Episódio 62: Primeiras Linhas de Processo Civil. 19 – Das cauções e da litiscontestação

Texto:José Caetano Pereira e Sousa e José Tesheiner

Apresentação:Marcelo Bopp Tesheiner

Narração:José Tesheiner e Sophia Salerno Peres

Duração do episódio: 13 minutos e 09 segundos

Música:Julians Auftritt, de Christoph Pronegg, Klassik - Album 2008:Siciliana, de Schumann, por Marco Tezza

Edição de áudio:André Luís de Aguiar Tesheiner

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Comentários às Primeiras Linhas de José Joaquim Caetano Pereira e Sousa

Das cauções e da litiscontestação

Continuamos nossos comentários às Primeiras Linhas de Processo Civil, como que numa conversa entre interlocutores separados por dois séculos. Diz Joaquim José Caetano Pereira e Sousa:

Caução é o ato judicial pelo qual uma das partes litigantes presta à outra segurança da lesão iminente, ou possível.

As cauções aqui referidas são as que visam a garantir o juízo. Como observa Pereira e Sousa, havia outras cauções que eram objeto da própria ação, como a ação de bene utendo, prestada pelo usufrutuário: a caução de dano infecto, exigível do proprietário do prédio que ameaça ruína, para garantir os danos que possa causar: a caução de demoliendo, prestada para continuar a edificação, não obstante a nunciação, ou embargo de obra nova (nota 364).Observam Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero que as cauções podem ou não situar-se no campo do direito processual. Existem inúmeras cauções no plano do direito material. Cautelares são as cauções que asseguram a frutuosidade do dirieto à tutela ressarcitória ameaçado de um perigo de dano (p. 801).

A caução divide-se: I, em juratória: II, pignoratícia:, III, fideijussória: IV, e meramente promissória. A juratória segura com o juramento, a pignoratícia com os penhores, a fideijussória com os fiadores, e meramente promissória com a promessa.A garantia pignoratícia era real: a fideijussória envolvia a responsabilidade de um terceiro. A caução promissória e a juratória eram garantias prestadas pelo próprio caucionante.Na atualidade, a caução não é senão real ou fidejussória (CPC, art. 826).Aonde a Lei exige a caução se entende ordinariamente ser a fideijussória.Aquele que é obrigado a dar fiador deve dá-lo idôneo, nem se livra da obrigação jurando ou dando penhores.Admitia-se, contudo, prestação juratória, em lugar de fiança, desde que: se provasse pobreza do que jura: de o obrigado jurar não poder achar fiador: sendo pessoa honesta e de probidade: não suspeita de dilapidação ou fuga (nota 371).O Código vigente estabelece que, não determinando a lei a espe?cie de cauc?a?o, esta podera? ser prestada mediante depo?sito em dinheiro, pape?is de cre?dito, ti?tulos da Unia?o ou dos Estados, pedras e metais preciosos, hipoteca, penhor e fianc?a (art. 827)O autor à instancia do réu deve caucionar com fiança as custas dos autos.Diziam as Ordenações: E sendo requerido pelo réu, que o autor dê fiança às custas será obrigado a dá-la em qualquer tempo, que lhe for pedida”. (Livro III, XX, 6).O Código vigente estabelece que o autor, nacional ou estrangeiro, que residir fora do Brasil ou dele se ausentar na pendência da demanda, prestará, nas ações que intentar, caução suficiente às custas e honorários de advogado da parte contrária, se não tiver no Brasil bens imóveis que lhes assegurem o pagamento (CPC, art. 835). Mas vários tratados celebrados pelo Brasil excluem essa exigência. Há também quem sustente sua inconstitucionalidade.Essa caução não é exigida na execução fundada em titulo extrajudicial e na reconvenção (CPC, art. 838).O réu que não tem bens de raiz, e é estrangeiro, ou suspeito de fuga sendo demandado por ação real ou pessoal sobre coisa móvel é obrigado a caucionar com fiança o valor da coisa demandada.

Diziam as Ordenações: Se o autor mover demanda contra o réu sobre coisa móvel, dizendo que lhe pertence por direito, intentando sobre ela ação real, ou pessoal, e o réu não possuir bens de raiz seus, que valham tanto, como a coisa móvel demandada, sendo o julgador para isso requerido, constrangerá o réu, que satisfaça com penhores ou fiadores bastantes ... até o feito ser findo por sentença definitiva” (Livro III, Tít. XXXI).A caução de pagar o julgado, e sentenciado, e a caução de persistir em juízo não estão em uso no foro moderno.Atualmente, na Justiça do Trabalho, exige-se que o empregador vencido deposite o valor da quantia liquida em dinheiro, como requisito de admissibilidade do recurso.Sobre o objeto das cauções procede-se sumariamente.

