Episódio 48: Primeiras Linhas de Processo Civil. 5 – Privilégios de foro e prevenção
Texto:José Caetano Pereira e Sousa e José Tesheiner
Apresentação:Bruno Jardim Tesheiner e Júlio Jardim Tesheiner
Narração:José Tesheiner e Sophia Salerno Peres
Duração do episódio: 13 minutos e 43 segundos
Música:Julians Auftritt, de Christoph Pronegg, Klassik - Album 2008:Siciliana, de Schumann, por Marco Tezza
Edição de áudio:André Luís de Aguiar Tesheiner
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Comentários às Primeiras Linhas de José Joaquim Caetano Pereira e Sousa :
Continuamos a leitura das Primeiras Linhas de José Joaquim Pereira e Sousa, como que numa conversa entre interlocutores separados por 200 anos. Nosso tema de hoje é “A competência, 2a parte”).
Diz José Joaquim Pereira e Sousa:
São pessoas privilegiadas quanto ao foro: I, os eclesiásticos: II, os soldados: III, os cavaleiros das ordens militares: IV, os desembargadores: V, os lentes e estudantes da Universidade de Coimbra, VI, os oficiais, e familiares do Santo Ofício: VII, os moedeiros: VIII, os rendeiros fiscais: IX, os oficiais da saúde: X, os da Bula da Cruzada: XI, os soldados da guarda real: XII, as viúvas, os órfãos, menores de 14 anos, e mais pessoas miseráveis: XIII, os moradores das terras dos donatários: XIV, os escrivães e mais oficiais da alfândega: XV, os pescadores: XVI, os oficiais da corte: XVII, os das secretarias de Estado: XVIII, os deputados, e oficiais da Junta do Comércio: XIX, os fabricantes sujeitos à mesma Junta: XX, os estrangeiros vassalos das nações aliadas que tem juiz conservador do Reino.
No concurso de privilégios procede a regra que o privilegiado não goza do privilégio contra outro igual privilegiado.
É curioso que o Autor, num livro de processo civil, aponte os eclesiásticos como tendo privilégio de foro, porque apenas nos crimes os religiosos estavam sujeitos à jurisdição eclesiástica. Estavam também sujeitos à jurisdição eclesiástica quando flagrados praticando caça ou pescaria proibidas, caso em que os juízes deveriam mandar o traslado de suas culpas aos Prelados, ou a seus vigários, com suas cartas requisitórias, para que procedessem contra eles, como se lê nas Ordenações (Livro 5 Tít. 88, § 16).
No cível, os eclesiásticos respondiam perante as Justiças seculares, como se lê no Livro II, Titulo I, das Ordenações: Os Arcebispos, Bispos, Abades, Priores e Clérigos e outras pessoas Religiosas... em qualquer feito civil... podem ser citados perante quaisquer Justiças e Juízes leigos, onde forem moradores, ou perante os Corregedores de nossa Corte, ou o Juiz das ações novas. Porque sem razão seria, não haver no Reino quem deles fizesse justiça e direito, e ... os irem demandar em Roma.
Também os soldados e os cavaleiros das ordens militares tinham foro especial, mas somente nas causas criminais. Tinham, porém, foro privativo também nas causas cíveis os cavaleiros da Ordem de São João de Jerusalém, ou de Malta.
(Pereira e Sousa nota 65)
Os desembargadores respondiam perante os Corregedores da Corte. Mandamos, diziam as Ordenações, que enquanto os Desembargadores andarem, ou forem ver suas fazendas, ou a algum lugar por nosso serviço, ou mandado, não possam ser citados, demandados, nem acusados perante juízes alguns por feito cível, nem crime, salvo perante os Corregedores da Corte (Livro II, tít. 59, § 10).
Os lentes e estudantes da Universidade de Coimbra respondiam perante o seu Conservador. Bem assim queremos, diziam as Ordenações, que o estudante, que continuadamente estuda na Universidade de Coimbra, enquanto nela estudar, não seja constrangido responder e litigar perante os Corregedores da Corte, porque há de responder perante o seu Conservador.
Conservador era o oficial a quem incumbia fazer cumprir e respeitar os privilégios de certas corporações, administrando-lhes justiça.
Os oficiais e familiares do Santo Ofício tinham como seu juiz privativo o Juiz do Fisco da Inquisição.
Os moedeiros respondiam perante o seu Conservador. Lê-se nas Ordenações: Embora os Corregedores da Nossa Corte possam conhecer das causas dos privilegiados, havemos por bem, que não tomem conhecimento das causas dos Moedeiros da Cidade de Lisboa, mas as remetam ao seu Conservador, para ele as despachar, como for de justiça. Moedeiros eram os particulares a quem o Rei delegava um de seus direitos majestáticos.
