Episódio 47: Primeiras Linhas de Processo Civil. 4 – Da competencia
Texto:José Caetano Pereira e Sousa e José Tesheiner
Apresentação:Bruno Jardim Tesheiner e Júlio Jardim Tesheiner
Narração:José Tesheiner e Sophia Salerno Peres
Duração do episódio: 12 minutos e 23 segundos
Música:Julians Auftritt, de Christoph Pronegg, Klassik - Album 2008:Siciliana, de Schumann, por Marco Tezza
Edição de áudio:André Luís de Aguiar Tesheiner
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Comentários às Primeiras Linhas de José Joaquim Caetano Pereira e Sousa :
Continuamos a leitura das Primeiras Linhas de José Joaquim Pereira e Sousa, como que numa conversa entre interlocutores separados por 200 anos.
Diz José Joaquim Pereira e Sousa:
Competência é o direito que pertence a um juiz de tomar conhecimento de algum negócio, e de compelir o réu a responder perante ele.
Na doutrina atual, competência é geralmente definida como “medida da jurisdição, havida esta como una e indivisível. Segundo Humberto Dalla Bernardina de Pinho, afigura-se mais apropriado referir-se ao instituto como os limites em que cada órgão jurisdicional exerce, de forma legítima, a jurisdição conferida ao Estado.
(PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Teoria geral do processo civil contemporâneo. 3. Ed. Rio de Janeiro: Lumens Júris, 2010. p. 133).
Em regra o réu deve ser demandado perante o seu juiz competente. O réu porém pode ser sujeito a competência de um juiz, ou por direito comum, ou por direito particular, isto é, por algum privilégio.
Quer dizer: o réu pode estar sujeito à jurisdição de um juiz tanto por incidência de uma regra geral quanto de uma regra especial.
A competência de direito comum, ou é geral, e se estende a todas as espécies de causas, ou é especial, e se restringe a certas matérias.
Quer dizer: a competência geral abrange todas as causas não excepcionadas por uma regra especial.
A competência geral nasce do domicílio, a especial é relativa: I, ao contrato: II, ao delito: III. À situação da coisa demandada: 4: à conexão do negócio, à prorrogação da jurisdição.
Ontem como hoje, a regra geral é que o réu seja demandado no foro do seu domicílio, havendo, porém, regras especiais fixando a competência em função do local em que ocorreu certo ato ou fato.
A conexão e a prorrogação da competência são hoje havidas como causas de modificação da competência.
O foro do privilégio compete por direito particular. Este privilégio, ou é em razão da causa, ou da pessoa. São causas privilegiadas: I, as Eclesiásticas: II, as da almotaçaria: III, as fiscais: IV as do comércio marítimo: V, as de aposentadoria: VI, as da cidade de Lisboa: VII, as do protomedicato: VIII, as dos falidos, IX, de contrabandos: X, de falsidade: XI as da misericórdia: XII, e do Hospital de Lisboa: XIII, as de erros de ofício, XIV, e de custas. XV, as da inspeção: XVI, as das capelas, e resíduos.
Mencionam-se, aqui, as causas subtraídas à jurisdição ordinária, a começar pelas eclesiásticas.
Eram causas eclesiásticas às relativas a matérias de natureza espiritual. Em virtude da jurisdição espiritual que lhe competia, a Igreja não podia fazer-se obedecer senão por censuras. Não tinha poder coativo, necessitando do auxílio do braço secular para executar as suas sentenças .
(J. J. Caetano Pereira de Sousa, p. 11, nota 30).
Sobre as causas da competência dos almotacés, diz Magnus Roberto de Mello Pereira.
As atribuições básicas dos almotacés diziam respeito ao controle do mercado, das edificações e da higiene nas vilas e cidades.
A partir da noção de que o mercado devia ser pautado pela moralidade e que o preço das mercadorias devia ser justo, era função dos almotacés garantir a qualidade da produção, impedir fraudes, tabelar preços, evitar monopólios e intermediações que encarecessem os produtos, estabelecer acordos com fornecedores ou mesmo racionar alimentos, quando necessário.
Em suas periódicas correições pela vila, os almotacés verificavam se todas as casas comerciais e oficinas de artesãos tinham a competente licença de funcionamento, se os pesos e medidas estavam corretamente aferidos e se o tabelamento imposto ao comércio era obedecido. Aos que infringissem os preceitos: multas, discursos moralizantes e até mesmo prisão.
Antes de sair em correição, os almotacés apregoavam que os comerciantes deveriam ter suas licenças preparadas e mais escritos de Almotaçarias e aferições cada um com suas portas varridas e asseadas.
Tinham o cuidado de verificar o estado de limpeza das ruas em frente aos estabelecimentos comerciais e artesanais. Não era incomum que os comerciantes fossem multados por não terem varrido as ruas.
Coordenavam, ainda, a escavação de valos para o escoamento de água ou a dessecação dos charcos existentes no interior da vila ou em suas imediações.
