Episódio 46: Primeiras Linhas de Processo Civil. 3 – Da jurisdição

Texto:José Caetano Pereira e Sousa e José Tesheiner

Apresentação:Bruno Jardim Tesheiner e Júlio Jardim Tesheiner

Narração:José Tesheiner e Sophia Salerno Peres

Duração do episódio: 11 minutos e 45 segundos

Música:Julians Auftritt, de Christoph Pronegg, Klassik - Album 2008:Siciliana, de Schumann, por Marco Tezza

Edição de áudio:André Luís de Aguiar Tesheiner

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Comentários às Primeiras Linhas de José Joaquim Caetano Pereira e Sousa :

Continuamos a leitura das Primeiras Linhas de Processo Civil, de José Joaquim Pereira e Sousa, como que numa conversa entre interlocutores separados por 2 séculos.

Diz José Joaquim Pereira e Sousa:

Jurisdição é o poder que compete ao Magistrado de fazer justiça.

Pode-se definir jurisdição como a atividade do Estado que no curso da História veio a substituir a tutela privada. Compreende não apenas o poder de dizer o direito no caso concreto,mas também o de realizá-lo coativamente.

Divide-se a jurisdição: I, em secular e eclesiástica: II, em ordinária e extraordinária: IV, em própria e delegada: V, em superior e subalterna: VI, em civil e criminal.

Dessas categorias, restam hoje a civil e criminal: a superior e inferior. Já não se cogita, no Estado moderno, da jurisdição eclesiástica, ainda que continue a existir um Direito canônico e tribunais eclesiásticos. Contudo, deve o Estado respeitar as normas próprias da Igreja, pois, o Estado deve respeito às normas jurídicas de outras ordens jurídicas positivas.

Juiz da comarca de : Viamão : (RS), proferiu decisão, determinando, a : um padre católico, que realizasse casamento de pessoa casada : e, pior, invocando o Código Canônico. Disse:

Há notícia nos autos de que a separação judicial concluída é passível de ser aceita para fins de implemento dos requisitos estabelecidos pela Igreja e, havendo processo tramitando, a demora na conclusão deste não pode ser oponível ao requerente de modo a lhe trazer prejuízo. Outrossim, já há cerimônia marcada e o deferimento da celebração ao final causará prejuízo irreparável à parte. Ainda, na analogia ao : Cân. 1085 § 2, estando o :  : requerente separado na esfera fática, faz jus à contratação de novas núpcias. Nesta perspectiva, defiro a liminar autorizando o requerente a casar-se e determinando à parte ré realize a cerimônia, pena de multa de R$ 5.000,00”.

Essa ordem foi cassada por agravo de instrumento, ao qual desde logo se atribuiu efeito suspensivo.

Mas a história não terminou aí. Havendo o bispo Dom Dadeus criticado o “procedimento extravagante e sem precedentes adotado pelo juiz”, e publicado texto com adjetivos como “supino”, “ignorante” e “crassa”, veio a sofrer condenação por dano moral, no valor de 70 (setenta) salários mínimos, por haver excedido “o vernáculo aceitável para a consideração crítica a que o Judiciário não pode, naturalmente, se arvorar infenso”.

 : (http://www.tex.pro.br/home/artigos/109-artigos-set-2004/5154-sobre-os-limites-da-jurisdicao-e-a-condenacao-de-dom-dadeus. Acesso em 18/06/2014).

Jurisdição secular é aquela que se deriva do poder do soberano, e tem por objeto o temporal. Eclesiástica é a que traz origem do poder que Jesus Cristo deixou à sua Igreja, e propriamente só se exerce sobre o espiritual.

Observa Felipe de Moraes Ferreira que, ao longo do século XVIII, o Estado português buscava controlar ou ter um maior domínio do espaço, ou seja, buscava centralizar seu Império construindo e definindo novos espaços territoriais e políticos através de uma política mais racionalizada e com um princípio do bem-estar da população. A Coroa encontrava grandes dificuldades na aplicac?a?o da sua nova poli?tica governamental, porque entrava em confronto com elites locais e com a Igreja, que detinham grande influe?ncia nas deciso?es reais. Em documento anônimo pertencente aos fundos Papéis do Brasil, escrito por um juiz da Junta da Fazenda Real de Minas Gerais, percebe-se o conflito constante que havia entre a Coroa, as Elites locais e o Clero.

