Episódio 49: Primeiras Linhas de Processo Civil. 6 – Do autor e do réu
Texto:José Caetano Pereira e Sousa e José Tesheiner
Apresentação:Marcelo Bopp Tesheiner
Narração:José Tesheiner e Sophia Salerno Peres
Duração do episódio: 15 minutos e 12 segundos
Música:Julians Auftritt, de Christoph Pronegg, Klassik - Album 2008:Siciliana, de Schumann, por Marco Tezza
Edição de áudio:André Luís de Aguiar Tesheiner
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Comentários às Primeiras Linhas de José Joaquim Caetano Pereira e Sousa
Autor, se diz a pessoa que pede em juízo que se lhe dê, ou faça alguma coisa, ou que se lhe julgue algum direito. Réu se diz a pessoa contra quem se dirige, e se propõe a ação em juízo.
O conceito de autor e de réu é semelhante ao hoje adotado, mas com a importante diferença de que na atualidade se ressalta que autor e réu são os que se encontram em juízo em nome próprio. Se estão em juízo em nome de outrem, este é que é considerado autor ou réu, embora, na verdade, não estejam eles próprios nem a pedir nem a se defender, como no caso dos absolutamente incapazes.
Podem demandar em juízo todos os que não são expressamente proibidos. Por via de regra podem ser demandados todos aqueles que tem a livre administração de seus bens.
Na atualidade, toda pessoa pode demandar ou ser demandada. O que pode ocorrer é que alguém não possa demandar ou ser demandado em nome próprio, necessitando de alguém que o represente em juízo, como o absolutamente incapaz.
São proibidos de demandar: I, o furioso: II, o demente: III, o pródigo: IV, o menor sem assistência do seu tutor, ou curador: V, o banido: VI, o mudo, e surdo: VII, o filho-familias sem autoridade do seu pai: VIII, a mulher sem autoridade de seu marido: IX, o religioso sem autoridade do seu Prelado: X, o escravo sem autoridade de seu senhor: XI, o marido litigando sobre bens de raiz sem outorga da mulher: XII, o julgador temporal. Não podem ser demandados em juízo: I, o furioso: II, o mentecapto: III, o pródigo, depois de declarado tal: IV, o menor sem assistência de tutor, ou curador: V, o preso: VI, o escravo: VII, o mudo e surdo: VIII, o filho-famílias: IX, o religioso: X, a mulher casada: XI, o magistrado temporal.
Trata-se, aqui, na sua maior parte, do que na atualidade se chama de legitimação para o processo, que falta às pessoas indicadas, a começar pelo furioso, demente ou mentecapto.
“Desassisado, desmemoriado, mentecapto, doido, sandeu, furioso, demente, louco, e outros”, diz Manual Antônio Coelho da Rocha, ‘são diferentes nomes, por que nas leis se encontrarão designadas as pessoas, que tem suas faculdades intelectuais desarranjadas, conforme o maior ou menor grau do desarranjo.”
(Instituições de Direito Civil português.. 2a. ed. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1848. p. 262. http://books.google.com.br/books?id=cbARoA_RITAC&:printsec=frontcover&:dq=inauthor:%22Manuel+Antonio+Coelho+da+Rocha%22&:hl=pt-BR&:sa=X&:ei=TnSnU4uXCJXMsATagoGYDg&:ved=0CDQQuwUwAg#v=onepage&:q&:f=false)
Pródigo é o que gasta imoderadamete, pondo em risco o seu patrimônio. É bem conhecida a parábola bíblica do filho pródigo que, tendo pedido e recebido antecipadamente a herança de seu pai, partiu para um pais longínquo, onde dissipou todos os seus bens, vivendo dissolutamente. Arrependido, retornou à casa do pai, que o recebeu com alegria e, chamando seus empregados, disse-lhes: Trazei-me depressa a melhor roupa e vesti-lha, e ponde-lhe um anel no dedo e sandálias nos pés: trazei também o novilho cevado, matai-o, comamos e regozijemo-nos, porque este meu filho era morto e reviveu, estava perdido e se achou” (Lucas, cap. XV).
Nos termos do Código Civil vigente, o pródigo pode ser interditado, sendo então considerado incapaz relativamente a certos atos, ou a maneira de os exercer (Cod. Civil, art. 4o). A interdição o priva de, sem curador, praticar certos atos, entre os quais o de demandar e o de ser demandado (art. 1.782).
Filho-famílias era o filho ou o neto, que estava debaixo do poder do pai ou do avô paterno, enquanto não se emancipava.
(José Ferreira Borges. Diccionario Jurídico-Comercial. 2. Ed. Porto: Tipografia Sebastião José Pereira, 1856. Verbete Filho-famílias. Verbete emancipação.).
A emancipação era legal, por atingida a maioridade: expressa ou convencional, quando outorgada pelo pai na presença do juiz e tácita, pelo casamento, tendo o filho 20 anos. (3 ) Atingia-se a maioridade aos 25 anos.
(Ver Ordenações Filipinas, Livro III, Tit. XLI).
Nos termos do Código Civil vigente, são relativamente incapazes os maiores de dezesseis anos e menores de dezoito (art. 4o). Por isso, para estar em juízo necessitam seja sua incapacidade suprida por pai, mãe, tutor ou curador.
A pena de banimento consistia na perda da cidadania, associada à proibição de permanecer no território nacional. O banido não podia demandar, nem por si, nem por quem o representasse. Era-lhe, pois, negado o acesso à justiça. Sendo, porém, demandado, podia defender-se por procurador.
(Pereira e Sousa, nota 95)
Proclamada a República, o presidente Marechal Deodoro da Fonseca, por decreto de 23 de maio de 1889, baniu a família real do Brasil.