Os rendeiros fiscais eram particulares que haviam arrematado rendas do Fisco. Eles gozavam de vários privilégios, entre eles o de responder apenas perante o Contador. Lê-se nas Ordenações: Todos os rendeiros, que nossas rendas tiverem, sejam escusos de com eles pousarem, nem lhes tomem de aposentadoria suas casas de morada, adegas, celeiros, estrebarias, nem lhes seja tomado roupa, vinho, azeite, galinhas, palha, bestas, nem outra alguma coisa contra a sua vontade. E mandados que o Contador conheça dos feitos dos ditos rendeiros, assim no crime, como no cível. (Livro II, Tít. LXIII, caput e § 3o).
Também tinham foro especial os Oficiais da Saúde e os da Bula da Cruzada.
As viúvas, os órfãos, menores de 14 anos, e mais pessoas miseráveis tinham o privilégio de escolha do juiz. Lê-se nas Ordenações: E o órfão varão menor de 14 anos, e a viúva honesta, e pessoas miseráveis, ainda que sejam autores, têm privilégio de escolher por seu juiz os corregedores da corte, ou o juiz das ações novas na Casa do Porto, sendo do seu Distrito, ou os Juízes ordinários do lugar, a que diretamente pertenceria o conhecimento da causa, qual eles mais quiserem.
Os moradores das terras dos donatários sujeitavam-se, em primeira instancia, à jurisdição dos donatários. Em idos tempos, os Reis, para mostrar a afeição e amor que tinham às Rainhas, aos Infantes e a alguns senhores, lhes havia concedido terras, vilas e lugares, com toda a sua jurisdição cível e crime, mero e misto império, não reservando para si parte alguma da dita jurisdição. As Ordenações Filipinas tratavam de restringir o alcance dessas cláusulas, esclarecendo que elas não excluíam ficasse reservada ao Rei a mais alta superioridade e Real Senhorio, que ele tem em todos os seus súditos e naturais, e estantes em seus Reinos (Livro II, Tit. XLV).
Quanto aos escrivães e mais oficiais da alfândega dispunham as Ordenações que competia ao Ouvidor da Alfândega da Cidade de Lisboa conhecer dos feitos crimes, ou cíveis, em que fossem réus ou autores. (Livro I, tít. LII, § 10).
Tinham foro especial, alem dos pescadores, os oficiais da Corte, os das Secretarias de Estado, os oficiais da Junta de Comércio, os fabricantes sujeitos à mesma Junta e, finalmente, os estrangeiros vassalos das nações aliadas, submetidos estes ao respectivo Juiz conservador. Era o caso dos ingleses, dos espanhóis, dos franceses, dos alemães, dos holandeses, etc.
Com tantos privilégios, era natural que houvesse concurso de privilégios, exigindo regulamentação. A regra então era de que, sendo os privilégios de igual grau, prevalecia o juízo do réu: não o sendo, o de maior grau prevalecia sobre o de menor grau. Era o caso do privilégio dos desembargadores, que era superior a todos os outros privilégios pessoais. (Pereira de Sousa, nota 83)
O juiz não pode fazer ato algum de jurisdição fora de seu território.
O caráter territorial da jurisdição decorre do princípio da efetividade. É preciso que o juiz tenha poder de fato sobre o réu, para que sua decisão tenha eficácia prática.
O juiz que seria competente, ou em razão do domicílio do réu, ou em razão da qualidade da questão pode ser prevenido por outro juiz.
A prevenção supõe que mais de um juiz possa conhecer da causa.
A prevenção é pois o direito que tem um juiz de conhecer de alguma questão que primeiro se sujeitou ao seu conhecimento.
Havendo dois ou mais juízes igualmente competentes, fica preventa a competência do juiz que primeiro dela tomou conhecimento.
Pode ser a prevenção perfeita ou imperfeita, segundo for ou não compatível o declinar-se a jurisdição do juiz que primeiro conheceu da causa.
Dizia-se, pois, imperfeita a prevenção quando não produzia o efeito de fixar a competência do juiz que primeiro conheceu da ação.
Produzem a prevenção nas matérias civis a citação, nas criminais a prisão.
No mesmo sentido dispõe atualmente o artigo 219 do Código de Processo Civil: A citação válida torna prevento o juízo. Entretanto, correndo em separado ações conexas perante juízes com a mesma competência territorial, considera-se prevento aquele que despacho em primeiro lugar (art. 106).
No crime, a prevenção decorre da prática de qualquer ato do processo ou de medida a este relativa, ainda que anterior ao oferecimento da denúncia ou da queixa (CPP, art. 83).
Pois é. Enquanto isso, em 1818, aos 19 anos, o futuro Imperador D. Pedro I do Brasil casava-se com a arquiduquesa Leopoldina, filha do Imperador Francisco I da Áustria, em cerimônia realizada no Rio de Janeiro, na Igreja Santa Efigênia, na rua da Alfândega.