(Felipe de Moraes Ferreira. Conflitos de jurisdição: as esferas de poder na America Portuguesa.

http://www.encontro2012.mg.anpuh.org/resources/anais/24/1340760820_ARQUIVO_ConflitosdeJurisdicao_asesferasdepodernaAmericaPortuguesa.pdf)

A jurisdição voluntária é a que se exerce sobre os objetos em que não há contestação entre partes. A contenciosa é a que se exerce sobre objetos que as partes contestam entre si.

O Autor parece distinguir jurisdição contenciosa e jurisdição voluntária a partir da existência ou inexistência de controvérsia entre as partes. Mais recentemente, porém, observou-se que pode, de fato, inexistir controvérsia em processo contencioso e existir controvérsia em processo de jurisdição voluntária. De um modo mais exato, pode-se fazer a distinção a partir da existência ou inexistência de lide, no sentido carneluttiano de conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida. Em um livro intitulado “Jurisdição voluntaria”, publicado há alguns anos, concluí que a jurisdição contenciosa vincula-se à afirmação da existência de direitos subjetivos, trate-se de direitos subjetivos a uma prestação, trate-se de direitos formativos, donde a existência também de partes em sentido material, isto é, de uma relação intersubjetiva que deverá ser regulada pela sentença. Na jurisdição voluntária, não se trata de tutelar direitos subjetivos, mas de proteger interesses por lei considerados merecedores de proteção judicial. Não há conflito de interesses, mas um interesse único a ser considerado, podendo, todavia, haver controvérsia entre os interessados sobre a melhor forma de protegê-lo.

Uma outra forma bastante feliz é a de caracterizar a jurisdição voluntária como administração pública de interesses privados, fórmula preconizada por José Frederico Marques em monografia sobre o tema.

A jurisdição ordinária é aquela a que compete o conhecimento de todos os negócios que não estão incumbidos especialmente a outro tribunal, ou magistrado. A extraordinária é a que é facultada somente para conhecer de negócios de certa natureza.

Hoje se diria que a competência pode ser geral ou especial, sendo geral a do juízo ao qual compete conhecer de qualquer ação que não caiba especialmente a outro juízo ou tribunal.

A jurisdição própria é aquela que ao magistrado compete em razão do seu cargo. A delegada é a que é cometida pelo imperante, ou por um tribunal superior para conhecer, e julgar algumas causas.

Em princípio, a jurisdição é indelegável. Pode-se, porém, apontar como exceção a possibilidade expressa de o Supremo Tribunal Federal, na execução de sentença nas causas de sua competência originária, delegar atribuições para a prática de atos processuais(Const. art. 102, I, m).

A jurisdição superior é a que está estabelecida sobre outra para reformar as suas decisões quando as reconhece injustas. A inferior é a que tem outra superior para quem dela se recorre.

É hierárquica a organização judiciária, havendo, órgãos superiores competentes para julgar os recursos interpostos das decisões dos inferiores.

A jurisdição civil é a que conhece de negócios civis, e que tendem ao interesse das partes. A jurisdição criminal é a que se exerce a respeito dos crimes.

Essa divisão entre a jurisdição civil e a penal permanece incólume, ainda que se possa acrescentar a trabalhista, a militar e a eleitoral.

(Diz Eduardo Arruda Alvim: ... aquilo que não cabe na competência das jurisdições especializadas (trabalhista, eleitoral e militar), será da atribuição da jurisdição ordinária ou comum, se não couber na jurisdição penal. ALVIM, Eduardo Arruda. Direito processual civil. 3. ed. São Paulo: RT, 2010. P.44).

A ordem das jurisdições é de direito público, e não pode ser invertida pelos particulares, nem ainda pelos juízes.

A lição permanece. Ainda quando verse sobre direitos privados, o processo é público e cogentes as normas processuais, sendo excepcionais, no Direito processual, normas dispositivas, abrindo espaço para a vontade das partes.

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Editores: 
José Maria Tesheiner
(Prof. Dir. Proc. Civil PUC-RS Aposentado)

Mariângela Guerreiro Milhoranza da Rocha

Advogada e Professora Universitária

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