A pena de banimento é hoje proibida pela Constituição (art. 5o, XLVI, d).
Quanto ao surdo e mudo, na atualidade, ele só é absolutamente incapaz se dessa deficiência resulta falta de discernimento para a prática de atos da vida civil (Cód. Civil, art. 3o).
A mulher casada, o escravo e o religioso não podiam demandar ou ser demandados sem a assistência, respectivamente, do marido, do senhor e do prelado.
Contudo, sobre bens de raiz, o próprio marido não podia litigar sem outorga da mulher.
Quanto aos magistrados, dispunham as Ordenações que qualquer julgador temporal que pode conhecer de feitos crimes,ou cíveis de toda quantia, não pode citar, nem ser citado, durante o tempo de seu ofício, para não ser tirado das ocupações que ao ofício pertencem, salvo se a ação, que ele quisesse contra outrem, ou outrem contra ele, fosse tal, que poderia perecer (Livro III, Tít. IX).
Finalmente, não podia ser demandado o preso. Diziam as Ordenações: O preso, ou encarcerado em cadeia pública por autoridade de Justiça ... não poderá ser citado, para haver de responder por feito cível, enquanto assim for preso. Porém poderá ser citado, embora esteja preso, para responder, depois que for solto.
Ninguém regularmente pode ser obrigado a propor ação em juízo contra sua vontade. O réu a respeito de suas exceções faz as vezes de autor.
A regra de ninguém pode ser obrigado a propor ação contra a sua vontade permanece. Trata-se de uma regra absoluta, que não admite exceções? O problema surge nas hipóteses de litisconsórcio necessário ativo.
Michellle Mirande Perez narra a controvérsia que se estabeleceu a respeito:
Como o Código de Processo Civil, em seu artigo 47, utiliza o termo “citação” para o ato de regularizar o processo ante a ausência do litisconsorte necessário, boa parte da doutrina e da jurisprudência tem entendido que só é possível a regularização quando o litisconsorte for ocupar a posição de réu, ao argumento de que citação é o ato pelo qual se chama o réu em juízo para se defender. Desse modo, concluem pela impossibilidade de chamamento dos litisconsortes ativos, uma vez que o artigo 47, do Código de Processo Civil, refere-se a citação, e este ato é incompatível com o chamamento de autores.
(...)
Seguindo o entendimento de Celso Agrícola Barbi, o professor Humberto Theodoro Júnior sustenta que, se não observado o litisconsórcio ativo necessário na propositura da ação, não poderá o juiz ordenar a citação dos outros litisconsortes, ao fundamento de que tecnicamente citação significa o chamamento que se faz ao réu para apresentar sua defesa. Ademais, sustenta que ninguém pode ser constrangido a demandar como autor, porque o direito de ação é uma faculdade e não uma obrigação.
(...)
Segundo Nelson Néri Júnior, não há razão para dúvidas acerca da existência do litisconsórcio ativo necessário, e o problema de um dos litisconsortes não querer litigar em conjunto com o outro deve ser resolvido com a citação dos outros litisconsortes para integrar de maneira forçada a relação processual, incluindo-o no pólo passivo, pois o que importa para a lei e para que a sentença seja válida e eficaz é que os litisconsórcios necessários participem da relação processual, não importando em que pólo esteja.
Defende ainda o renomado doutrinador que o fato de um dos litisconsortes não querer litigar não pode inibir os outros de ingressarem com a ação em juízo, pois isto ofenderia a garantia constitucional do direito de ação.
(Michelle Miranda Perez. Considerações sobre o litisconsórcio ativo necessário. www.juspodivm.com.br. Acesso em 23/06/2014)
Permanece também a regra de que, em oferecendo exceção, o réu torna-se autor, isso porque – primeiro – não é obrigado a oferecer exceção contra a sua vontade e – segundo - porque lhe incumbe o ônus da prova.?por Pereira e Sousaoria que se adote, se pedir antes do tempo ou do implemento de condiçesença do juiz e tacita,ra de os exercer
Não pode o autor pedir mais do que se lhe deve, ou seja em razão da coisa, ou do tempo, ou antes do implemento da condição, ou mais do que já recebeu.
Compreende-se hoje que as matérias elencadas por Pereira e Sousa não dizem respeito ao processo, mas à res in judicio deducta, isto é, ao mérito. A sentença será de improcedência, se o autor pedir coisa diversa da que lhe é devida: improcedente em parte, se pedir mais do que lhe é devido: de carência de ação, ou de improcedência, conforme a teoria que se adote, se pedir antes do tempo ou do implemento de condição.
Pode o autor desistir da demanda, se o caso se acha re integra, pagando as custas do processo.
A regra hoje é que, depois de decorrido o prazo para a resposta, o autor não pode desistir da ação sem o consentimento do ré (CPC, art. 267,§ 4o.
Deve o autor vir preparado a juízo, e não se lhe concede tempo para deliberar.
Estabeleciam, contudo as Ordenações que ao autor se daria tempo para optar entre desistir da demanda ou nela prosseguir, caso o réu alegasse coisa que o autor não podia saber quando intentou a demanda (L. III, Tít. XX, § 2o).
O que é licito ao autor o deve ser igualmente ao réu. Antes a condição de réu é mais favorável que a do autor.
Trata-se aí do que hoje se chama de paridade de armas. Era, contudo, mais favorável a posição do réu porque, via de regra, lutava por manter o status quo. Hoje, a possibilidade de antecipação de tutela desmente, em parte, essa afirmação.
Pois é. Enquanto isso, em 1814, iniciava-se o reino de Luís XVIII, primeiro Bourbon a reinar na França depois da Revolução, instaurando-se uma monarquia constitucional, sob a Carta de 1814.