava em que, estando a sentença conforme a verdade, o processo não seria anulado, ainda que mal ordenado, ou errado ou que houvesse faltado alguma solenidade. Expressava, em suma, a idéia de que não se decretaria nulidade, se dela não tivesse resultado prejuízo para a descoberta da verdade.

Assessor se diz o jurisconsulto que assiste ao juiz leigo para o aconselhar de direito, e o instruir sobre o modo de decidir a causa.

A critica que se fazia aos juízes leigos era a ausência de conhecimentos técnicos, com uma clara opção pela técnica em confronto com a legitimidade. A solução encontrada foi a utilização de bacharéis como assessores dos juízes leigos. Ensinava Lobão que “o assessor não é verdadeiramente juiz nem tem jurisdição: mas o juiz leigo não deve decidir, com especialidade as questões mais graves, sem o seu conselho e intervenção” (Delton R. S. Meirelles Os juízes leigos na experiência regencial ‘republicana’(1832/1841)

http://anpuh.org/anais/wp-content/uploads/mp/pdf/ANPUH.S25.0982.pdf. Acesso em 23/06/2014.).

Pode o juiz leigo escolher o seu assessor, mas este deve ser graduado em uma das Faculdades jurídicas e deve ser pessoa de boa fama.

O juiz podia ser leigo, mas o assessor do juiz havia de ser formado em algum dos cursos jurídicos.

É dever do assessor explicar ao juiz leigo o que é de direito, e conhecer da causa decidido-a juntamente com o mesmo juiz.

Neste passo, atribui-se ao assessor do juiz leigo uma função maior do que a mera assessoria, qual a de decidir a causa juntamente com o juiz.

Não pode o assessor receber salário algum das partes.

Sendo o assessor, de algum modo, também ele juiz, era necessário que se resguardasse sua imparcialidade, motivo por que se lhe vedava o recebimento de valores de qualquer das partes.

Se o juiz leigo julga mal a causa, não ele, mas o assessor é quem deve ser punido.

Esta regra reforçava a posição do assessor, pois o juiz não seria punido, suposto que seguisse os seus conselhos.

Escrivão é o oficial legitimamente constituído para organizar o processo, e escrever todos os atos do juízo.

Escrivão, diz hoje Eduardo Arruda Alvim, é o auxiliar da justiça ao qual incumbe dar andamento ao processo, redigindo ofícios, promovendo citações, etc., bem como documentar os atos praticados no processo. (Eduardo Arruda Alvim. Direito Processual Civil. 3. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 81).

Não podem ser escrivães: I, o menor de vinte e cinco anos: II, o furioso: III, o demente: IV, o pródigo, a quem foi proibida a administração de seus bens: V, a mulher: VI, o infame.

Adquiria-se a maioridade aos 25 anos. Furioso e demente indicavam diferentes graus de loucura. Do pródigo e do infame já falamos. Quanto à mulher, não tinha o que fazer no foro. Suas incumbências eram todas no lar.

Deve o escrivão ser ajuramentado. Deve ser entendido, expedito, e exato. Deve guardar os processos para deles dar conta a todo o tempo.

A tradição de um juramento, antes de se assumir um cargo, permanece.

Deve o escrivão servir por si o seu ofício, e não pode servir dois ofícios diversos ao mesmo tempo.

Diziam as Ordenações: Pelos muitos inconvenientes, que se seguem de os oficiais não servirem seus ofícios por si, e os arrendarem e servirem por outrem, mandamos a todos os oficiais de nossos reinos e senhorios, assim da justiça, como da Fazenda, e escrivães de nossa Câmara que sirvam por si seus ofícios, e não ponham outras pessoas, que por eles os sirvam. E qualquer oficial, que puser outrem, perca o ofício, para o darmos a quem for nossa mercê. (Liv. I, Tít. 97).

O escrivão é dependente do juízo, e não deve escrever coisa alguma no processo sem que o juiz lh’o mande.

Era o escrivão um auxiliar do juízo, como se vê, sem nenhuma autonomia.

Não deve o escrivão aceitar algum depósito. Não deve receber maior salário, do que aquele que lhe está taxado. Não deve escrever em autos que não lhe foram distribuídos, havendo mais escrivães no juízo. Não deve intrometer-se no ofício alheio.

Salário, então, não significava como agora a contraprestação em dinheiro devida pelo empregador ao empregado. Significava os emolumentos pagos pelas partes em função dos atos praticados. Só recentemente passou o Estado a remunerar ele próprio os escrivães dos cartórios judiciais.

Tem o escrivão fé, e autoridade pública nas coisas que pertencem ao seu ofício.

Havia atos que deviam ser necessariamente subscritos pelas partes. Quanto aos demais, estabeleciam as Ordenações que lhes deveriam ser dada tanta fé, como se fossem assinados pelas partes, ainda que por elas não fossem assinados (Livro I, Tit. 24, § 21).

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Editores: 
José Maria Tesheiner
(Prof. Dir. Proc. Civil PUC-RS Aposentado)

Mariângela Guerreiro Milhoranza da Rocha

Advogada e Professora Universitária

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Excelência em conteúdo jurídico desde o ano de 2000 | ISSN 1981-1578