Episódio 50: Primeiras Linhas de Processo Civil. 7 – Do advogado
Texto:José Caetano Pereira e Sousa e José Tesheiner
Apresentação:Marcelo Bopp Tesheiner
Narração:José Tesheiner e Sophia Salerno Peres
Duração do episódio: 10 minutos e 34 segundos
Música:Julians Auftritt, de Christoph Pronegg, Klassik - Album 2008:Siciliana, de Schumann, por Marco Tezza
Edição de áudio:André Luís de Aguiar Tesheiner
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Comentários às Primeiras Linhas de José Joaquim Caetano Pereira e Sousa
Advogado é o jurisconsulto que aconselha, e auxilia as partes litigantes em juízo, admitido para esse fim por autoridade pública.
Diferenciava-se o advogado do procurador. Como o nome indica, o procurador tinha procuração da parte para representá-la em juízo: limitando-se a aconselhar e a auxiliar a parte, o advogado não precisava de procuração. O procurador não precisava ser letrado: o advogado havia de ter, no mínimo, o grau de bacharel. (Pereira e Sousa, nota 129)
O advogado deve ser não somente pessoa douta, mas de probidade. Deve ser civil, discreto, sincero, e abster-se da loquacidade.
Civil significa aí a qualidade daquele que tem civilidade: é aquele que observa as regras do convívio social.
Podem ser advogados todos aqueles que não são proibidos. São porém proibidos: I, o menor de dezessete anos: II, a mulher: III: o mudo: e surdo: IV, o furioso: V, o demente: VI, o pródigo: VII, o infame: VIII, o clérigo: IX, o juiz na mesma causa: X, o escrivão, meirinho, ou alcaide.
Nos tempos da Reconquista Cristã, em Portugal e em outros reinos ibéricos, o alcaide era o magistrado, de origem nobre, nomeado pelo rei, que desempenhava funções militares numa cidade ou vila sede de município, residindo como tal no castelo da mesma.
Findas as guerras com os muçulmanos, o cargo de alcaide perdeu o seu caráter bélico e tornou-se gradualmente um magistradojudicial: aplicava as justiças em nome do rei e era o sumo garante do cumprimento da lex.
O título de alcaide que usualmente era hereditário, ao longo dos séculos, de diversas reformas foram esvaziando de poderes e tornou-se, a partir do século XVII, apenas sinal de honra e prestígio, visto que as funções que tradicionalmente desempenhara deixaram de existir. (http://pt.wikipedia.org/wiki/Alcaide. Acesso em 25/0-6/2014).
Meirinho era o que se chama hoje de oficial de justiça.
Tem por direito o advogado privilégios pessoais, e reais. Aqueles são: I, a nobreza anexa ao seu emprego: II, a homenagem: III, não ser obrigado a jurar fora de sua casa: IV, todos os privilégios militares, exceto aqueles que os soldados tem em razão da ignorância do direito.
A advocacia era um ofício que atribuía como que um titulo de nobreza a quem a exercia, conferindo-lhe alguns privilégios pessoais, entre os quais o de não ser obrigado a depor senão em sua própria casa.
Não é preciso dizer que já não é assim.
Os privilégios reais do Advogado são: I, dever-se-lhe honorário, ainda não sendo estipulado: II, serem isentos das coletas, e ônus reais dos Conselhos: III, não se lhes poderem tomar as suas casas para alojamento de soldados: IV, gozarem da aposentadoria ativa, e passiva.