No que diz respeito às construções a atuação mais constante consistia em organizar a construção e manutenção de pontes, a pavimentação das ruas, e em multar os proprietários que não mantinham adequadamente os seus imóveis.
(Magnus Roberto de Mello Pereira. Revista Brasileira de História On-line version ISSN 1806-9347?Rev. bras. Hist. vol.21 no.42 São Paulo 2001 http://dx.doi.org/10.1590/S0102-01882001000300006).
Eram também subtraídas à jurisdição ordinária as causas fiscais, as do comércio marítimo e as de aposentadoria.
Aposentadoria não tinha então o sentido atual, situação de quem tem rendimentos depois de parar de trabalhar, mas vinculava-se à idéia de aposento, lugar onde morar. O aposentador era o encarregado de conseguir aposentos para as autoridades. Lê-se nas Ordenações Filipinas: “E quando por algum caso mandarmos, que a Casa da Suplicação se mude da cidade de Lisboa para alguma outra parte, mandará aposentar os Oficiais da Casa por um Escrivão, que irá diante fazer o aposento, como o faz nosso Aposentador” (Liv. I, Tit. I, 47).
Na cidade de Penedo, em Alagoas, a Prefeitura Municipal está sediada na “Casa de Aposentadoria Nova”, criada no final do século XVIII para os Ouvidores manterem-se hospedados, substituindo as acomodações que existiam no 1o andar do prédio, a “Casa de Aposentadoria Velha
 : : : : : Localizada defronte à Igreja Matriz de Nossa Senhora do Rosário (Catedral Diocesana de Penedo), o sobrado somente abria suas portas quando chegavam os Ouvidores.
 : : : : O 1º Juiz de Fora de Penedo, o Dr. LUIZ ANTÔNIO BARBOSA DE OLIVEIRA, nomeado em julho de 1818, foi um dos primeiros ocupantes da referida edificação.
(http://sipealpenedo.wordpress.com/monumentos/casa-de-aposentadoria-nova).
Eram também subtraídas à jurisdição ordinária as causas da cidade de Lisboa.
A cidade de Lisboa tinha um juiz próprio, como se vê nas Ordenações: hão de responder perante a Corte os Conselhos (Municípios), não sendo o da cidade de Lisboa, que tem juiz particular (Ord. Filipinas, Livro III, tit. VI, 5).
Eram também subtraídas à jurisdição ordinária as causas as do protomedicato.
O Promedicato era um corpo técnico encarregado de supervisionar o exercício das profissões sanitárias (médicos, cirurgiões e farmacêuticos).
(fue un cuerpo técnico encargado de vigilar el ejercicio de las profesiones sanitarias (médicos, cirujanos y farmacéuticos), así como de ejercer una función docente y atender a la formación de estos profesionales. http://es.wikipedia.org/wiki/Protomedicato)
Teve existência no Brasil Colonial de 1782 a 1809).
Eram também subtraídas à jurisdição ordinária as causas dos falidos, de contrabandos, de falsidade, as da Misericórdia e do Hospital de Lisboa.
Competia ao juiz dos feitos da Misericórdia e do Hospital da Cidade de Lisboa, que era um dos desembargadores da Casa da Suplicação, conhecer dos feitos sobre as coisas da dita Misericórdia, e sobre os bens e propriedades do dito Hospital, e dos feitos que a Misericórdia e Hospital movessem contra algumas partes, ou as partes contra as ditas Casas sobre bens, propriedades de coisas deles (Ord. Filipinas, Livro I, tít. XVI).
Competia ao Juiz da Chancelaria da Casa da Suplicação conhecer das alegações de erros de ofício e de erros de conta (Ordenações Filipinas, Livro I, tít. XIV, 1 e 4).
Uma das medidas tomadas em decorrência do terremoto de Lisboa foi a criação do Juízo da Inspeção dos Bairros de Lisboa.
(http://antt.dglab.gov.pt/wp-content/uploads/sites/17/2013/10/5-A-TT-ao-encontro-de-Todos-2012-Tombos-de-Lisboa.pdf).
O terremoto ocorreu no dia 1 de novembro de 1755, tendo sido seguido de um tsunami, que se crê tenha atingido a altura de 20 metros, e de múltiplos incêndios.
O terremoto foi devastador e destruiu toda a cidade de Lisboa. De uma população de 275 mil habitantes, calcula-se que 90.000 morreram.
(http://pt.wikipedia.org/wiki/Sismo_de_Lisboa_de_1755)
Finalmente, eram também subtraídas à jurisdição ordinária as causas das Capelas e Resíduos.
Competia aos Provedores das capelas e resíduos da cidade de Lisboa ver os testamentos dos defuntos e exigir contas dos testamenteiros, bem como conhecer dos feitos e de todas as coisas que dissessem respeito às capelas e administrações delas, dando apelação e agravo nos casos que não coubessem em sua alçada (Ordenações Filipinas, Livro I, tít. L).