Estabeleciam as Ordenações que o requerimento de caução se faria por palavra na audiência, escrevendo-se no processo, sem por isso o feito se retardar, nem se perder termo algum (Livro III, XX, 6).A ação para prestar caução é hoje regulada pelos artigos 826 a 834 do Código de Processo Civil.Conforme Humberto Dalla Bernardina de Pinho, esse procedimento aplica-se, mutatis mutandis, à ação para exigir caução. (p. 381).Isso sobre as cauções. Antes de passar ao próximo tema, anotamos que há duzentos anos, em 1814, faleceu o advogado e poeta brasileiro Manuel Inácio da Silva Alvarenga. Ela havia fundado a sociedade literária do Rio de Janeiro, que acabou por provocar a desconfiança das autoridades. O Conde de Resende, vice-Rei do Brasil, determinou o seu fechamento, a prisão de seus sócios e a abertura de um processo de devassa, em dezembro de 1794, que ficou conhecido como “A conjuração do Rio de Janeiro. Entre os documentos apreendidos, foi encontrado um projeto dos Estatutos da Sociedade Literária, em que se dizia que nela não haveria nenhuma superioridade, devendo ser dirigida igualmente e de modo democrático. Alvarenga reconheceu a autoria do documento, mas explicou que, à época de sua redação, o termo “democrático” não causava – “o horror que hoje deve causar”.(http://www.revistadehistoria.com.br/secao/retrato/retorica-de-liberdade)Pois é. Eram outros tempos. Outros eram também os tempos em que se falava de nosso tema a seguir: a litiscontestação.

Da litiscontestaçãoPela exposição da intenção do autor, e pela contradição do réu se forma o estado da questão, em que a litiscontestação consiste.Define-se pois a litiscontestação feita entre as partes litigantes, pela qual o juiz começa a conhecer da questão perante ele proposta.A litisconstestação é ou ficta ou real e verdadeira. Ficta é a que se presume feita logo que se propõe a ação. Real é a que se forma depois de ter o autor deduzido a sua intenção, e o réu a sua defesa.No processo formulário romano, a litiscontestação era o ato que encerrava a fase in iure do processo, presidida pelo pretor, que, em concedendo a ação, determinava o objeto do litígio, a ser resolvido na fase seguinte, in judicio, perante o juiz designado.O principal efeito da litiscontestação, explica Eugene Petit, era o de criar uma obrigação nova, extinguindo a anterior, tal como uma novação, mas com a diferença de que não extinguia as garantias, nem purgava a mora do devedor. Ademais, a litiscontestacãoo, fixava os elementos da ação, isto é, as partes, o pedido e a causa de pedir. Assim, uma ação popular, após a litiscontestação, tornava-se como que propriedade exclusiva do autor. Finalmente, a sentença que o juiz iria proferir deveria reportar-se à situação de fato existente à data da litiscontestação. (p. 852 e ss.).Não mais havendo essa divisão entre processo in iure e in judicio, já ao tempo de Pereira e Sousa não havia um ato que propriamente se pudesse chamar de litiscontestação. Mantinha-se, porém, o vocábulo para significar o conjunto das questões controvertidas a ser objeto da decisão judicial.Poder-se-ia, então, com mais propriedade, afirmar que a litiscontestação resultava do libelo mais a réplica e da contrariedade mais a tréplica.Sendo o réu revel, a litiscontestação era ficta, por inexistente a contrariedade do réu.Na atualidade, não mais se fala em litiscontestação, expressão banida do processo.São efeitos da verdadeira litiscontestação: I, perpetuar a ação temporal: II, produzir um quase contrato: III, fazer a coisa litigiosa: IV, excluir todas as exceções: V, induzir má-fé no possuidor da coisa demandada: VI, interromper a prescrição: VIII, transmitir a favor, e contra os herdeiros as ações que sem isso seriam transitórias.Alguns desses efeitos são hoje efeitos da citação. A idéia do processo como quase contrato, isto é, como se um contrato ou semelhante a um contrato foi substituída pela idéia do processo como relação jurídica ou de procedimento em contraditório.Pois é. Enquanto isso, em 1816, o francês Joseph Nicéphore Niepce, conseguia, pela primeira vez, gravar uma imagem com a ajuda de uma caixa de madeira numa folha de papel sensibilizado quimicamente. Nascia a fotografia.

BibliografiaALMEIDA, Fernando H. Mendes de. Ordenações Filipinas – Ordenações e leis do Reino de Portugal recopiladas por mandato Del Rei D. Filipe, o Primeiro. São Paulo: Saraiva, 1957.PETIT, Eugene. Trad. Jose Ferrandez Gonzáles. Tratado Elemental de Derecho Romano. Buenos Aires: Albatros, s/dMARINONI, Luiz Guilherme &: MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil comentado artigo por artigo. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Direito Processual Civil contemporâneo – Processo de conhecimento, cautelar, execução e procedimentos especiais. São Paulo: Saraiva, 2012.SOUSA, Joaquim José Caetano Pereira e. Primeiras Linhas sobre o Processo Civil. Coimbra: Imprensa Literária, 1872.

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Editores: 
José Maria Tesheiner
(Prof. Dir. Proc. Civil PUC-RS Aposentado)

Mariângela Guerreiro Milhoranza da Rocha

Advogada e Professora Universitária

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