Concelho era uma unidade de divisão territorial e administrativa. No Brasil, a designação de “concelho” foi abandonada, adotando-se a de município. Era dos vereadores o encargo do Regimento da terra e das obras do concelho, entre as quais a construção e manutenção dos caminhos, fontes, chafarizes, pontes, calçadas e postos, para o que se impunha tributo, entre outros, aos oficiais mecânicos, jornaleiros, mancebos e moças de saldada. Não bastando o valor arrecadado, os Concelhos instituíam e cobravam um tributo extraordinário, as fintas. Mas havia privilegiados que não eram obrigados a pagá-las. Lê-se nas Ordenações:
E as pessoas, que são escusas de pagar na dita finta, quando assim for lançada, são as seguintes: os fidalgos, cavaleiros, escudeiros de linhagem, ou de criação de algum fidalgo (...) E isso mesmo os doutores, licenciados, bacharéis em teologia, cânones, leis, ou medicina, que forem feitos por exame em estudo geral. E assim os juízes, vereadores, procurador do concelho e tesoureiro, no ano em que servirem, e algumas pessoas, que tão pobres sejam, que principalmente vivam por esmola. E bem assim os que tiverem privilégio especial, que não paguem as fintas do Concelho.
Os que não eram advogados, estavam sujeitos a ser desalojados de suas casas, para alojamento de solados.
A aposentadoria ativa e passiva, privilégio de que gozavam os advogados, não tem nada a ver com o que hoje chamamos de aposentadoria, inatividade remunerada do trabalhador, uma vez preenchidos os requisitos legais, dentre os quais geralmente longos anos de trabalho.
Pode-se extrair o conceito de aposentadoria ativa e passiva do texto que segue:
Fugindo das tropas de Napoleão, que estavam a apenas dois dias de Lisboa, a família real partiu, numa atabalhoada fuga, rumo à sua maior colônia d’além mar, o Brasil. Assim, em março de 1808, junto com Sua Majestade, mais de dez mil pessoas aportaram de repente no Rio de Janeiro.
Mas, onde instalar todos aqueles nobres e protegidos que, às pressas, deixaram seus solares, quintas e herdades muitas vezes sem tempo nem de preparar direito a bagagem? Simples: escolhiam-se as melhores habitações da cidade e as famílias eram obrigadas a desocupar seus aposentos – incluindo aí suas cousas, como móveis, pratarias, roupas de cama, criados e o que mais o hóspede escolhesse. Taí a origem da palavra aposentadoria.
Quem tinha uma habitação regular, de uma hora para outra, podia deparar à porta com as iniciais P. R., que significavam Príncipe Real, ou, em bom português, “Ponha-se na Rua”. Existia tanto a aposentadoria passiva como a ativa. A passiva permitia que o proprietário, embora recebendo o hóspede, permanecesse na casa.
O ato de despojar a pessoa de sua casa era um costume antigo da nobreza portuguesa. Desde a dinastia de Borgonha, os reis usavam e abusavam desse preceito. A partir de 1590, virou imposição legal. Assim, os deslocamentos dos reis de Portugal pelo país eram precedidos por um personagem da casa real, o aposentador-mor, que ia à frente escolhendo os aposentos que lhes serviriam de pouso. Nada mais natural, portanto, que invocar o direito à aposentadoria para instalar toda aquela gente que chegava no Rio de Janeiro.
Vale notar que “o nobre ou protegido que se aboletava na casa alheia devia obrigatoriamente pagar um aluguel. Mas a verdade é que isso nem sempre foi feito. Pouco a pouco, principalmente com o falecimento das importantes personagens que para cá vieram, os proprietários começaram a reaver as suas casas. O regime das aposentadorias foi extinto no reino de Portugal a partir de 25 maio de 1821. No Brasil isso ocorreu dois anos depois: a 20 de outubro: o que constituía uma conseqüência da volta de muita gente para Portugal, acompanhando o rei d. João.”(http://saraupontocom.wordpress.com/2008/07/06/napoleao-bonaparte-trouxe-a-aposentadoria-para-o-brasil/trackback/
Responde o advogado pelo dano, causado por seu dolo, culpa, ou ignorância.
Mandamos, diziam as Ordenações, que se as partes por negligência, culpa, ou ignorância de seus procuradores receberem em seus feitos alguma perda, lhes seja satisfeito pelos bens deles (L. I, Tit. 48, § 10).
Locomotiva: Richard Trevithick, 1804.